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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai discursar na reunião geral do Foro de São Paulo, que vai acontecer nesta quinta-feira (29). O evento reúne líderes de esquerda da América Latina e deve deixar a reputação do petista ainda mais desgastada internamente e também no exterior. Especialistas avaliam que Lula tem feito apostas erradas ao se aproximar de ditadores e deve manchar ainda mais sua imagem internacionalmente se reforçar o discurso anti-Ocidente que predomina nas reuniões do grupo.
Fundado em 1990 por Lula e pelo antigo ditador cubano, Fidel Castro, o Foro de São Paulo (FSP) foi criado com o intuito de unir a esquerda latino-americana após o colapso da União Soviética. Em 33 anos, a organização se consolidou como uma força que tenta impor pautas de esquerda ao subcontinente, apoiou grupos criminosos como as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e faz vistas grossas a ditaduras.
Atualmente, 123 partidos, de 27 países, estão associados ao Foro. Em solo brasileiro, de acordo com o site da organização, o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT) estão na lista de associados ao grupo. Procurada pela reportagem, no entanto, a assessoria do PDT que informou que não faz mais parte do grupo, ainda que o nome do partido conste na lista de associados no site do Foro de São Paulo.
Para a doutora em Ciências Políticas Deysi Cioccari, Lula está "fornecendo argumentos para a oposição" ao posar com ditadores e confirmar presença no Foro de São Paulo. Segundo a especialista, o petista está apostando em um alto risco político, levando em consideração que atualmente o Foro não é um consenso nem mesmo dentro do PT. "Lula tem dobrado a aposta em questões sensíveis e [sua presença no Foro de São Paulo] certamente vai reforçar a ideia de que ele apoia ditaduras", pondera Cioccari.
No final de maio, o presidente brasileiro tentou demonstrar força ao reunir os presidentes da América do Sul em Brasília para a Cúpula da América do Sul. Tal esforço, no entanto, foi minado por ele mesmo com declarações equivocadas sobre a Venezuela. Ao se encontrar com o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, Lula disse que a Venezuela era "vítima de uma narrativa de antidemocracia e autoritarismo".
A fala do presidente brasileiro é totalmente equivocada. A Venezuela possui um extenso histórico de crimes, entre eles prisões e assassinatos de opositores políticos, censura de partidos políticos e repressão pesada contra a livre opinião.
As alegações causaram reações em chefes de Estado de direita e também de esquerda, que repreenderam as afirmações do petista. Ainda na última semana, durante viagem à França, Lula também teve um encontro com o ditador cubano, Miguel Mario Díaz-Canel Bermúdez. Em sua conta no Twitter, o petista disse que os dois discutiram "questões bilaterais que foram abandonadas nos últimos anos".
Para Cezar Roedel, mestre em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a participação de Lula no Foro de São Paulo é mais uma prova de sua "subserviência a modelos de regimes ditatoriais". "[Tais afirmações e atitudes de Lula] já prejudicaram sua imagem em relação ao resto do mundo, porque se entende que a política externa que ele tem exercido é em prol do seu interesse pessoal e não do que interessa ao país", pontua.
Reunião do Foro de São Paulo acontece em Brasília e tem "Arraiá do PT"
Após ter as reuniões suspensas por três anos devido à pandemia de Covid-19, o Foro de São Paulo escolheu Brasília para sediar seu 26º encontro anual. Ainda que a página oficial da organização não deixe claro os motivos para a escolha da capital brasileira, o fato de Lula ser o atual presidente teria pesado para essa decisão, já que o petista é um dos fundadores da organização, segundo apurou a reportagem.
O evento tem início nesta quinta-feira (29), às 19h, e Lula vai ser um dos oradores na cerimônia de abertura do encontro anual. O cronograma do Foro de São Paulo conta com programação para todo o final de semana na capital federal. Além de palestras e seminários, os participantes do evento também foram convidados para participar do Arraiá do PT, no Setor de Clubes Sul. O ingresso custa até R$ 5 mil.
Diante disso, os deputados federais Carla Zambelli (PL-SP) e Coronel Meira (PL-PE) apresentaram uma representação ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Ministério Público Eleitoral (MPE) para suspender o evento. No documento, os parlamentares afirmam que, ao analisar a programação do evento, "observa-se um claro dano ao patrimônio público, ao regime democrático e à probidade administrativa", além de evidenciar "interferência partidária estrangeira na pauta política nacional".
"O “Foro de São Paulo” é uma ameaça à ordem jurídica e ao regime democrático brasileiros, com a recepção de ideias e ideais autoritários, de cunho ditatorial, especialmente quando se ouve, quando se dá guarida a tais ideologias, a tais regimes de governos, de forma que é evidente que essa simbiose de ideias, durante o encontro, interferirá na forma como o Estado brasileiro será governado", escreveram os parlamentares.
