Edifício sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ), corte responsável por investigar e afastar governadores.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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O afastamento do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), acendeu o alerta para outros governadores investigados em esquemas de desvios de recursos públicos. Por mais que haja indícios de corrupção contra Witzel, ele foi afastado por decisão individual de um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), só posteriormente confirmada por um colegiado da Corte. Isso foi criticado por juristas e analistas políticos. E deixou em alguns governantes o receio de que podem ser os próximos alvos, pois bastaria apenas que um ministro tomasse a decisão de afastá-los.

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Desde abril, investigações de casos de desvios de recursos para o combate à Covid-19 se espalharam por pelo menos 11 estados, além do Distrito Federal. São investigados prefeitos e governadores.

Além do Rio, há investigações em andamento que envolvem os governos do Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Pará, Paraíba, Rio Grande do Sul, Rondônia, São Paulo e Santa Catarina. Em alguns estados, secretários de Saúde chegaram a ser presos ou afastados de seus cargos sob suspeita de corrupção.

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Em Santa Catarina, o governador Carlos Moisés (PSL) responde a dois pedidos de impeachment na Assembleia Legislativa por supostas irregularidades na área da saúde. As suspeitas já levaram à queda de dois secretários estaduais, além da abertura de uma CPI.

O precedente aberto pelo afastamento de Witzel por meio de uma decisão monocrática (individual) foi criticado por governadores. O STJ é o foro de investigação e julgamento de governadores.

Em São Paulo, João Doria (PSDB) disse em uma coletiva de imprensa que a decisão do ministro do STJ Benedito Gonçalves de afastar Witzel foi “no mínimo estranha”. “Eu não estou aqui para fazer juízo de valor nem juízo de mérito. Mas eu defendo sempre que investigações e esclarecimentos de denúncia sejam feitos. Porém, quero registrar, como governador, que uma decisão dessa dimensão, monocrática e não de colegiado, é no mínimo estranha. Uma decisão como essa, a meu ver, dada a sua importância e sua dimensão, deveria ser adotada por um colegiado e não por um único juiz”, afirmou.

O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), também criticou a decisão em entrevista ao jornal El País. “Considero que há um procedimento específico, regrado na Constituição. Esse regramento específico diz que pode haver afastamento de um governador se houver o recebimento de uma ação penal por um colegiado do STJ ou a Assembleia Legislativa fazer processo de impeachment”, disse.

“Isso ocorre em proteção ao governador? Não, em proteção ao princípio da soberania popular. Entendo que o devido processo legal não foi observado. Há um risco que implica que o princípio da soberania popular seja enfraquecido. Se um governador pode ser afastado por decisão liminar de apenas um juiz, por que não o presidente da República?”, completou Dino.

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O governador do Acre, Gladson Cameli (PP), também fez críticas à decisão do ministro ao El País. “Vejo um claro enfraquecimento da democracia. Parece-me que a Constituição Federal não tem sido cumprida em seu Direito”, disse. “A Justiça é soberana como qualquer outro poder é. Mas ela criou, sim, um mal-estar. Vivemos uma insegurança imensa. O que ocorreu com o Witzel pode ocorrer com todos nós governadores. Não estou discutindo se ele é culpado ou inocente. Mas a imagem que ficou perante a população é muito negativa”, afirmou Cameli.

Preocupação com perseguição política 

Wilson Witzel reclamou de perseguição política ao ser afastado do cargo. Ele acusou a procuradora Lindôra Araújo, da Procuradoria-Geral da República (PGR), de ser ligada à família Bolsonaro – que teria interesse em vê-lo afastado do governo do Rio, já que Witzel e o presidente Jair Bolsonaro são adversários políticos. Lindôra é uma das procuradoras que assinam a denúncia por corrupção e lavagem de dinheiro apresentada contra o governador do Rio que levou Witzel a ser afastado do cargo.

Em maio, quando a Polícia Federal deflagrou a primeira fase da operação contra o governador do Rio, Witzel também havia dito que era alvo de perseguição. Ele reclamou que a operação havia sido "vazada" para aliados de Bolsonaro e que isso demonstrava a interferência do presidente na Polícia Federal (PF).

