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O ministro Gilmar Mendes, relator da ação que pode limitar a 30 ou a 60 dias as interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça numa investigação criminal, votou contra a limitação em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) iniciado nesta quarta-feira (16), mas propôs condições mais rígidas para prorrogar a medida ao longo do tempo.
Ele foi seguido por Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques e André Mendonça. Alexandre de Moraes divergiu, mas ainda não propôs uma alternativa aos requisitos apresentados por Mendes. O julgamento foi interrompido e será retomado nesta quinta-feira (17), para os votos dos demais ministros.
A lei diz que a interceptação telefônica “não poderá exceder o prazo de 15 dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.
Advogados criminalistas que participam do julgamento argumentam que a redação deve ser interpretada de modo a permitir apenas uma única renovação, totalizando 30 dias de interceptação. O Ministério Público entende que a expressão “uma vez” apenas aponta a condição para prorrogação, qual seja, a demonstração de necessidade da medida na investigação.
O caso concreto analisado refere-se à Operação Pôr do Sol, no âmbito da qual empresários de Curitiba, donos da antiga fabricante de bicicleta Sundown, foram grampeados por mais de 2 anos numa investigação ampla, do início dos anos 2000, sobre supostos atos de corrupção, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e descaminho.
A medida foi pedida pelo ex-procurador Deltan Dallagnol e autorizada, na época, pelo ex-juiz Sergio Moro – ambos protagonistas da Operação Lava Jato, iniciada em 2014. Os grampos sobre os donos da Sundown duraram de 2004 a 2006, quando Moro então mandou prendê-los. No mesmo ano, ele condenou os dois por corrupção de auditores da Receita.
Em 2009, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as provas e a condenação, sob o argumento de que não houve fundamentação adequada para as sucessivas prorrogações da interceptação. E nesse julgamento, cogitou-se a possibilidade de interpretar a lei de modo a limitá-las a 30 ou 60 dias. Este último prazo, mais extenso, seria aplicado por analogia àquele previsto na Constituição para a quebra de sigilo de comunicações num estado de defesa.
No atual julgamento, o STF analisa um recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) para revalidar as provas do caso Sundown e descartar a fixação de prazo máximo para interceptações. A decisão terá repercussão geral: valerá para todas as investigações, inclusive para as que já ocorreram no passado, o que cria risco de anulação daquelas que usaram interceptações prolongadas caso o STF decida que elas devem ter limite de tempo.
O voto do relator sobre as interceptações
Em seu voto, Gilmar Mendes apontou que, no caso concreto, várias prorrogações, realizadas na época a cada 30 dias, baseavam-se em pedidos com “motivações padronizadas, basicamente reproduções de modelos genéricos”. Algumas apenas transcreviam diálogos captados anteriormente, mas não traziam justificativa para sua continuidade. Assim, ele votou pela manutenção da anulação das provas, decidida em 2009 pelo STJ.
Depois, apresentou uma tese para análise de todos os demais casos. Disse que é possível prorrogar várias vezes, por períodos sucessivos de 15 dias, enquanto a medida for “necessária, adequada e proporcional”. Mas que, nessas prorrogações, o Ministério Público ou a polícia deverão demonstrar que, no período anterior de gravações, tenham sido encontrados elementos concretos que apontem para a necessidade de manter a medida. “Em caso de ausência de resultados incriminatórios, é necessário avaliar se, diante da suspeita inicial, ainda há justa causa para prolongar o tempo de interceptação”, afirmou.
A decisão que autoriza a prorrogação da interceptação, acrescentou o ministro, teve conter “justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações a partir das informações coletadas até o momento e os potenciais resultados ainda esperados”.
Para ele, seriam ilegais “motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto”.
O voto de Moraes sobre as interceptações
Ao divergir, Alexandre de Moraes votou pela revalidação das provas obtidas nos grampos do caso Sundown. Depois disse que, caso a tese de Gilmar Mendes seja aprovada, as interceptações se tornarão inúteis. Argumentou que, atualmente, as interceptações já são meios muito difíceis para obtenção de provas, uma vez que o crime organizado usa aplicativos e troca de celulares diariamente. Para ele, a medida só é eficaz se dura mais tempo, porque nem sempre as provas são colhidas imediatamente.
“A interceptação, só em filme ou em série, é que pega no primeiro fim de semana. Intercepta, aí o criminoso atende e fala: ‘Eu realmente matei a pessoa’. Não existe isso. São meses, às vezes anos. Esse prazo não é excessivo. O que é diminuto é o prazo inicial de 30 dias”, disse.
Ele discordou da condição proposta por Gilmar Mendes de só permitir a continuidade do grampo se for demonstrado que no período anterior foi coletado algum indício de crime.
“Não pegou nada [no período anterior], não pode mais prorrogar? Às vezes o trabalho policial tem fotografias das pessoas entrando na casa daquele que está sendo investigado, já há delação. E há interceptação, mas ainda não se conseguiu pegar a voz da pessoa. Não tem com o que cotejar. Então, tem que tomar cuidado, porque isso retroativamente vai anular grandes condenações de tráfico de drogas e corrupção. Porque não é possível cotejar algo que ainda não se obteve”, acrescentou Moraes.
Como mostrou a Gazeta do Povo, mais de uma dezena de pedidos já chegou ao STF para anular provas de investigações que usaram escutas por mais de 30 dias ou com fundamentação vaga, segundo as defesas. Há casos envolvendo corrupção no governo federal, venda de sentenças no Judiciário, fraudes tributárias e jogo do bicho.