A cúpula de líderes do G20, que ocorre nesta segunda e terça no Rio de Janeiro, é apontada por analistas de política internacional como uma das últimas apostas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para tentar recuperar a imagem de sua política externa, desgastada pelos acenos ao Irã, declarações controversas sobre a guerra na Ucrânia e a falta de condenação à fraude da eleição na Venezuela.
As agendas do encontro podem representar uma oportunidade para o brasileiro se reaproximar das nações do Ocidente. Neste fim de semana, por exemplo, Lula já conversou com a premiê italiana, Giorgia Meloni, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Na avaliação do professor Elton Gomes, do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a presença desses líderes pode ser vista como uma tentativa de “dar uma chance” a Lula, que chegou a acusar as nações ocidentais de patrocinarem a guerra no leste europeu, entre Rússia e Ucrânia.
A Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza é uma das principais iniciativas de Lula para esta cúpula. O programa, que busca criar uma coordenação internacional para mobilizar recursos financeiros com a intenção de implementar e ampliar ações de combate à fome, teve adesão de ao menos 80 países – o que tem sido visto como uma vitória para Lula, anfitrião da cúpula.
O evento, porém, já começou sob tensão diante da divergência dos países em relação à declaração final do evento, em especial sobre as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, e da perspectiva de oposição que a Argentina de Javier Milei deve fazer às propostas do Brasil em temas como política de gênero, clima e tributação de grandes fortunas.
Analistas ouvidos pela reportagem destacam que o sucesso do petista em restaurar sua imagem dependerá de como ele lidará com tais impasses.
Impasses sobre guerra são desafios para Lula no G20
Apesar de ser um fórum originalmente econômico, questões políticas têm sido discutidas nas últimas cúpulas do G20, especialmente as guerras em curso no mundo. Os conflitos, sobretudo o que ocorre entre Rússia e Ucrânia, contribuíram para um cenário global cada vez mais polarizado, o que dificulta a construção de consenso entre as nações. Essa divisão de interesses entre países ocidentais e outros blocos regionais tem aumentado tensões diplomáticas, que se refletem no bloco das 20 maiores economias do mundo.
Nas duas últimas cúpulas de líderes, o bloco não conseguiu chegar a um consenso sobre um termo na declaração final que citasse a guerra na Ucrânia. Por um lado, países como os Estados Unidos, defendiam a inclusão de um parágrafo no documento condenando a invasão russa ao território ucraniano, por outro, a própria Rússia, apoiada pela China, vetou termos nesse sentido. O mesmo ocorre em relação ao conflito armado que acontece no Oriente Médio, entre Israel e os terroristas do Hamas.
Essa incapacidade do bloco em chegar a um consenso sobre a declaração também tem sido um desafio para a presidência brasileira à frente do bloco. Ao longo da semana passada, os negociadores brasileiros se reuniram no Rio de Janeiro junto aos pares das outras 20 organizações participantes do G20 para tentar encontrar um consenso sobre todos os termos previstos na declaração final da cúpula. Os parágrafos que citam as guerras na Europa e no Oriente Médio são os que afastam os países de um consenso.
O assunto ficou ainda mais sensível no fim de semana, depois que a Rússia intensificou ataques à Ucrânia e os Estados Unidos permitiram que o país comandado por Volodymyr Zelensky ataque o território russo com mísseis de longo alcance fornecidos pelos americanos.
Apesar do impasse, o governo brasileiro já declarou que não abre mão de abordar os temas. "Esse é um tema importante: [...] a questão da guerra na Ucrânia e a situação palestina, no Oriente Médio. Há uma discussão entre os governos para se chegar a uma linguagem consensual sobre esses dois temas", informou o sherpa do Brasil no G20, Mauricio Lyrio, na semana passada.
Na concepção de Elton Gomes, essa postura brasileira pode colocar ainda mais em xeque a política externa do presidente Lula. De acordo com o analista, a falta de consenso dos países e o interesse do Brasil em abordar temas sensíveis, pode causar um "rompante" ainda maior na política externa brasileira.
"Se o G20, nessa circunstâncias, não gerar resultados concretos ou um mínimo consenso entre os participantes, isso pode comprometer não apenas a imagem do Brasil, mas a própria possibilidade de se levar adiante qualquer mecanismo de cooperação mais institucionalizado, como a própria COP-30", avalia Gomes, referindo-se à Cúpula sobre o Clima das Nações Unidas que o Brasil sedia no próximo ano.