Um dia antes da deflagração da operação, a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) disse em uma entrevista que governadores eram investigados. "A gente já teve algumas operações da Polícia Federal que estavam ali, na agulha, para sair, mas não saíam. E a gente deve ter, nos próximos meses, o que a gente vai chamar, talvez, de ‘Covidão’ ou de, não sei qual vai ser o nome que eles vão dar, mas já tem alguns governadores sendo investigados pela Polícia Federal”, disse.

A Lava Jato do Rio rebateu as acusações de Witzel e informou haver indícios robustos contra ele. Mas nem mesmo dentro da maior operação de combate à corrupção da história do país há consenso de que não haveria um elemento político nas investigações que atingem governadores.

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Integrantes da Lava Jato de Curitiba, por exemplo, já afirmaram à Gazeta do Povo achar estranha a condução das investigações contra governadores.

Procuradores da força-tarefa de Curitiba também destacam que a subprocuradora Lindôra Araújo – responsável pelas investigações da Lava Jato no STJ envolvendo governadores – é “a mais bolsonarista da PGR”, além de ter uma relação próxima com o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente.

Em entrevista à Gazeta do Povo, o procurador aposentado e ex-integrante da Lava Jato Carlos Lima afirmou nunca ter visto investigações tão rápidas envolvendo políticos. "Num momento em que vemos as diversas ações contra diversos governadores, não estou dizendo corretas ou incorretas, mas ações extremamente rápidas. Eu conheço investigações há mais de 30 anos e pouquíssimas vezes eu vi investigações tão rápidas atingir poderosos de uma maneira tão significativa como agora”, disse Lima.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

STF vai decidir sobre afastamento de governadores

A polêmica envolvendo o afastamento de governadores por decisão individual de ministros do STJ foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). A defesa de Wilson Witzel pediu ao STF que regulamente a retirada de governadores do cargo. O governador afastado do Rio quer que os ministros condicionem afastamentos a um julgamento colegiado e com dois terços dos votos da Corte Especial do STJ, que é formada por 15 ministros.

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O relator do pedido de Witzel é o ministro do STF Edson Fachin, que liberou o caso direto para julgamento no plenário, sem tomar uma decisão monocrática. Ele deu um prazo de 10 dias para que a Presidência da República e o Congresso Nacional prestem informações sobre o tema. A Advocacia-Geral da União (AGU) e a PGR também devem se manifestar no processo.

Em 2017, o STF já havia decidido que as Assembleias Legislativas não precisam chancelar decisões judiciais que afastem governadores dos cargos.

No julgamento, o ministro Marco Aurélio Mello já havia alertado para as decisões monocráticas que visam o afastamento. “Em se tratando do chefe do Poder Executivo estadual, eleito pelo povo, há de colar-se ao afastamento segurança maior, não cabendo a atuação individual do relator”, disse o ministro.

Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, nos bastidores do STF a tese que ganha força é a de que o afastamento seja possível por meio judicial, mas apenas por decisão colegiada. A regra, porém, só seria aplicada daqui para frente, sem impactar no caso do governador do Rio de Janeiro.

Jurista comenta decisão sobre afastamento de governadores

Advogada especialista em Direito Eleitoral, Juliana Bertholdi, diz enxergar com ressalvas a decisão individual que levou ao afastamento de Witzel. Para ela, o afastamento de um governador ou qualquer outro político eleito só deve acontecer quando não houver outra alternativa, pois isso cria um "vazio democrático".

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“Minha posição é de que o afastamento de forma monocrática é absolutamente inaceitável. Se a última ratio precisa acontecer, se não temos outra escolha a não ser afastar alguém que foi legitimamente eleito para aquele cargo, é importante que esse afastamento se dê por decisão colegiada. É o mínimo que a gente pode exigir do Judiciário”, afirma.

Para a advogada, o ideal do ponto de vista democrático seria que governadores, assim como acontece com deputados e senadores, só pudessem ser afastados com autorização do Poder Legislativo.

A advogada diz ainda que a preocupação de perseguição política através do Judiciário é perfeitamente justificável. “Não tem como a gente descobrir as reais motivações por trás de algumas ações que deixam para serem realizadas em determinados momentos políticos”, diz Juliana Bertholdi. “É muito difícil para a população identificar se ele [Witzel] está sendo efetivamente julgado ou perseguido.”