A CPI da Covid do Senado recebe nesta terça-feira (8) o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para um novo depoimento no colegiado. Mas a presença dele tende a não ser o evento mais importante do dia na comissão. A CPI pode votar requerimentos para convocação de membros do chamado "gabinete paralelo", grupo que prestaria aconselhamento informal ao presidente Jair Bolsonaro sobre questões relacionadas à pandemia de Covid-19. Entre as convocações que a CPI pode decidir estão as do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente; do deputado federal e ex-ministro Osmar Terra (MDB-RS); e do virologista Paolo Zanotto.
Senadores de oposição e independentes, que formam a maioria entre os membros titulares da CPI, decidiram pela ofensiva sobre o "gabinete paralelo" durante o feriado de Corpus Christi, quando uma reportagem do site Metrópoles resgatou um vídeo divulgado em setembro por Bolsonaro que, na avaliação dos parlamentares, comprovaria a existência do gabinete paralelo.
O vídeo mostra uma reunião sobre a pandemia ocorrida no Palácio do Planalto em que são discutidas estratégias para o combate ao coronavírus. Zanotto sugere a criação de um shadow cabinet — expressão em inglês que significa literalmente "gabinete sombra", e é utilizada para batizar um grupo que acompanha de forma paralela uma estrutura oficial, como um ministério — que aconselharia o governo e "não estaria exposto à popularidade". Também no vídeo, a médica Nise Yamaguchi diz ser uma "honra" trabalhar com o deputado Osmar Terra. Ministro da Saúde à ocasião, Eduardo Pazuello não participou do encontro.
A existência do "gabinete paralelo" é questionada por apoiadores do presidente Bolsonaro, e a real influência do grupo também permanece como uma incógnita. Leia abaixo uma série de perguntas-e-respostas sobre o que já se sabe sobre o gabinete, o que as partes citadas alegam e o que a CPI pode e quer fazer a respeito.
O que é (ou seria) o "gabinete paralelo"?
A primeira menção a um "gabinete paralelo" na CPI da Covid apareceu logo no dia inicial de depoimentos da comissão, em 4 de maio, quando o colegiado ouviu o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), relembrou entrevista de Mandetta de agosto de 2020 em que o ex-ministro falou que Bolsonaro pouco ouvia os ministros e que dispunha de um "aconselhamento paralelo". O ex-ministro reforçou que Bolsonaro "tinha um assessoramento paralelo" e que o presidente se pautava em sugestões que não eram dadas nem por ele e nem por outros membros do Ministério da Saúde.
Ao longo dos dias seguintes de trabalho da CPI, os depoimentos foram indicando possíveis novos componentes do gabinete. Carlos Bolsonaro seria uma presença constante em reuniões, mesmo sem ocupar cargo na estrutura federal. A mesma coisa valia para Osmar Terra, que deixara de ser ministro em fevereiro de 2020. Outros nomes foram citados por testemunhas, como Arthur Weintraub, ex-assessor da Presidência e irmão do ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub; a médica Nise Yamaguchi e o empresário Carlos Wizard Martins.
Em resumo, o que o "gabinete paralelo" teria como maior tarefa seria a de municiar Bolsonaro com informações sobre a pandemia que contrariariam as diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do próprio Ministério da Saúde. É o que explicaria a posição do presidente de ser contrário a medidas de isolamento social, de defender o chamado tratamento precoce mesmo sem comprovação científica e de ser reticente à vacinação.
O que governistas dizem a respeito?
A principal argumentação dos governistas em relação à ideia de "gabinete paralelo" tem sido a de ironizar a hipótese de que as informações sobre o assunto representariam um escândalo. Para os apoiadores do presidente, tudo o que se exibe sobre o tema são reuniões públicas, agendas de conhecimento geral e encontros de Bolsonaro com médicos, lideranças políticas e até mesmo com seus filhos, o que não foge da normalidade no ambiente político.
