A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro iniciou nesta semana sua segunda e conclusiva fase em meio a severo impasse em relação aos próximos passos. A oposição reagiu à perspectiva de imposição, pela maioria governista, de um “desfecho controlado”, elevando a pressão sobre o presidente do colegiado, deputado Arthur Maia (União Brasil-BA). Para parlamentares e analistas cresce a impressão de, a exemplo da CPI do MST, na Câmara, a CPMI também "encomendou a sua pizza", jargão popular para descrever encerramento sem denúncias consistentes.
Ao que tudo indica, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da CPMI, deverá responsabilizar as forças de segurança do Distrito Federal, e o general Marco Gonçalves Dias, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, pelos atos de vandalismo de 8 de janeiro.
O duelo entre os grupos opostos derrubou a sessão da terça-feira (22), antes mesmo de ser aberta e deixou ainda mais elevadas as tensões da quinta-feira (24). Maia costurou um acordo para aprovar a maior parte dos novos requerimentos da relatora, todos voltados à tese de golpe de Estado liderado por Jair Bolsonaro (PL), mas preservando o ex-presidente e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro de convocações e quebras de sigilo. Esse entendimento está ameaçado.
Também em contrapartida, a oposição conseguiu agendar para a semana seguinte os depoimentos do ex-comandante da Polícia Militar do Distrito Federal Fábio Augusto Vieira, que alegou falta de respaldo federal para impedir invasões de prédios públicos, e do ex-ministro do GSI Marco Gonçalves Dias, que chefiava a segurança do Palácio do Planalto. A vinda deles é tida como essencial para evidenciar a omissão das autoridades federais - como o próprio Gonçalves Dias e o ministro da Justiça, Flávio Dino - levou ao vandalismo em Brasília.
As convocações de Vieira e Gonçalves Dias foram vistas pelos oposicionistas como uma forma de calar suas queixas de parcialidade nas deliberações. Após ser chamado na quinta-feira (24) de “pizzaiolo” pelo deputado Maurício Marcon (Podemos-RS), por não tomar providências para receber as imagens do Palácio da Justiça, negadas por Dino de forma reiterada, Arthur Maia descartou favorecimento aos governistas. Mas, em protesto à crítica dura de Marcon, mandou pautar os mais de 800 requerimentos ainda não apreciados. A decisão condena todos pedidos da oposição à gaveta e amplia o rolo compressor governista, alcançando alvos além do tema da CPMI.
Oposição quer retomar diálogo com o presidente do colegiado
Os senadores Eduardo Girão (Novo-CE) e Flávio Bolsonaro (PL-RJ) apelaram ao presidente do colegiado para que voltasse atrás, mas ele não cedeu. “Nos próximos dias, vou me esforçar para construir uma pauta, que inclua depoimentos solicitados pelo governo e pela oposição. Se forem colocados sem acordo, serão derrotados todos os requerimentos da oposição e aprovados todos os do governo”, declarou Maia.
O embate entre parlamentares da oposição e governistas iniciado na terça-feira partiu das solicitações por quebras de sigilo da deputada Carla Zambelli (PL-SP), dentre outras. De toda forma, Maia acredita ter conseguido firmar ao menos o consenso para encerrar a CPMI em 17 de outubro, com a leitura do relatório de Eliziane Gama. Ele reconheceu que o trabalho da relatora está adiantado e que as nove reuniões seguintes, considerando a semana do Sete de Setembro como pausa, abarcarão as últimas oitivas. O grau de “controle” governista sobre o desfecho da CPMI depende do recuo de Maia.
