O cenário mais favorável nas contas públicas, na esteira de inflação e crescimento maiores, tem alimentado o debate sobre quão duradoura será a recuperação fiscal. Enquanto a equipe econômica tem confiança na melhora não só do nível do endividamento, mas também de sua trajetória futura, parte dos economistas mantém certa desconfiança. Há quem alerte que o futuro da âncora atual, o teto de gastos, dependerá do resultado das eleições em 2022.
O teto é a regra que limita o avanço das despesas à inflação. Sua criação, em 2016, foi o que deu ao mercado financeiro maior previsibilidade sobre a trajetória de gastos do país e, assim, confiança para seguir financiando a União por meio da compra de títulos da dívida pública. O governo atribui ao teto a melhora nas expectativas, o que permitiu redução de juros, inflação e controle da dívida pública.
De outro lado, críticos do teto reclamam da compressão contínua de despesas com bolsas de pesquisa, obras e outras ações que compõem os chamados “gastos discricionários”, que perdem espaço à medida que as despesas obrigatórias (como salários e benefícios previdenciários) avançam.
Lula já prometeu acabar com o teto de gastos
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que aparece nas pesquisas como o principal adversário de Jair Bolsonaro nas próximas eleições, já anunciou que, se eleito, vai propor a derrubada do teto. “Quando você dá R$ 1 bilhão para rico, é investimento e, quando você dá R$ 300 pro pobre, é gasto?! Nós vamos revogar esse teto de gastos”, escreveu o petista no Twitter.
Ao compartilhar a publicação de Lula, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ) afirmou que a proposta “não precisa assustar o mercado”, uma vez que, em sua avaliação, o ministro da Economia, Paulo Guedes, “descumpriu e desmoralizou o teto em troca da reeleição de Bolsonaro”. Depois, em nova publicação, Maia ressaltou que seu posicionamento foi “na defesa do teto de gastos”.
“A partir de 2023, é tudo muito cinzento. É difícil ser assertivo.”
Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da RPS Capital
Economistas acreditam que a regra pode ter destino semelhante mesmo sob uma segunda gestão Bolsonaro, com algum tipo de flexibilização para ampliar despesas, e isso teria efeito direto sobre o cenário fiscal futuro. Hoje, as projeções do mercado financeiro indicam uma dívida bruta – principal indicador de solvência observado por investidores – encerrando o ano em 84,1% do PIB, longe dos quase 100% apregoados no auge das incertezas da crise da Covid-19, e estabilizando no período à frente. Mas a manutenção do limite de gastos é tratada como condição mínima para a concretização desse cenário. Sem uma “saída organizada” do teto, ou seja, uma regra de gastos crível para substituí-lo, a melhora futura estaria sob risco.
“A trajetória da dívida vai depender muito do que vai acontecer pós-eleição”, afirma o sócio e economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Leal de Barros. Para ele, a melhora atual é muito mais de nível da dívida, com a redução devido à arrecadação maior e também ao efeito base (PIB maior no denominador do cálculo), do que de trajetória. O economista vê um excesso de otimismo no mercado financeiro. “A partir de 2023, é tudo muito cinzento. É difícil ser assertivo”, afirma.
Ajuste fiscal ainda está longe de ser concluído, diz IFI
Em entrevista na semana passada a O Estado de S.Paulo, o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, disse que o órgão deve rever sua projeção para a dívida bruta em 2021 para 84% do PIB. Ele destacou que a redução da dívida neste ano gera uma melhora fiscal permanente para o futuro, mas reconheceu que a continuidade depende da agenda de reformas, em parte já aprovada no Congresso Nacional.
Segundo apurou a reportagem, o governo também vê mudança na trajetória da dívida no futuro. Internamente, a Receita Federal apontou sinais de um crescimento estrutural das receitas, o que pode influenciar o resultado primário a partir de 2022. Economistas, porém, são mais cautelosos na avaliação sobre a arrecadação porque a pandemia mudou o padrão de consumo dos brasileiros, que estão concentrando gastos em bens (mais tributados) em vez de serviços, fenômeno que pode se reverter à medida que a vacinação contra a Covid-19 avançar no país. Além disso, a inflação também está influenciando fortemente as receitas do governo.
Barros afirma que o próximo presidente terá maiores dificuldades para cumprir o teto, sobretudo se Bolsonaro levar adiante seus planos de elevar despesas. “Se a decisão for aumentar o Bolsa Família, é gasto permanente, ocupa espaço no teto não só em 2022, mas em 2023, 2024, assim por diante. Isso cria uma dificuldade para cumprir o teto. Para não ter problema, só com uma ótima reforma administrativa, o que eu não acredito. E isso é importante, porque volta a colocar o debate sobre o cumprimento do teto na mesa”, afirma.
“Nada hoje é líquido e certo. É difícil e incorreto não reconhecer a melhora, mas, do ponto de vista estrutural, nada foi feito além da reforma da Previdência.”
Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente
Nesta semana, a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado traçou um cenário mais benigno para as contas públicas brasileiras, mas afirmou que o ajuste fiscal está longe de ter sido alcançado. Segundo o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, o teto ganhou “sobrevida” com a melhora fiscal de 2021 e, agora, tem risco alto de descumprimento só em 2027. Mesmo assim, ele ressalta a permanência dos mesmos problemas estruturais.
“Nada hoje é líquido e certo”, afirma Salto. “É difícil e incorreto não reconhecer a melhora, mas, do ponto de vista estrutural, nada foi feito além da reforma da Previdência”, diz. Segundo ele, se os sinais da política fiscal começarem a “se embaralhar”, o Banco Central pode ser forçado a elevar ainda mais os juros, o que afetaria diretamente a trajetória da dívida pública. No cenário-base da IFI, a dívida encerra este ano em 85,6% do PIB e se estabiliza entre 2026 e 2027, chegando a 85,5% do PIB em 2030. Em um cenário otimista, o indicador cairia a 83,9% do PIB já este ano e a 64,3% do PIB no fim da década.
O economista Guilherme Tinoco, especialista em contas públicas, alerta que o crescimento mais robusto que será observado em 2021, na casa dos 5%, não se repetirá no ano que vem. “Para a trajetória da dívida continuar boa, vai depender do crescimento” diz. Além disso, ele observa que o cenário hoje ainda é pior do que no momento da criação do teto de gastos. Tinoco também questiona até que ponto o governo conseguirá se manter com a mão tão firme sobre as despesas diante das pressões por reajustes salariais a servidores. Ele observa, ainda, que será preciso ficar atento a eventuais tentativas de gastos fora do teto com objetivos eleitorais.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF