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Haddad Randolfe
Ministro Fernando Haddad (Fazenda) e líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP): reação tardia para conter prejuízos sociais com as bets.| Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Diante do forte impacto social e econômico gerado pela explosão no país das bets, as empresas de apostas pela internet, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se apressa para tentar estancar a crise por meio de propostas de lei para impor mais regulações ao setor e aos programas de transferência de renda.

As atenções se voltaram para o assunto nesta semana, quando um levantamento do Banco Central mostrou que, em agosto, 5 milhões de beneficiários do programa de transferência de renda Bolsa Família gastaram aproximadamente R$ 3 bilhões em apostas nas bets.

O Banco Central descobriu o dado rastreando transferências do tipo PIX feitas pelos beneficiários do programa social. A instituição estima que, em média, cada um desses assistidos de baixa renda do programa apostou R$ 100 no mês, sendo que o pagamento mínimo do Bolsa Família é de R$ 600.

O valor apostado corresponde a quase um quinto dos R$ 14,1 bilhões gastos pelo governo no Bolsa Família em agosto. Nos nove primeiros meses do ano, beneficiários do programa gastaram mais de R$ 11 bilhões em jogos, agravando sua condição de pobreza e ampliando o número de famílias endividadas.

Também nesta semana foram divulgados dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC) que apontam perdas de R$ 117 bilhões por ano no comércio devido ao aumento das apostas esportivas. Ou seja, as pessoas estariam consumindo menos para poder apostar mais, tendência que leva ao enriquecimento dos donos das bets e tira dinheiro da economia produtiva do país.

Na terça-feira (24), a confederação entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo o fim da operação dos cassinos on-line no país. A ação contesta a Lei 14.790/2023, conhecida como “Lei das bets”, que entrou em vigor em janeiro deste ano, sob o argumento de que a legislação que regulamenta as apostas de cota fixa no Brasil “está causando graves impactos sociais e econômicos”.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva apoiou a lei das bets em uma provável tentativa de regulamentar o setor, que já operava na clandestinidade. O objetivo seria o de aumentar a arrecadação de impostos para evitar a adoção de políticas de austeridade fiscal.

O cientista político e ex-candidato à Presidência pelo Partido Novo, Luiz Felipe d'Ávila, afirma que o governo cometeu o erro de liberar as bets e, somente agora, quando o problema se tornou crônico, cogita regulamentar esse mercado. “O estrago já está feito. Esse é mais um triste retrato de um governo que não tem nenhum plano, a não ser aumentar a arrecadação de impostos”, disse.

Para ilustrar o tamanho das contradições e desperdícios de recursos públicos, ele lembrou que treze estados têm mais beneficiários do Bolsa Família do que empregados formais. “Pergunto se a estratégia de socorrer esses cidadãos desfavorecidos pode dar certo quando, em só um mês, beneficiários gastaram R$ 3 bilhões em apostas”, disse.

Na busca desenfreada para aumentar receitas, o Palácio do Planalto ignorou os alertas sobre riscos das bets para a saúde mental e para as finanças das famílias dos usuários e conduziu de forma açodada a aprovação, pelo Congresso, no fim de 2023 de uma regulamentação básica para a operação das casas de apostas.

O senador Eduardo Girão (Novo-CE) criticou a regulamentação das bets, afirmando que ela facilitou a entrada do crime organizado no setor, citando facções como o PCC e o Comando Vermelho. Em discurso no Senado na terça-feira (24), ele alertou para os riscos de dependência do jogo, mencionando que países com apostas legalizadas registram até 5% de viciados, o que representaria cerca de 10 milhões de brasileiros.

Governo quer tratar vício em apostas como problema de saúde

Apesar de vários dramas divulgados em reportagens, relatórios preocupantes de instituições financeiras e comportamentos anormais de consumidores captados por institutos de pesquisa, a reação dos governistas só veio esta semana, após a publicação de nota técnica do Banco Central (BC) revelando as apostas dos beneficiários do Bolsa Família.

O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias, afirmou em nota nesta quarta-feira (25) que os programas de transferência de renda têm como prioridade combater a fome e garantir a dignidade das famílias vulneráveis.

Ele solicitou esclarecimentos ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), sobre o uso de benefícios em apostas e destacou que o governo considera adotar medidas de proteção dos mais vulneráveis na regulação desse mercado. Em entrevista, Haddad afirmou apenas que o governo já vinha trabalhando por meio do Ministério da Saúde para tratar do tema como um vício em apostas, reagindo de forma similar ao tabagismo.

Projeto de líder do governo quer acabar com patrocínios e publicidade das bets

Uma das saídas indicadas pelos governistas é o Projeto de Lei 3.563/2024, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no congresso, em tramitação no Senado. O texto busca proibir a publicidade, patrocínio e promoção das bets, alterando as leis anteriores sobre o tema. Segundo o autor, o objetivo é reduzir os danos às finanças e à vida dos apostadores causado pelo vício em apostas.

No embalo do atual noticiário negativo para as bets, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou dois projetos para “proteger famílias de baixa renda e restringir atividades de apostas”. O seu PL 3718/24 propõe limitar apostas para pessoas inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais, idosos e indivíduos com dívidas ativas, impondo limites de perdas e restrições de transferências com base na renda de cada um.

Já o PL 3719/24 visa proibir a publicidade de apostas esportivas em todo o país, exceto dentro de estabelecimentos de apostas, acompanhada de alertas sobre riscos. As propostas também aumentam a tributação para 30% sobre prêmios líquidos e punições rígidas para apostas por menores de 18 anos.

Em paralelo, a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) se antecipou instituindo a proibição do uso de cartão de crédito para apostas online. A medida a ser adotada a partir de outubro atende a demanda dos setores varejista e bancário, que receiam uma explosão da inadimplência no país.

Especialista critica avanço das bets, que tornaram o Brasil líder em apostas online

Para Anna Flávia Ribeiro, professora de filosofia, especialista em mídias digitais e pesquisadora do Instituto Inutech de Brasília, relatórios de bancos e do comércio varejista já vinham, nos últimos meses, alertando sobre a transferência massiva de recursos do consumo para as bets e o aumento da inadimplência em razão delas. “Outro alerta importante, também ignorado, foi o ranking global de apostas esportivas, que colocou o Brasil como líder disparado a partir de 2023”, afirmou.

A especialista destaca ainda outro fenômeno preocupante: a prisão de influenciadores e celebridades em esquemas de lavagem de dinheiro por meio de casas de apostas, além do crescente interesse desses em criar suas próprias plataformas de bets.

Ela aponta para outro dado revelado pelo levantamento do Banco Central: de R$ 24 bilhões apostados nas bets em um mês, apenas R$ 300 milhões retornam aos apostadores na forma de prêmios, uma proporção extremamente desequilibrada.

“Eu me pergunto para onde estão indo os bilhões de reais desviados do nosso sistema produtivo. Quem está lucrando com isso e em quais países? É inacreditável o que estão fazendo com o povo. Como sempre, os mais pobres são os mais prejudicados”, concluiu.

O senador Edurado Girão destacou o aumento atual da criminalidade no país e do suicídio entre viciados em apostas. Nesse sentido, ele pediu a rejeição do PL 2.234/2022, que autoriza bingos e cassinos e está em processo de tramitação no Congresso, alegando que causaria danos econômicos e sociais ainda maiores ao Brasil.

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