Além da suspensão dos eventos, os parlamentares pediram que seja determinada a "proibição de ingresso em território nacional de representantes do Partido Comunista de Cuba, Partido Socialista Unido da Venezuela e Frente Sandinista de Libertação Nacional da Nicarágua".
Foro de São Paulo reforça imagem negativa de Lula no Ocidente
Para os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, Lula erra, mais uma vez, ao marcar presença no evento. "A esquerda sempre flertou com esses personagens ditatoriais mas, até então, com certa parcimônia. O fato é que não existe ditadura boa e Lula parece ter esquecido completamente disso. A discrição parece ter ficado em outros tempos. Certamente, a presença de Lula dá um indicativo de um olhar cuidadoso a essas ditaduras", analisa Cioccari.
Já na concepção de Roedel, a participação do presidente brasileiro não é uma surpresa e Lula deve aproveitar a oportunidade para repetir alguns discursos. "Provavelmente ele deve discursar sobre a integração latino-americana e a soberania da América Latina, algo que ao meu ver é completamente intangível e ideológico. Talvez também surja aquele antiamericanismo bobo da esquerda e se observe alguma crítica à questão das moedas", explica o especialista citando críticas que o petista já fez sobre a hegemonia do dólar.
Os ataques aos Estados Unidos são uma das características do Foro de São Paulo que, por outro lado, vê a China como uma "influência para a paz". O governo chinês, porém, é acusado de fazer presos políticos, perseguir minorias religiosas, violar os direitos humanos e adotar leis que não permitem a liberdade de expressão. Para Roedel, ao promover o Foro de São Paulo, Lula só reforça a imagem negativa que ele carrega desde que fez afirmações controversas sobre a Venezuela e a invasão russa na Ucrânia.
Roedel afirma que, ao se reunir constantemente com ditadores, Lula "já se prejudicou com aqueles países que conduzem políticas externas sérias, porque suas declarações mostram que ele tem defendido seus interesses pessoais". O especialista ainda ressalta que o atual mandatário brasileiro parece perdido em meio às suas estratégias: "Lula parece querer criar algum tipo novo de governança global que nem mesmo ele é entende", finaliza.
O governo brasileiro tem argumentado em sua defesa que é preciso conversar com todos os governos sem tomar partido ou interferir em assuntos internos.
Perdido e apegado ao passado, o petista está preso a uma esquerda que não existe mais. "Me parece que a esquerda [brasileira] está perdida desde a queda de Dilma", analisa Cioccari. De acordo com a cientista política, o bloco tenta se manter unido em um ideal "ultrapassado" onde o intuito seria manter a chama ideológica ainda acesa.
Para Cezar Roedel, os conceitos nos quais a organização se apoia são "equivocados". À reportagem, o especialista pontua que o grupo que diz buscar a "soberania da América Latina e a integração regional", na verdade, tem interesses "difusos" pautados pela ideologia e pela associação a ditaduras e até organizações criminosas.
Fidel Castro e Hugo Chávez são exaltados no Foro de São Paulo
No grupo criado pelo ditador Fidel Castro, outros tiranos também ganham local de destaque. Anualmente, o Foro de São Paulo faz uma reunião para discutir temas e implementar pontos de integração entre os países-membros. Nessas ocasiões, os participantes utilizam um documento base para guiar as discussões dos encontros. No texto deste ano, um dos pontos exaltam a "firmeza e avanços de Cuba, Venezuela e Nicarágua". Os países são considerados ditaduras de esquerda e seus respectivos líderes são acusados nos tribunais internacionais de crimes políticos e contra os direitos humanos.
"As vitórias presidenciais no México, Santa Lúcia, Bolívia, Brasil, Colômbia, Honduras, Peru e Chile são exemplos eloqüentes. A crescente liderança dos presidentes do México, Honduras, Cuba, Venezuela, Colômbia, Bolívia e Brasil foi decisiva para impedir as tentativas imperialistas de dividir e fragmentar a região", diz ainda o texto.
Em um dos 99 pontos do documento base, também há espaço para exaltar o antigo ditador da Venezuela Hugo Chávez: "[...] devemos lembrar a morte do comandante Hugo Chávez há 10 anos, depois de chegar ao poder democraticamente, sofrer um golpe e retornar à presidência. Chávez iniciou um novo capítulo na Venezuela e em todo o continente, ao se tornar um exemplo de luta contra o neoliberalismo e o imperialismo, iniciando o enfrentamento concreto das heranças das ditaduras militares na América Latina e Caribe".