O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) comparou sua relação com o pai presidente com a do relator Renan Calheiros e seu filho, o governador Renan Filho (MDB-AL). Disse ser habitual que pais e filhos se aconselhem e troquem experiências, e que isso não poderia ser interpretado de forma negativa no âmbito da CPI.
Os governistas também ironizaram o fato de que o vídeo relembrado pelo site Metrópoles, que motivou a ofensiva recente da CPI, foi inicialmente divulgado pelo próprio Bolsonaro. Eles questionaram oposicionistas que publicaram frases como "vídeo vazado" e "reunião secreta". Para eles, o vídeo em questão não revela um quadro negativo ao presidente, mas sim o contrário: mostra que o governo estava empenhado em procurar soluções para o combate à pandemia e, para isso, dialogava com especialistas de diferentes origens.
Arthur Weintraub, em entrevista concedida nesta segunda-feira (7) à jornalista Cristina Graeml, da Gazeta do Povo, argumentou no mesmo sentido. Confirmou que levantou informações sobre a pandemia e as repassou diretamente a Bolsonaro, mas afirmou que isso fazia parte de suas atribuições como assessor da Presidência e que não representava que ele "ditava regras" para a saúde pública.
Quem seriam os líderes do "gabinete paralelo"
Por ser um grupo informal — e, na opinião de alguns, inexistente —, o "gabinete paralelo" não conta, ou não contaria, com lideranças formais. O senador Rogério Carvalho (PT-SE), na reunião da CPI do dia 1º, fez uma apresentação do que considera o organograma do "gabinete paralelo".
Segundo o parlamentar, a estrutura seria dividida em três núcleos: o "negacionista", que idealizaria as políticas de combate à Covid-19, contrárias às diretrizes da OMS; o "operacional", que levaria à prática essas diretrizes, em especial as conectadas à ideia de "imunidade de rebanho"; e o "gabinete do ódio", cuja função seria a de disseminar o discurso do grupo nas redes sociais.
Wizard, Yamaguchi, Terra e Zanotto seriam líderes do núcleo "negacionista"; Weintraub, um dos cabeças do núcleo "operacional"; e Carlos Bolsonaro, um dos comandantes do núcleo "gabinete do ódio", ao lado do irmão Eduardo, deputado federal pelo PSL-SP.
O que a CPI quer (e pode) fazer sobre o "gabinete paralelo"?
A divulgação da reportagem pelo site Metrópoles motivou reações rápidas dos integrantes da CPI. A cúpula da comissão — presidente, vice e relator — foi às redes sociais dizer que a publicação comprovava o "gabinete paralelo" e que providências precisariam ser tomadas.
Daí surgiu a ofensiva que pode levar à votação já nesta terça-feira (8) dos requerimentos de convocação de Terra, Zanotto e outras testemunhas. A CPI, até o momento, não tem tido votações públicas controversas — ou seja, os requerimentos só são submetidos à votação depois de já serem alvo de um entendimento entre os parlamentares. Não se pode saber se no caso da investidura contra o "gabinete paralelo" tal ambiente será possível, já que os parlamentares governistas, que são minoria na comissão, não devem aceitar as convocações.
A controvérsia tende a ser superior no caso atual porque parlamentares de oposição falam também na possibilidade de se pedir a quebra dos sigilos telefônico e telemático de seis membros do suposto "gabinete paralelo". Os alvos dos requerimentos são Carlos Bolsonaro, Carlos Wizard, a médica Mayra Pinheiro, o ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten e o publicitário Marcos Eraldo Arnoud, o Markinhos Show, que trabalhou para Eduardo Pazuello.
Nas semanas anteriores, por mais de uma ocasião a CPI sinalizou que iniciaria "novas fases", o que acabou não se concretizando. Por exemplo, houve a expectativa de destinar uma semana apenas para ouvir representantes de fabricantes de vacinas; também a meta de se levar os governadores de estado, o que é o desejo de senadores alinhados com o Palácio do Planalto; e o próprio presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), chegou a dizer que a "fase cloroquina" da CPI havia acabado, o que agora parece improvável, visto que o medicamento é um dos elementos mais citados no debate sobre o "gabinete paralelo".
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