“O deputado Marcon foi injusto como o presidente da CPMI, reconheceu o erro e conversou com ele. Para o bem da CPMI, é importante se aprovar os requerimentos para ouvir o comandante da Força Nacional de Segurança e o ministro Dino, que é o pivô de tudo que aconteceu. O governo não deve ter medo de que essas pessoas venham e ouçam nossos questionamentos”, disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Trabalhos são condicionados por pressões de Dino, STF e Exército
Para contornar pressões externas à CPMI e apurar limites para sua atuação dentro do contexto institucional, Arthur Maia teve encontros reservados com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e com o general Tomás Paiva, comandante do Exército. Além do Judiciário e das Forças Armadas, os trabalhos da comissão seguem condicionados às pressões do Planalto, sob a liderança entre os seus membros aliados de Flávio Dino. Próximo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e membro do centrão, Maia buscou atuar para não desequilibrar ainda mais as discrepâncias de forças na comissão dominada pela base governista, contendo excessos.
Apesar disso, Eliziane Gama, relatora e parlamentar próxima de Flávio Dino, avisou que já reuniu elementos substanciais para indiciar Bolsonaro. Ela entende que a atuação do ex-presidente para questionar o resultado eleitoral criou clima favorável a uma suposta intervenção militar. Com cronologia de antes mesmo da campanha eleitoral de 2022, ela investiga o cartão de vacinas de Bolsonaro, o suposto desvio de joias do acervo presidencial e as suspeitas de conluio para grampear o ministro Alexandre de Moraes (STF).
No capítulo das omissões, a tendência é de a relatora atribuir toda a culpa às forças de segurança do Distrito Federal, incluindo os comandantes da Polícia Militar, o ex-secretário distrital Anderson Torres, que foi ministro da Justiça de Bolsonaro. No âmbito federal, a responsabilização toda recairá sobre os ombros do general Gonçalves Dias, conhecido como GDias e classificado de omisso até por membros aliados do governo na CPMI. Seu nome foi formalmente incluído no inquérito do STF que investiga as omissões no 8 de janeiro diante de evidências como leniência diante de alertas dos serviços de inteligência e adulteração de relatórios oficiais.
A CPMI também decidiu na quinta-feira (24) reconvocar o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante-de-ordens de Bolsonaro, além de quebrar os sigilos fiscal, telefônico e telemático da deputada Carla Zambelli (PL-SP) e de três pessoas ligadas a ela. A comissão aprovou ainda pedidos para apurar o fretamento de ônibus que transportaram manifestantes. Ao todo, foram aprovados em votação simbólica 57 requerimentos na pauta, dos quais 51 eram de autoria da relatora e de outros governistas.
Senadores criticam sequestro da pauta da CPMI pelo Planalto
O senador Marcos Rogério (PL-RO) criticou “uma desproporcionalidade sem justificativa” na apreciação dos requerimentos, muito mais favorável ao governo. “Boa parte dos pedidos deles nada tem a ver com 8 de janeiro”, sublinhou. “Não podemos permitir que essa CMPI se torne palco para embate político fora do seu escopo”, disse.
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) lembrou que comissões parlamentares de inquérito tem como papel central servir de instrumento para investigações imparciais. “Apesar disso, a CPMI do 8 de janeiro foi sequestrada pela base do governo e está sendo transformada em teatro graças à manipulação da pauta. Por que não se deixa avançar pedidos de convocações e de quebras de sigilos de uma série de pessoas?”, observou.
Para o senador Marcos Pontes (PL-SP), a ocupação governista da CPMI “impede que a população conheça a verdade completa”. “A comissão foi constituída com a finalidade de saber exatamente o que aconteceu no dia 8 de janeiro, doa a quem doer. Não é questão de esquerda ou de direita. Ela não foi criada para se defender um lado, simplesmente”, observou.
O senador Eduardo Girão (Novo-CE) lembrou que o próprio ministro Flávio Dino disse que “todas as ações e omissões referentes àquele fatídico domingo deviam ser apuradas”, incluindo as dele. “Por que o governo ainda esconde as imagens do Ministério da Justiça no 8 de janeiro? Por que a CPMI não convoca o comandante da Força Nacional, que estava com seu batalhão de mais de 200 homens de braços cruzados no prédio enquanto vândalos tocavam o terror?”, questionou.
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