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Os esforços do Palácio do Planalto estarão voltados para o Congresso nesta terça-feira (3). A partir das 14 horas, deputados e senadores irão se reunir para apreciar vetos do presidente Jair Bolsonaro a matérias aprovadas pelo Legislativo – entre eles o de número 52, que envolve o controle de R$ 30 bilhões em emendas impositivas no orçamento deste ano.
O montante diz respeito a emendas parlamentares. O projeto de lei do Congresso Nacional (PLN) 51, de 2019, aprovado pelo Congresso em dezembro do ano passado, alterando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2020, passou a tornar impositivas, além das emendas individuais e de bancadas, aquelas apresentadas pelo relator e pela comissão do orçamento.
Com isso, de acordo com o texto, o governo seria obrigado a destinar os R$ 30 bilhões conforme o desejo dos parlamentares. E mais: o dispositivo prevê que o empenho dos recursos (a reserva para o pagamento) seja feito em até 90 dias, e que não haja contingenciamento desses valores.
O cenário provocou rusgas públicas entre os poderes. Ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general Augusto Heleno afirmou, referindo-se aos parlamentares, que o governo não pode mais aceitar "esses caras chantagearem" o tempo todo.
Na realidade, entretanto, não foi bem assim que as coisas aconteceram. Deputados governistas não só não interferiram na votação que resultou nos R$ 30 bilhões impositivos como orientaram os colegas pelo voto a favor da proposta.
Projeto que originou valor de emendas impositivas é fruto de acordo com o governo
A novela que culmina na votação desta terça (3) começou muito antes, quando o Congresso votou o texto original da LDO para 2020. Os capítulos dessa história foram relatados pelos próprios parlamentares, na seção de dezembro que aprovou o PLN 51.
Após a tramitação da LDO, Bolsonaro vetou trechos do texto que eram de interesse dos parlamentares – incluindo dois dispositivos que colocavam as emendas de comissões e do relator do orçamento no mesmo patamar das feitas por bancadas e por parlamentares individualmente (que são de execução obrigatória).
O Congresso não derrubou o veto mas, segundo parlamentares, foi firmado um acordo para que, em troca, o Executivo enviasse um novo projeto de lei, que restituísse trechos que foram barrados por Bolsonaro. Na sessão, alguns parlamentares apontaram que o acordo não foi cumprido completamente.
"Queremos aqui, mais uma vez, manifestar nossa contrariedade diante da falta de compromisso do governo. Tínhamos acordado que este PLN significaria a recomposição de várias matérias que foram aprovadas na LDO e vetadas pelo governo. Um dos principais era o não contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Esse acordo não foi cumprido", disse o deputado André Figueiredo (PDT-CE).
Um dos parlamentares da oposição, o deputado Bohn Gass (PT-RS) também mencionou o acordo, referindo-se à destinação de recursos para o Censo Demográfico (outro trecho vetado por Bolsonaro). "Presidente, esse tema só está aqui porque havia um acordo na sessão anterior de que o governo destinaria recursos para o Censo, em sinal de que ele precisa ser feito. Mas o governo não colocou o dinheiro. (...) Nós não temos o compromisso, por parte do governo, sobre esses pontos. Portanto, somos forçados, Sr. Presidente, por causa desse descumprimento, a orientar o voto 'não'", disse o deputado – posicionando a bancada do PT, portanto, a votar contra as emendas impositivas.
Governistas não questionaram mudanças e votaram a favor de emendas impositivas
O projeto que foi votado em dezembro era de autoria do Executivo. O texto inicial encaminhado pelo governo, entretanto, tratava da execução de emendas impositivas (individuais e de bancada) – sem obrigar o governo a pagar as emendas de comissão e do relator do orçamento.
A alteração no texto foi feita pelos próprios parlamentares. Ao longo da votação, porém, bolsonaristas não se manifestaram contra a proposição. Ao contrário: a orientação para a bancada governista, proferida pelo deputado Carlos Gaguim (DEM-TO), foi para o voto a favor da proposta.
Membro da ala bolsonarista do PSL, o deputado Bibo Nunes (RS) foi um dos poucos partidários do governo a falar durante a discussão da matéria e orientação da votação. "Sr. Presidente, o PSL orienta o voto 'sim'. E já que se falou muito em pesquisa hoje, neste plenário, quero lembrar que o PSL, até hoje, obteve 400 mil seguidores, e o Aliança pelo Brasil, em 20 dias, conseguiu 600 mil seguidores. Esse é o prestígio de Bolsonaro. Isso é inquestionável! Isso não é 'Datafalha'! Eu queria apenas colocar a verdade para este plenário", afirmou.
Mais tarde, ao longo da votação, Nunes voltou a usar a palavra. O tema, entretanto, era o clima natalino na serra gaúcha, além de conselhos para a oposição. "Quero que esqueçam Marielle, que esqueçam a homofobia, que esqueçam o racismo. É sempre o mesmo discurso. Criem ou, pelo menos, mostrem criatividade em 2020", disse.
Articulação do governo foi para garantir aprovação do texto
Além de não obstruir a votação nem tentar modificar o texto, parlamentares governistas articularam acordos com deputados da oposição para que eles votassem a favor da matéria. "Conversando com o relator, deputado Cacá Leão, e com lideranças do governo: se o relator, combinado com o governo, com a garantia de não haver vetos, incluir a nossa emenda do Censo em seu parecer, (...) nós retiramos as duas outras emendas (...) [e] votaremos 'sim'", disse Bohn Gass (PT-RS). Com o acordo realizado, o PT mudou a orientação da bancada e também passou a ser favorável ao projeto.
Outro acordo, costurado pelo líder do governo, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), incluiu as despesas de pesquisa à lista dos gastos que não podem ser contingenciados – outro trecho que havia sido vetado por Bolsonaro na primeira tramitação.
Acordo sobre novo veto naufragou
Apesar do acordo costurado em plenário, os trechos sofreram novo veto de Bolsonaro. O governo chegou a firmar um acordo para que só parte do veto fosse derrubado no Congresso no início de 2020 – chegando a um meio termo entre as duas partes.
Mas, após a fala do general Heleno, o acordo acabou sepultado. Às vésperas da votação, Jair Bolsonaro tem uma reunião marcada com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para tentar chegar a um consenso.