Quando tomou posse como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), no último dia 9 de setembro, o ministro Luiz Fux prometeu uma Corte mais próxima do cidadão brasileiro. Em seu discurso, afirmou que o cidadão brasileiro é o “destinatário central do nosso trabalho”. Os colegas dele, porém, têm criticado a forma como o novo presidente do Supremo vem implementando essa filosofia. Ao “jogar para a plateia” para tomar determinadas decisões, Fux causou desconforto em seus colegas e já enfrenta uma crise interna que, conforme integrantes do STF, foi causada pelo próprio presidente do tribunal.
Dois casos são citados como exemplo: a derrubada da decisão do ministro Marco Aurélio Mello, relacionada à libertação do traficante André do Rap e a retomada dos julgamentos de ações penais em plenário. Nos dois processos, os ministros do Supremo entendem que Fux adotou posturas “populistas”, sem ouvir os demais integrantes do tribunal.
A Gazeta do Povo apurou que há uma concordância entre os membros do STF no mérito das questões – os ministros concordam que André do Rap deveria voltar para a cadeia e o que STF já tem condições de voltar a analisar ações penais em plenário. O problema é que Fux, ao “matar no peito” nas palavras de um ministro do Supremo, demonstrou uma face até então desconhecida por seus colegas: a de centralizador de decisões. E esse tipo de postura nunca foi bem-vista pelos integrantes do Supremo.
Além disso, ministros criticam o fato de Fux tentar agradar a opinião pública em questões que devem ser resolvidas entre os próprios integrantes do STF. No caso específico de André do Rap, os ministros criticaram o fato de Fux ter derrubado uma decisão monocrática de Marco Aurélio Mello. E isso ficou claro durante o julgamento sobre a libertação ou não do traficante.
Os ministros entendem que André Rap deveria continuar preso, mas que essa decisão caberia ao próprio Marco Aurélio (a partir de recurso impetrado pela Procuradoria-Geral da República), como relator do processo, e não a Fux. Durante o julgamento, os ministros deixaram claro que não devem concordar com novas suspensões de liminar instituídas pelo presidente do Supremo.
Ministros não querem que Fux se torne um “superministro”
O receio dos ministros é que o caso André do Rap gere uma certa jurisprudência que transforme o presidente do STF em uma espécie de “superministro”, capaz de derrubar decisões individuais de seus colegas. “Não se pode admitir, fazendo uso processualmente inadequado do instituto da suspensão de liminar, que o presidente se transforme em órgão revisor de decisões jurisdicionais proferidos por seus pares, convertendo-se em superministro”, disse Ricardo Lewandowski no julgamento de André do Rap.
Já sobre o retorno dos julgamentos de ações penais no plenário, a contrariedade foi pelo fato de que Fux instituiu uma mudança regimental sem aviso prévio. A artimanha foi adotada pelo presidente do STF como forma de diminuir resistências internas e, como consequência prática, empoderar a ala lavajatista no tribunal. A retomada do julgamento em plenário foi vista como derrota da chamada ala garantista do Supremo. “Não faz sentido a gente chegar do almoço e receber a notícia de que tem uma reforma regimental", reclamou, na ocasião, o ministro Gilmar Mendes.
Entre os ministros, os mais inconformados com a postura de Fux são Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello. Porém, outros considerados moderados também deram sinais de contrariedade em relação à postura do presidente da Corte, como Rosa Weber e Edson Fachin. “Respeitáveis sempre, penso eu, as compreensões dos colegas que tem entendimento diverso do meu. Por mais que dele discorde”, disse Rosa durante o julgamento de André do Rap sobre o fato de um ministro derrubar uma decisão de outro colega. “Parece-me indispensável a existência de texto normativo (sobre a revogação de liminares dentro da Corte)”, complementou a ministra.
“Só falta agora vossa excelência querer me ensinar como eu devo votar. Só falta essa. Eu não imaginava que seu autoritarismo chegasse a tanto”, disse Marco Aurélio Mello em relação à postura do colega no julgamento de André do Rap.
Fux quer "desmonocratizar" decisões, mas ideia é rechaçada por ministros
Outra iniciativa que não está sendo bem vista pelos membros do Supremo é a tentativa de Fux de tentar "desmonocratizar" o STF, ao propor que liminares concedidas pelos ministros sejam referendadas pelo plenário do Supremo. A expectativa é que a ideia seja apreciada na próxima sessão administrativa da Corte, que ainda não foi marcada.
Nos bastidores, o referendo de liminares em plenário é visto como algo difícil de ser aplicado em virtude do volume de processos em tramitação no tribunal. Durante o ano de 2020, foram concedidas pelo STF 65 mil decisões monocráticas; em 2019, 97 mil e em 2018, 112 mil. Os ministros alegam que somente casos de grande repercussão precisam de ratificação (ou correção) em plenário, como ocorreu no caso do traficante André do Rap.
No dia-a-dia, porém, os ministros se debruçam sob casos bem menos rumorosos. Na semana passada, por exemplo, a ministra Cármen Lúcia foi obrigada a proferir decisão em habeas corpus de um cidadão que recorreu ao STF para deixar de usar máscaras de proteção à Covid-19 alegando que o acessório é um item que corrobora a "dominação chinesa" global. “Imagine o plenário do STF discutindo uma tese sobre a invasão chinesa? É impensável”, declarou um integrante da Corte à Gazeta do Povo.
Os membros do tribunal também afirmam que a tentativa de desmonocratização no STF tira poder dos ministros para deliberar sobre casos menos complexos. Nos bastidores, os integrantes do STF admitem que o problema não são as liminares. Mas o não seguimento de jurisprudência em determinados casos, como ocorreu na aplicação do artigo 316 do Código Penal no caso André do Rap. Apenas o ministro Marco Aurélio entendeu que o parágrafo primeiro desse artigo implicava soltura automática de presos após a não revisão das prisões preventivas em um prazo de 90 dias. Os demais, não.
Recentemente, em uma live promovida pelo site especializado Consultor Jurídico, o ministro Gilmar Mendes ironizou a iniciativa de Fux de tentar desmonocratizar o STF. “Eu vejo agora também muita gente entusiasmada: ah, vamos proibir a liminar; ah, não se pode. A liminar mais longa que eu conheço na história do Supremo Tribunal Federal, pelo menos que tenho lembrança, posso fazer levantamento, é aquela do auxílio-moradia. Por que não veio no plenário de imediato”, disse Gilmar.
A liminar citada por Gilmar foi deferida pelo ministro Luiz Fux, em 2014, e que garantiu durante quatro anos pagamentos de auxílio moradia a membros da magistratura.
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