Vitória de Trump pode impulsionar discurso contra Lula no G20
Ainda que Trump só assuma a presidência dos Estados Unidos em 2025, sua vitória também deve surgir como um dilema para Lula durante o G20. Na avaliação do professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) Pedro Feliú, a reeleição de Trump para a Casa Branca pode ser um "combustível para essas posições antiglobalistas do presidente Milei" e outros líderes de direita que participam do encontro.
Milei se identifica como um libertário e, assim como o futuro presidente dos Estados Unidos, é contrário a ideais globalistas. O presidente argentino também participa das reuniões do G20 na próxima semana e tem demonstrado que pode ser uma forte objeção para os planos Lula durante a cúpula.
Ao longo deste ano, a Argentina de Milei deu indícios de que deve se opor às agendas do Brasil à frente do G20. Em outubro, durante o P20 Mulheres, que reuniu parlamentares do G20 para discutir a igualdade de gênero e inclusão das mulheres em cargos representativos, o país se recusou a assinar a declaração final do encontro. O documento, em um dos pontos, pretendia reconhecer que meninas e mulheres enfrentam desigualdades específicas em decorrência do gênero em todo o mundo.
Mais recentemente, durante encontro dos parlamentares dos países-membros do G20 que ocorreu em Brasília, o governo argentino também não assinou a declaração final. O texto, que tinha recomendações para serem expostas durante a cúpula de líderes da próxima semana, tratava dos objetivos propostos pela presidência brasileira à frente do G20, como o desenvolvimento sustentável e a cooperação econômica mundial.
A projeção é de que o governo argentino repita essas diretrizes nos próximos dias, durante a negociação e formulação da declaração final, sobretudo em torno de temas que giram em torno de pautas identitárias da esquerda, com as quais o governo Lula se identifica e o atual governo argentino se opõe.
Vitélio Brustolin, professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade de Harvard, indica ainda que a eleição de Trump pode esvaziar COP-30, uma das grandes apostas de Lula na política externa. Com a incerteza e o receio de que o próximo ano seja marcado pelo abandono de Trump de pautas que são caras para Lula, a cúpula do G20 se apresenta como uma oportunidade para o brasileiro tentar reverter o desgaste que causou à política externa brasileira.
O que é o G20 e por que a cúpula ocorre no Brasil
O G20 é um bloco formado por 19 países (África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia) e dois órgãos regionais: a União Europeia e a União Africana, sendo essa segunda o último membro agregado ao bloco.
O grupo nasceu com o intuito de promover discussões econômicas e, neste ano, o Brasil está na presidência rotativa do bloco e definiu as pautas em debate pelo grupo. O tema da gestão brasileira no G20 é “Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável”.
A presidência do Brasil está assentada em três pilares de discussão: inclusão social com combate à fome e pobreza; transição energética e desenvolvimento sustentável; e reforma da governança global. Os temas são pautas antigas de Lula e foram o foco do G20 neste ano.
Ainda no âmbito do G20, o governo brasileiro tem apostado em duas plataformas, a Aliança Global Contra a Fome e a taxação dos super-ricos, iniciativa que propõe uma taxa mínima de 2% em pagamentos de impostos sobre grandes fortunas à parcela bilionária da população mundial.
Ao longo do ano, o Brasil recebeu diversas reuniões e encontros, dos mais diversos setores, para encontrar soluções e propostas para promover a agenda proposta pelo Brasil. As reuniões também buscaram viabilizar apoio e a implementação das plataformas citadas acima.
Além dos países-membros do bloco, cerca de outras 30 delegações foram convidadas para participar da Cúpula de Líderes do G20, entre países e organizações internacionais. O encontro na capital carioca também será marcado pela transição da presidência para o próximo país que assume o G20. A África do Sul é quem preside o bloco ao longo do próximo e, em 2026, os Estados Unidos assumem.
Desde o último ano, a presidência do grupo tem funcionado no método tríplice, unindo país antecessor, atual e sucessor na presidência – a ideia é dar continuidade aos trabalhos entre as presidências. Sendo assim, no próximo ano, o Brasil estará atuando na presidência do G20 ao lado da África do Sul e dos Estados Unidos, que já terá o presidente Donald Trump como chefe da Casa Branca.
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