O estado de Santa Catarina vive uma crise política sem precedentes em um cenário agravado pela pandemia do novo coronavírus, que já matou mais de 800 pessoas e infectou outras 62 mil em quatro meses. Representantes da nova política que ascendeu ao poder nas eleições de 2018, o governador Carlos Moisés e a vice-governadora Daniela Reihner, ambos do PSL, se tornaram alvo de um processo de impeachment na última quarta-feira (22).
A Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) aceitou a acusação de crime de responsabilidade contra Moisés e Daniela por causa de um aumento salarial concedido a procuradores do estado. O reajuste equiparou os vencimentos da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) aos da Procuradoria da Alesc. O processo alcança ainda o secretário de Administração, Jorge Eduardo Tasca.
A decisão do presidente da Alesc, deputado Julio Garcia (PSD), teve como base um parecer favorável do corpo jurídico da Assembleia. O pedido de impedimento foi protocolado pelo defensor público Ralf Zimmer Júnior. Segundo ele, o governo não poderia ter autorizado a equivalência salarial sem submeter essa decisão ao Legislativo, via projeto de lei.
Um grupo de 161 servidores da PGE teve a remuneração reajustada de R$ 30 mil para R$ 35 mil, em média, em outubro do ano passado. Segundo a denúncia de impeachment, isso representa um gasto mensal de R$ 767 mil aos cofres públicos. Os procuradores do estado são advogados que defendem e representam o governo em ações na Justiça.
Um primeiro pedido de impedimento protocolado por Zimmer Júnior, em janeiro deste ano, chegou a ser arquivado pela presidência da Alesc, também por sugestão do jurídico da casa. O defensor então acrescentou novos documentos e provas que, segundo ele, reforçam o crime de responsabilidade e reapresentou o pedido, desta vez acatado pela Procuradoria e pela presidência da Assembleia.
"Estamos seguros desde o primeiro pedido. O novo vem fortalecido pela decisão do Tribunal de Contas que declarou, por unanimidade, ilegal a equivalência. O Tribunal de Justiça chancelou a decisão. A questão está juridicamente madura", disse Zimmer Júnior em entrevista à CBN, na quarta.
Segundo ele, o pedido está bem fundamentado, mas reconhece que o desfecho do processo é imprevisível, já que um impeachment é um processo mais político do que técnico. "Tenho convicção, com a documentação juntada, que está configurado crime de responsabilidade. São três vetores: improbidade; criar despesa sem lei, que está claríssimo; e quebra de decoro. Como isso começou a ser pago em outubro até a suspensão em maio, foram cerca de R$ 5 milhões pagos indevidamente", afirmou na mesma entrevista.
Entenda a acusação que pesa contra Carlos Moisés
O reajuste salarial foi autorizado pelo governador Carlos Moisés em outubro de 2019, sob alegação de que estaria cumprindo uma decisão judicial que determinava a equivalência dos salários dos procuradores do estado com os da Assembleia Legislativa. A decisão era do Tribunal de Justiça de Santa Catarina concedida em favor da Associação dos Procuradores do Estado de SC (Aproesc) em 2004.
Em seus argumentos no pedido de impeachment, o defensor público Ralf Zimmer Júnior afirma que nos últimos 16 anos o Judiciário modificou essa decisão, considerando ilegal a equiparação salarial nesse caso.
Entre os novos documentos incluídos pelo defensor para reapresentar o pedido de impeachment está uma decisão do Tribunal de Contas do Estado de 10 de maio deste ano. O documento do TCE suspendeu o pagamento da diferença salarial, que vinha ocorrendo de outubro de 2019 até abril, e considerou que não há fundamento legal para a isonomia na remuneração entre os procuradores.
A vice-governadora se viu arrolada no processo de impeachment por ter rodado a folha de pagamento de fevereiro dos procuradores com a equiparação salarial, apesar de o reajuste ter sido questionado publicamente com o pedido de impedimento apresentado pelo defensor público. Na época, Daniela Reihner estava como governadora interina. Segundo o defensor, o pagamento deveria ter sido suspenso para averiguação da legalidade da equiparação salarial.
Quais são os próximos passos do processo de impeachment
Moisés até agora não se manifestou oficialmente sobre o processo de impeachment. O governador tem um prazo de 15 sessões legislativas para apresentar sua defesa. Após a manifestação, uma comissão especial formada por nove parlamentares terá 60 dias para formar um parecer favorável ou contrário ao impedimento.
Em caso de recebimento, o relatório será apreciado então pelo plenário da Alesc, sendo necessários 27 dos 40 votos (dois terços dos deputados) para afastar o chefe do Executivo estadual e a vice-governadora dos cargos. O governador Carlos Moisés é alvo de pelo menos seis pedidos de impeachment, do quais quatro foram arquivados e um ainda aguarda análise.
A líder do governo na Casa, deputada Paulinha (PDT), disse que é "natural" o encaminhamento dado pelo comando da Assembleia. "Não é nenhuma surpresa, porque já tínhamos conhecimento da denúncia. Neste primeiro momento, a Procuradoria tinha que observar os requisitos técnicos, sem julgamento de mérito", afirmou a parlamentar, acrescentando que acredita ser improvável que a denúncia prospere.
Sem base de apoio, governador já é alvo da CPI dos Respiradores
A aceitação do pedido de impeachment ocorre em um momento de tensão entre o Executivo e Legislativo, que tem enfrentado problemas para conseguir manter uma base de apoio.
Em abril, por unanimidade, os deputados abriram a CPI dos Respiradores, que investiga a compra de equipamentos para uso no combate à Covid-19 por R$ 33 milhões e que nunca chegaram. O relatório final ainda será apresentado. O caso chegou a ser alvo de uma operação policial e resultou na demissão dos secretários de Saúde e da Casa Civil.
O pedido de impeachment de Moisés não tem relação com a crise dos respiradores, mas causa um desgaste ao governo, que não tem conseguido aprovar suas propostas na Assembleia. A falta de apoio na Assembleia complica a situação do governador, que pode não ter força para barrar o pedido de impedimento do seu mandato — uma situação semelhante à vivida pela ex-presidente da República Dilma Rousseff. Em 2016, ela teve a gestão no Palácio do Planalto abreviada por um impeachment aprovado por larga margem de votos nas duas casas do Congresso Nacional.
Em entrevista à CBN, o relator da CPI dos Respiradores, deputado Ivan Naatz, disse que a falta de uma base de apoio do governo na Alesc é ruim para todos, tanto para o Legislativo quanto para o Executivo. "É um governo que está completamente desgastado. Não se pode fazer política sem oposição e governo. E aqui [na Assembleia] não tem governo, só tem oposição. Isso é ruim para a democracia, ruim para Santa Catarina", afirmou Naatz, que é líder da oposição. "Se eu apresentar um projeto de lei que inviabilize o governo hoje, eu aprovo. Isso é ruim porque ninguém vai levantar a mão para defender o governo", completou.
O desgaste do governador Carlos Moisés é grande no próprio partido. Deputados do PSL mais ligados à ala bolsonarista fazem oposição ao governo por considerarem que o chefe do Executivo catarinense se afastou da política do presidente Jair Bolsonaro.
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