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Coronavírus

Fechamento de divisas entre estados: até onde vai o poder dos governadores?

Fechamento de divisas interestaduais devido ao coronavírus, como fez o governador do Rio, Wilson Witzel, vem causando atritos com o governo Jair Bolsonaro.
Fechamento de divisas interestaduais devido ao coronavírus, como fez o governador do Rio, Wilson Witzel, vem causando atritos com o governo Jair Bolsonaro. (Foto: Rogerio Santana/Governo do Rio)

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Com a escalada da crise sanitária causada pelo novo coronavírus, alguns estados brasileiros decidiram restringir a circulação de pessoas em estradas e aeroportos. O fechamento de divisas interestaduais irritou o presidente Jair Bolsonaro, que afirmou que os governadores estavam adotando medidas exageradas para conter o avanço da doença. Nesta segunda-feira (23), o presidente recuou e publicou uma resolução que dá mais autonomia para estados decidirem pelo fechamento e bloqueio de estradas.

Não são apenas os governadores que estão fechando as divisas para evitar o avanço do coronavírus. Prefeitos também já começaram a determinar bloqueios em estradas por causa da doença. É o caso, por exemplo, dos municípios de Cascavel, General Carneiro e Pitanga, todos no interior do Paraná. O gesto de prefeituras e estados encontra respaldo na Constituição Federal, segundo decidiu o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, nesta terça-feira (24). Mas o assunto ainda gera controvérsias.

Para o advogado André Portugal, mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra, a competência para fechamento de divisas entre estados é de competência apenas da União. “O governador tem a competência para fins de fechamento de divisas quando se trata do fechamento intermunicipal e o presidente da República tem a competência para fechamento de divisas interestaduais”, explica.

Segundo o advogado, não cabe aos governos locais restringirem a circulação em estradas e aeroportos. “Quando se trata de divisas interestaduais, a competência é do Poder Executivo Federal, não cabe ao governador fechar essas divisas, não só por se tratar de uma competência constitucional atribuída à própria União, mas porque os reflexos que isso tem envolvem contratos, concessões públicas que são celebrados pela União com concessionárias e que tem reflexos em escala nacional. Não pode simplesmente o Poder Executivo local atuar de maneira a restringir e limitar esse transporte interestadual”,diz Portugal.

Até agora, os governos de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Goiás, Maranhão e Bahia editaram decretos para impor restrições de acesso aos estados.

Vai e vem de normas envolvendo competência sobre divisas

Segundo o advogado e coordenador geral da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), Luis Henrique Madalena, a confusão envolvendo a competência para fechar divisas entre estados e municípios começou com a sanção da Lei 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento ao surto provocado pelo novo coronavírus.

“Ordinariamente quem poderia fazer isso é a União e ponto. Mas no início de fevereiro veio a Lei 13.979 para enfrentamento do coronavírus já pensando na possibilidade de isso acontecer. E aí começou a confusão. Essa lei mencionava a possibilidade da restrição excepcional e temporária da locomoção interestadual e intermunicipal e aí governadores e prefeitos Brasil afora começaram a disciplinar isso. A lei não especifica quem poderia disciplinar isso. A lei fala só em autoridade”, explica Madalena.

Depois da lei sobre coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória com novas regras sobre fechamento de estradas e aeroportos. A MP 926, publicada na última sexta-feira (20), diz que “para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências” medidas como “restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de entrada e saída do País; e locomoção interestadual e intermunicipal”.

Para Madalena, porém, a MP não pode ter efeito retroativo para casos em que os governos locais já tenham decretado as medidas de fechamento de divisas. “Aí vem a Medida Provisória 926 de 20 de março de 2020 dizendo que a restrição só pode ser feita conforme recomendação técnica e fundamentada da Anvisa. Só que muitos atos já tinham sido editados”, explica.

Nesta segunda-feira (23), depois de uma reunião com governadores das regiões Norte e Nordeste, o presidente recuou. Em uma nova medida provisória, o governo transferiu da Anvisa a órgãos de vigilância dos estados a competência para prever as condições técnicas para fechamento ou bloqueio de estradas. A nova norma é assinada pelo diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres.

Segundo a norma mais atual cabe, portanto, aos governadores, decidir sobre quando bloquear estradas para evitar a escalada do contágio pelo coronavírus nos estados. Já no caso dos aeroportos, a competência continua sendo da União, através da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Decisão do STF reforça competência de estados e municípios

O ministro do STF Marco Aurélio Mello decidiu que a MP 926 "não afasta a tomada de providências normativas e administrativas" pelos governos estaduais e as prefeituras. A decisão, de caráter liminar, acolheu parcialmente um pedido do PDT contra trechos da medida provisória.

O PDT alegou que a MP esbarra na autonomia dos entes federativos. Para o partido, é inconstitucional interpretar que a "prerrogativa da União derroga a autonomia dos outros entes federativos para imprimir as mesmas ações (dispor e adotar), relacionadas a serviços públicos, atividades essenciais, isolamento, quarentena e restrições de locomoção, mas com esteio nas peculiaridades do enfrentamento à pandemia de acordo com as realidades regionais e locais".

Em sua decisão, Marco Aurélio não decidiu que a medida provisória é inconstitucional, e reforçou que seu terceiro artigo "remete às atribuições, das autoridades, quanto às medidas a serem implementadas". "Não se pode ver transgressão a preceito da Constituição Federal. As providências não afastam atos a serem praticados por Estado, o Distrito Federal e Município considerada a competência concorrente na forma do artigo 23, inciso II, da Lei Maior", disse o ministro do Supremo.

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