O policial Wellington Macedo, que integrava o gabinete do ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal, teria feito pedidos ao chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Eduardo Tagliaferro, para apurar fatos relacionados à segurança do magistrado e de seus familiares, segundo revelou o jornal Folha de S. Paulo nesta quinta-feira (15).
Dentre as informações solicitadas estavam o vazamento de dados pessoais e ameaças enviadas para números ligados ao ministro ou publicadas nas redes sociais, assim como dados sobre prestadores de serviço que trabalhariam na residência de Moraes.
Segundo reportado pela Folha, Tagliaferro teria afirmado que levantou informações sigilosas a partir da ajuda de um policial civil de São Paulo que era "de sua extrema confiança" e cuja identidade não deveria ser revelada.
Os pedidos, em tese, violam o escopo do poder de polícia do TSE, cuja função é averiguar questões de propaganda eleitoral e que, portanto, não incluiu a atuação da estrutura do órgão para fins de proteção do ministro do STF que, à época, presidia a Corte Eleitoral.
As informações reveladas nesta quinta fazem parte de uma série de matérias da Folha de S. Paulo, sobre supostas tratativas do gabinete de Moraes no STF e a AEED no TSE para elaboração de relatórios sobre a atuação de jornalistas, deputados e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais, entre agosto de 2022 e maio de 2023.
Ainda na terça-feira (13), após a primeira reportagem, o gabinete de Moraes defendeu sua atuação. Em nota, a equipe de Moraes disse que seus procedimentos “foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria-Geral da República”.
Em sessão do STF nesta quarta-feira (14), Moraes disse que seria "esquizofrênico" se "auto-oficiar" ao justificar pedidos de informações ao TSE, ao se referir sobre os relatórios solicitados à AEED que posteriormente embasaram decisões do ministro no STF.
A Gazeta do Povo tentou contatar o STF e o TSE sobre os pedidos de Macedo a Tagliaferro. Em resposta, o STF reencaminhou a nota oficial do gabinete de Moraes enviada na terça-feira (13). O espaço fica aberto para manifestações do TSE.
Policial do gabinete de Moraes teria recorrido à ajuda do assessor do TSE em diversas ocasiões
As mensagens obtidas pela Folha mostram que no dia 21 de agosto de 2022, somente cinco dias após a posse de Tagliaferro, o perito teria encaminhado à Macedo um relatório intitulado "Ameaça ministro". De acordo com a Folha, o documento contaria apenas com o timbre "Eduardo Tagliaferro - perito forense" e trazia análises de mensagens de WhatsApp enviadas para familiares do magistrado.
O objetivo do relatório teria sido identificar a fonte de um vazamento de dados de Moraes e seus familiares, dentre os quais se incluiam seus números de telefone, o que teria possibilitado o envio de mensagens por diversos desconhecidos para eles.
"Informo que realizei pesquisa nos sistemas policiais, e de identificação civil do Estado de São Paulo, bem como consulta aos dados do DETRAN, e foram encontrados todos os dados abertos, sendo possível identificar, nomes, filiações, números de documentos, fotos, endereços, o que levam a identificação do Excelentíssimo Ministro e seus familiares", diz o relatório de Tagliaferro obtido pelo jornal.
O chefe da AEED teria dito à Macedo, em suas mensagens, que possuía senhas de acesso ao sistema da Segurança Pública de São Paulo em razão de sua "relação de confiança" com um amigo policial e que sua identidade deveria ficar em sigilo. O integrante do gabinete de Moraes aquiesceu, "seu nome fica somente entre nós", disse ele.
Ao concluir o relatório, o assessor do TSE teria sugerido que o ministro tratasse seus dados e os de seus familiares assim como os de policiais: "não informando qualquer dado que identifique-os, somente colocando ‘Autoridade’".
Ele ainda teria aconselhado que "os números dos telefones utilizados pelo Excelentíssimo Ministro e seus familiares, sejam colocados em nome de outras pessoas de sua confiança ou sejam anonimizados nas operadoras de telefonia".
Dois dias depois das primeiras mensagens, Tagliaferro teria sido novamente acionado, desta vez, em razão de um pedido de pix no valor de R$ 5 mil, seguido de ameaças enviadas à filha de Moraes. Após compartilhar os prints das mensagens, Macedo teria pedido "por favor, poderia levantar quem é?".
