Ouça este conteúdo
Ao assumir o Supremo Tribunal Federal (STF) no próximo dia 10 de setembro, o ministro Luiz Fux terá dois grandes desafios: tentar blindar a Lava Jato de movimentos que possam enfraquecer a operação no âmbito do Supremo e afastar a Corte dos holofotes políticos, adotando um rumo absolutamente distinto do aplicado pelo atual presidente, Dias Toffoli.
A partir de 2012, durante o julgamento do mensalão, Luiz Fux se notabilizou como um dos maiores entusiastas do combate à corrupção na Suprema Corte. Ainda naquele ano, ele se tornou um grande defensor da chamada “teoria do domínio do fato”, ao lado do então presidente da Corte, Joaquim Barbosa.
A teoria do domínio do fato é um dogma do Direito Penal elaborado pelo jurista alemão Claus Roxin que, em linhas gerais, defende a punição a agentes públicos por controlar a atividade delitiva, mesmo em momentos com parca suficiência de provas.
Juristas e especialistas em Direito Penal ressaltam que a aplicação dessa teoria, apoiada por Fux, abriu as portas para condenações mais rígidas aos crimes de colarinho branco e tornou-se um marco para o que, no futuro, se tornaria a Lava Jato.
O suporte de Fux às ações da Lava Jato ficou explícito em todos os julgamentos relacionados ao tema no Supremo. Mesmo em processos nos quais esse era apenas um assunto transversal. “O mensalão foi rebaixado no rating soberano dos escândalos. Se, naquela feita, analisamos pagamentos a parlamentares da ‘base aliada’, financiados por verbas de contratos de publicidade e empréstimos bancários fajutos, na Lava Jato temos quadro potencialmente mais sombrio”, disse o ministro durante o julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 4.650, que proibiu o financiamento privado de campanhas eleitorais.
Um outro exemplo da postura de Fux em relação à Lava Jato foi a decisão desta segunda-feira (17) que determinou que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) desconsiderasse uma advertência aplicada contra o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol.
Os desafios de Fux no combate à corrupção
Integrante da chamada ala lavajatista no Supremo, Fux ressaltou a assessores que gostaria de ver um fortalecimento da operação nos próximos anos. Entretanto, os rumos da Lava Jato no STF não dependem exclusivamente do próximo presidente da Suprema Corte.
O futuro da Lava Jato no Supremo dependerá de dois movimentos: a indicação do substituto do ministro Celso de Mello, que deixará a Corte em novembro deste ano e a recomposição da Segunda Turma, colegiado onde são julgados os processos relacionados à operação. Até o momento, o Palácio do Planalto já sinalizou com indicações para o lugar de Celso de Mello de juristas críticos à Lava Jato, como o atual ministro da Justiça, André Mendonça, e o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha.
Além disso, há a expectativa de que Dias Toffoli tente migrar para a Segunda Turma após a aposentadoria de Mello. Dessa forma, a ala lavajatista na Segunda Turma seria minoritária, formada apenas pelos ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia. A informação foi divulgada pelo jornal Valor Econômico e confirmada pela Gazeta do Povo.
Neste cenário, Fux terá pouca margem de manobra, segundo juristas e assessores do Supremo ouvidos pela reportagem. Entretanto, uma possibilidade que já vem sendo aventada pelo próximo presidente da Corte: pautar os temas relacionados ao combate à corrupção em plenário apenas em momentos de maior clamor popular, o que pode ajudar a influenciar o resultado. É o clássico “ouvir as ruas”, evocado pelo ex-ministro Joaquim Barbosa.
Um dos temas que pode ser alvo de análise no Supremo é o juiz de garantias, medida que foi barrada pelo próprio Fux. O próximo presidente da Corte não é um entusiasta da ideia e acredita que, em plenário, ela possa ser derrubada. Outros temas sensíveis como uma nova discussão sobre o foro privilegiado no caso da rachadinha envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e a possibilidade de prisão em segunda instância também estão no radar de Fux.
Para o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do STF, Luís Roberto Barroso, a chegada de Fux à presidência será um marco para o Supremo. “Desejo toda a sorte ao próximo presidente”, disse Barroso.
Já o ministro Marco Aurélio Mello, que será o decano da Corte a partir do final do ano, espera um Supremo “sem trepidações”. “O ministro Luiz Fux é um juiz de carreira e conhece como ninguém o Judiciário. E o que esperamos dele? Que ele realmente atue com espontaneidade, atue relacionando-se com os demais poderes e sem trepidações. Ou seja, com autocontenção e gerando até mesmo uma certa cerimônia, o que é importante”, disse.
Supremo em paz e mais independente
A visão de Marco Aurélio aponta uma outra expectativa entre os ministros sobre a gestão Fux: que ela seja de maior diálogo entre os 11 integrantes da Corte, algo que vários presidentes prometeram, mas poucos cumpriram. No caso de Fux, porém, há um fator que deve ajudá-lo nessa tarefa.
Fux é conhecido por apoiar pautas corporativistas. Em 2018, por exemplo, ele revogou o auxílio-moradia para juízes, mas a decisão ocorreu apenas após o então presidente Michel Temer (MDB) sancionar reajuste de 16,3% nos salários do STF. A liminar de Fux foi vista, na época, como fundamental para a formalização de um acordo.
Na seara política, a tendência é que Fux não tenha uma relação tão próxima com o Palácio do Planalto quanto Dias Toffoli. E isso é uma demanda dos colegas de Fux. Nos bastidores do STF, os ministros ficaram incomodados pela forma como Toffoli lidou com algumas crises institucionais geradas pelos apoiadores, familiares e pelo próprio presidente Jair Bolsonaro. Principalmente pela demora em responder a ataques à Suprema Corte, entre os meses de maio e junho, durante uma série de manifestações que reivindicaram o fechamento do STF.
Fux já deixou claro a colegas que manterá uma relação protocolar com o Planalto e que vai trabalhar pela independência do Supremo. No Planalto, essa sinalização do próximo presidente do Supremo foi vista como um claro recado de que Fux não será tão leniente quanto seu antecessor. Apesar disso, juristas apontam que, com o arrefecimento da crise política, dificilmente Fux será obrigado a adotar medidas duras contra o presidente da República.