O Foro de São Paulo, agrupamento de partidos de esquerda da América Latina, celebrou 30 anos em uma live, no último dia 28, com a presença de representantes do PT e dos governos ditatoriais de Cuba, Venezuela e Nicarágua. A transmissão gerou pouca repercussão: não foi divulgada e nem comentada pela presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR), e tampouco citada pelo presidente Jair Bolsonaro e seus filhos, que até ano passado mencionavam habitualmente o Foro como um inimigo a ser combatido.
A transmissão ao vivo e seu pequeno impacto exemplificam o status do Foro nos dias atuais. A entidade, criada pelo ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ditador cubano Fidel Castro em 1990, entrou em definitivo no centro do debate político nacional nos últimos anos, com a ascensão das forças conservadoras e de direita.
O escritor Olavo de Carvalho define o grupo com o "inimigo número 1" do Brasil e diz que sua influência foi mascarada durante anos. "O Foro de São Paulo foi escondido pela mídia nacional durante 16 anos, foi a maior fraude jornalística da história humana", disse Olavo em entrevista à BBC Brasil em maio.
O Foro de hoje não é, entretanto, uma entidade secreta. A reunião transmitida via Youtube com lideranças de vários países se soma a um website acessível a qualquer internauta e a menções frequentes à entidade nas páginas de partidos brasileiros como PT, PSB e PCdoB.
O que se pode definir como imprecisa é a real importância e influência do Foro de São Paulo na política brasileira. Entre apoiadores e opositores da esquerda nacional se encontram opiniões distintas: para alguns, o Foro é um agrupamento de peso que deve ser respeitado (ou combatido), e para outros não passa de um símbolo de ideologias que ficaram no passado.
De todo modo, os holofotes destinados ao Foro neste ano de 2020 são no mínimo menores do que os enviados ao grupo em anos recentes, quando se fortaleceu o grupo político hoje no poder do Brasil. As redes sociais de Jair Bolsonaro são um indicativo – o Foro de São Paulo foi mencionado pelo presidente em seu perfil no Twitter seis vezes ao longo de 2019, e apenas uma em 2020. Os filhos Flávio, Eduardo e Carlos também têm abordado a instituição com menos interesse neste ano.
Ainda assim, o Foro pode ser alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara. Deputados bolsonaristas buscam a coleta das 171 assinaturas necessárias para formalizar o pedido de abertura do colegiado. Quem lidera a iniciativa hoje é Chris Tonietto (PSL-RJ), ao lado de Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ).
"O maior inimigo do Brasil" ou "um movimento para o debate social"?
"O Foro é ainda, sim, um adversário de peso. Não está mais com o poder que já teve, mas ainda detém muitos pontos estratégicos. Há evidências de sua organização para tentar tomar o poder e empregar uma ideologia comunista", avalia o deputado bolsonarista Junio Amaral (PSL-MG).
O parlamentar apresenta um ponto de vista ainda presente em parte da direita brasileira, que endossa as palavras de Olavo de Carvalho e identifica no Foro de São Paulo um inimigo a ser combatido. Para Olavo, o Foro representa uma aliança ideológica que se ramifica para além da política partidária e que tem como objetivo a instalação do comunismo na América Latina.
Nessa ótica, o Foro de São Paulo não só é um grupo com visões opostas, mas é uma entidade com poder para influenciar o jogo político de diferentes países. Vice-presidente nacional do DEM, o ex-deputado federal José Carlos Aleluia (BA) cita os protestos recentes do Chile como exemplo. "Naqueles protestos, se via nitidamente que eles tinham uma estruturação feita, algo criado por especialistas de fora do Chile, que tinham como objetivo desestabilizar o governo [de Sebastián Piñera, de direita ou menos de centro-direita]", declara.
Aleluia foi deputado federal entre 1991 e 2011, período que inclui os dois mandatos do ex-presidente Lula (2003-2010). Para ele, no período a influência do Foro na gestão pública brasileira era determinante, em especial na política internacional. "O que se fez com a política externa na época foi deplorável", afirma Aleluia. A meta ali era colocar o Foro de São Paulo em primeiro lugar, e o Brasil em segundo."
A principal crítica dos integrantes da direita em relação à política externa das gestões de Lula e Dilma Rousseff se dá pelo apoio do Brasil a regimes como os de Venezuela e Cuba, que acumulam acusações de violação de direitos humanos.