Após Tagliaferro enviar as informações sobre o registro do telefone, Macedo teria solicitado que ele organizasse as informações na forma de relatório. "Assim envio ao Min e ele manda p instaurar inquérito como fez c o anterior", completou o policial militar.
Assessoria identificou origem de vídeo com ameaças e encomenda para a esposa de Moraes
O chefe da AEED teria sido acionado novamente no dia 31 de agosto a fim de levantar os dados referentes a uma pessoa que fez vídeo com ameaças à Alexandre de Moraes. No vídeo em questão, uma pessoa que se dizia integrante do grupo terrorista Al-Qaeda ameaçava matar o ministro. "A pedido do Min, por favor, pode levantar e montar um dossiê?", solicitou Macedo. Tagliaferro disse que iria dar andamento ao pedido.
Em 1º de setembro, Macedo teria encaminhado o nome de outra pessoa, com a solicitação para a produção de mais um dossiê. No dia seguinte, um número de telefone teria sido enviado a Tagliaferro, para que levantasse o nome da pessoa relacionada ao celular. O chefe da assessoria atendeu a ambos os pedidos, no entanto, no caso do celular, afirmou não ter sido possível identificar o registro, afirmando se tratar possivelmente de um número novo.
Em 10 de outubro, novo pedido teria sido feito ao chefe da AEED, para que descobrisse a origem de duas encomendas recebidas pela esposa do ministro Alexandre de Moraes. "Enviaram duas encomendas para a esposa do Min e ela não sabe de onde veio", disse Macedo. "O chefe pediu p tentarmos levantar. Consegue me ajudar por favor?", reforçou o PM. Tagliaferro perguntou se as encomendas haviam sido enviadas para São Paulo.
No mês de outubro, o assessor do TSE ainda teria sido acionado para apurar ameaças contra Moraes e sua família. "O Ministro me passou 3 prints de uma pessoa ameaçando ele e sua família e pediu para eu ver com vc se consegue localizá-la por favor", encaminhou Macedo. Tagliaferro prontamente respondeu e disse que estava encaminhando o caso e o PM afirmou que iria "avisar o chefe" que ele já estava providenciando.
Chefe da AEED recebeu elogios e apurou ficha de visitante
No dia 11 de novembro, Macedo teria parabenizado Tagliaferro pelo "excelente trabalho" e ainda afirmado que o perito tinha "vida longa c o chefe". Ele havia recém-feito outro levantamento a pedido do PM.
Poucos dias depois, em 16 de novembro, Tagliaferro foi acionado novamente, após Moraes receber mensagens com ameaças por meio do WhatsApp. "O Min está recebendo centenas de msg no zap. Deve ter vazado o número dele", disse Macedo. Na manhã do dia seguinte, Tagliaferro compartilhou um relatório sobre o vazamento do número com a seguinte conclusão.
"Foi possível identificar que ocorreram consultas em nome do Senhor Ministro Alexandre de Moraes, as quais resultaram em divulgação de seus dados para milhares de pessoas, identificamos duas pessoas que realizaram as consultas, sendo uma delas a primeira consulta, bem como demais pessoas que por questões de anonimizar seus dados para usuários, não puderam ser identificadas, devendo ser realizada uma investigação mais complexa", estava escrito no relatório.
Ainda em novembro, Macedo teria encaminhado a Tagliaferro a solicitação para produzir um relatório sobre uma manifestação que estava sendo realizada na frente do Comando Militar do Oeste, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Na manifestação havia um caixão com a figura de Moraes.
Já no início de dezembro, o assessor do TSE teria sido acionado para "levantar a ficha" de uma pessoa que iria visitar o prédio em que Moraes reside em São Paulo. As mensagens não esclarecem o motivo da visita.
"Esse cara vai amanhã no prédio do Min em SP. Poderia nos ajudar e levantar a ficha (principalmente criminal) dele por favor?", solicitou Macedo. O assessor do TSE teria enviado um documento, que aparenta ser um boletim de ocorrência, com informações sobre a pessoa indicada pelo segurança do magistrado.
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