O ex-deputado federal Fernando Gabeira afirmou que o presidente Jair Bolsonaro tem "envolvido" as Forças Armadas e a ideia de que os militares poderiam moderar o presidente não se sustentou ao longo de cerca de um ano e meio de governo. Para Gabeira, que também é jornalista, Bolsonaro tem lidado mal com o sistema de freios e contrapesos previsto pela Constituição brasileira e, por isso, flerta com iniciativas golpistas. As declarações foram dadas por Gabeira em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada na sexta-feira (5).
Gabeira disse também que Bolsonaro pode considerar a execução de um golpe mesmo sem as Forças Armadas, utilizando para isso a relação que tem construído com policiais militares pelo país. O ex-deputado condenou ainda declarações do presidente sobre o armamento da população com fins políticos. Na reunião ministerial de 22 de abril, Bolsonaro defendeu que o povo tenha acesso a armas para evitar a imposição de uma ditadura no país. Segundo o jornalista, a declaração indica que Bolsonaro vê um contexto de guerra civil.
Governo e os militares
Para Gabeira, Bolsonaro adotou algumas medidas para fazer com que os militares fossem "seduzidos" pelo governo. O ex-deputado elenca a reforma da previdência específica para a categoria, a concessão de cargos na estrutura federal e a recente colocação de militares no topo do Ministério da Saúde como exemplos.
Gabeira criticou o fato de os ministros militares não terem contestado a declaração de Bolsonaro sobre o armamento da população. "Quatro generais do Exército estavam presentes e não moveram uma palha, nem houve uma expressão de surpresa. Isso para mim é absolutamente novo na história do Brasil: os generais ouvindo a ideia de armamento, armar a população para a sua expressão política, sem terem algum tipo de reação", afirmou.
Um exemplo do radicalismo da ala militar, segundo o ex-deputado, se dá com posicionamentos recentes do ministro do Gabinete da Segurança Institucional (GSI), o general Augusto Heleno. Para Gabeira, Heleno precisou adequar-se mais ao "lado ideológico" do governo após o episódio da apreensão de cocaína em um avião presidencial, quando o GSI foi responsabilizado pelo ocorrido.
Sem projetos
Gabeira recordou que, como deputado, Bolsonaro desenvolveu uma trajetória marcada por episódios de antagonismos com figuras do campo político oposto, como Maria do Rosário (PT-RS) e Jean Wyllys (PSOL-RJ). E na condição de presidente, segundo o jornalista, Bolsonaro governa sem apresentar um projeto efetivo para a administração do país.
A aproximação com o filósofo Olavo de Carvalho serviu, na ótica de Gabeira, para dar um contorno ideológico à falta de projeto de Bolsonaro. É a adoção da defesa de valores cristãos, nacionalistas e de uma suposta "guerra cultural", da qual o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, também seria um dos expoentes.
Coronavírus e a política como guerra
Segundo Gabeira, a atitude de negação de Bolsonaro diante da pandemia de coronavírus - o presidente chamou a covid-19 de "gripezinha" e parte de seus apoiadores costumam desdenhar do potencial da doença - se dá porque o presidente vê a doença como algo essencialmente "contra o governo".
"Não existe vírus, existem eles contra mim. Se eles estão do lado que acha que o vírus é importante, é porque é alguma coisa contra mim", ironizou o ex-deputado. Para Gabeira, o presidente não conseguiu identificar a "neutralidade" do vírus, que tem atingido diferentes países.
Gabeira avaliou ainda que a reação popular ao vídeo da reunião ministerial de 22 de abril indica um isolamento de Bolsonaro, uma vez que as imagens acabaram por agradar apenas a parte da população que já é simpática ao presidente.
"Fascismo tabajara"
Para o ex-deputado, o Brasil vive um quadro de aproximação de um "fascismo tabajara".
"Quer dizer, todas as características principais do fascismo estão presentes, o pavor da modernidade… Isso está presente, são características do fascismo eterno. O machismo, o culto das armas, o namoro com a morte, tudo isso é característica do fascismo", afirmou, em referência a uma definição de fascismo criada pelo escritor italiano Umberto Eco.
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