Presidente nacional do PDT, partido que participa do Foro de São Paulo na condição de convidado, o ex-ministro Carlos Lupi rejeita a hipótese de que a instituição fomente qualquer ótica autoritária. "O mundo de hoje não permite a existência de qualquer regime autoritário. Mas quem tenta fomentar o autoritarismo é a direita autoritária. Se há, hoje, uma ameaça à democracia no mundo é a direita representada pelos presidentes Donald Trump (EUA) e Jair Bolsonaro", declarou.
Lupi considera o Foro um "um movimento para o debate social". "É algo que se contrapõe ao capitalismo mundial. Existem muitas instituições em defesa do capital financeiro, então o que é o Foro? É um grupo para debater visões estratégicas, benefícios sociais, algo importantíssimo para a sociedade", afirma o pedetista. O ex-ministro apontou que o seu partido envia representantes anualmente às reuniões do Foro.
Foro, algo que "ter ou não ter é a mesma coisa" e que "não assusta o Brasil"
Se o PDT de Lupi participa do Foro de São Paulo na condição de convidado, o PT é o principal braço brasileiro da instituição. Isso, no entanto, não aproxima o Foro de um petista histórico, o senador Paulo Paim (RS): "Só tenho sabido do Foro de São Paulo depois que o Olavo de Carvalho começou a falar a respeito", brinca.
Paim afirma que "no mundo real" o Foro não faz parte de seu cotidiano político, e tampouco das discussões habituais do PT. O senador relembra que em sua última campanha eleitoral, a de 2018, participou de um debate em que foi "provocado" por um oponente que o ficou questionando sobre o Foro de São Paulo. "Ele parecia apaixonado pelo Foro, e tive que dizer a ele que ele resolveria aquilo pelo lado psicológico", ironizou.
A questão do "mundo real" é também levantada por um adversário do PT, o deputado estadual Arthur Moledo do Val (Patriota-SP), conhecido como "Mamãe Falei". "Prefiro olhar para as coisas de uma forma mais pragmática. Não acho que exista uma conspiração mundial para se implantar o comunismo no mundo", afirma.
O parlamentar, que pertence ao Movimento Brasil Livre (MBL), afirma que questões ideológicas são foco de "uma pequena parcela da população". "Acho legítimo que exista uma pauta contra o Foro de São Paulo, que pessoas se oponham a ele. Mas não foi isso, nem coisas como o combate ao globalismo, ao George Soros, que elegeu o Bolsonaro em 2018", afirma.
Também rival do PT, o senador Alvaro Dias (Podemos-PR) é outro que desmerece a importância do Foro. Para ele, o grupo "fracassou" e "não assusta o Brasil". "É um grupo que está em franca decadência. Foi derrotado por conta de suas ideias, por ter implantado um populismo desbragado, com uma gestão precária, consagradamente incompetente e que praticou o abuso da corrupção", afirma.
Já o deputado federal Daniel Almeida (PCdoB-BA) resume o Foro como "um espaço para articular experiências conexas". "Todas as relações são globais, e por isso precisamos de um ambiente de debate. E o Foro não deve ir além disso. Não há nada nele de conspiração ou articulação de Estado. No Foro as coisas são feitas às claras, de modo transparente e aberto."
CPI do Foro é ideia do ano passado que pode voltar
A ideia da criação de uma CPI para investigar o Foro de São Paulo foi anunciada por Eduardo Bolsonaro ainda no primeiro semestre de 2019. A proposta influenciou em sua fracassada tentativa de se tornar o embaixador do Brasil nos EUA. À época das negociações, Olavo de Carvalho se manifestou dizendo que Eduardo seria mais importante articulando a CPI do que atuando como embaixador.
Mas o assunto acabou esfriando na segunda metade do ano passado e sumiu dos discursos dos bolsonaristas. Nesse ano, reapareceu em algumas abordagens. Atualmente, a deputada Tonietto busca a coleta das assinaturas necessárias.
À Gazeta do Povo, a assessoria da parlamentar informou que o trabalho de obtenção dos apoios foi prejudicado com a deflagração da pandemia de coronavírus e que o projeto busca o endosso inclusive de integrantes da Câmara que não apoiam o governo Bolsonaro.
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