A possibilidade da Câmara “desengavetar” a reforma administrativa proposta por Paulo Guedes, ex-ministros de Jair Bolsonaro (PL), tem assombrado o governo petista neste início de segundo semestre. Depois de diversas declarações do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a favor de uma discussão sobre o tema no Congresso, o governo Lula passou a estudar uma alternativa própria, mais palatável para a esquerda e para o funcionalismo público.
Nesta terça-feira (5) ministros da área econômica e outros mais próximos de Lula, se reuniram com a ministra de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, para discutir o tema, que segundo fontes não passaria necessariamente por uma reforma profunda, mas por ajustes no setor que pudessem sinalizar a intenção de mudanças e redirecionar os olhares, principalmente da oposição, para outras áreas. Um projeto que veda supersalários do funcionalismo deve ser uma das alternativas encampadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para entrar no assunto sem apoiar mudanças mais profundas.
O governo Lula é claramente contra a ideia de alteração de benefícios para o funcionalismo público, como já afirmaram líderes no Congresso e até os próprios ministros Haddad e Rui Costa. A indisposição petista à reforma administrativa também leva em consideração cálculos eleitorais para 2024, em que o PT pretende ampliar o número de prefeitos, já de olho no aumento da base eleitoral para 2026. Uma discussão como esta não teria como avançar sem desagradar alas do próprio partido, sindicalistas e potenciais eleitores.
Governo tenta se prevenir caso discussão avance na Câmara
Mas e se Lira insistir? Na Câmara, não é raro ver parlamentares brincando pelos corredores ou no cafezinho, anexo ao Plenário da Casa, e onde ocorrem as votações, que quando Lira decide “tratorar” determinada pauta, ele consegue.
Na votação da reforma tributária por exemplo, que parlamentares e setores tentavam aprovar há décadas, Lira pautou, negociou e aprovou em tempo recorde, numa super semana antes do recesso em que convocou os deputados a estar em Brasília já na segunda-feira – normalmente as votações são pautadas entre terça e quinta-feira – e concluiu a reforma antes da sexta-feira.
Interlocutores do governo dizem que o objetivo é se “calçar” caso Lira decida votar a proposta de emenda à Constituição (PEC) 32/2020, aprovada por uma comissão especial em setembro de 2021, para não ser pego de surpresa.
A ideia do governo, então, será apresentar projetos de lei com pontos que abordem pequenas alterações na estrutura administrativa, missão que estaria a cargo da ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck.
Haddad admite discutir projetos que tratam de mudanças na área administrativa
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta terça-feira (05), após o encontro com Dweck, que foram analisados vários projetos em tramitação no Congresso Nacional e que tratam de matérias administrativas, e que “podem ajudar a endereçar temas de interesse do governo”. “Nós passamos em revista todos os temas que tratam da modernização do Estado, do funcionalismo, e que podem significar um avanço importante”, acrescentou Haddad.
O ministro citou como exemplo a Lei dos Supersalários, já votada na Câmara dos Deputados, que atualmente está no Senado Federal, e que segundo Haddad, pode pôr fim a privilégios e significar uma economia robusta para o Estado brasileiro.
Em entrevista concedida ao portal de notícias Jota no mês passado, a ministra da Gestão, Esther Dweck também afirmou que não é necessária alteração constitucional para mudar as regras do funcionalismo público, apesar de admitir que as normas em vigor precisam de ajustes. “A gente não pretende acabar com a estabilidade. A gente está montando o nosso pacote para apresentar ao Congresso, e estamos dispostos ao diálogo”.
Na mesma ocasião, Esther Dweck disse que talvez as propostas precisassem ser fatiadas, pois alguns temas já tramitam no Congresso, como a Lei dos Concursos. “A gente concorda com o Lira que devem ser feitas algumas mudanças”, disse a ministra.
Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo acreditam que num cenário de muitas medidas enviadas pelo governo para aumentar a arrecadação há espaço para tentar alavancar o avanço da discussão da reforma administrativa, principalmente se considerada a ala mais liberal dos parlamentares, que defende que o governo tem que fazer sua parte e cortar na própria carte para enxugar gastos.
Bancadas endossam apelo por reforma
Recentemente a proposta e a postura de Arthur Lira de defender a reforma administrativa, classificada já pelo presidente como “o próximo movimento” da Câmara, ganhou reforço de peso com a adesão de diversas frentes parlamentares instaladas tanto na Câmara quanto no Senado, como as da Agropecuária, Empreendedorismo e Serviços, entre outras, e que reúnem centenas de parlamentares.
As bancadas divulgaram manifesto em apoio a Arthur Lira por considerarem que as declarações feitas por ele em diversos eventos recentes, principalmente junto ao empresariado brasileiro, não tinham repercutido o suficiente, como disse à Gazeta do Povo o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), reforçando a necessidade de discutir mudanças na área administrativa pública.
Segundo o deputado, o debate no Congresso não necessariamente precisa estar pautado pela PEC 32, de Guedes, que Lira defende como estando pronta para o Plenário e como uma proposta que não retira direitos adquiridos de quem já está no serviço público.
Mas também há quem diga que Arthur Lira usa a reforma como instrumento para pressionar o governo, ao mostrar que está no comando dos votos na Câmara e precisa do apoio dele para aprovar matérias importantes da pauta econômica.
Ainda nesta terça-feira (5), o presidente da Câmara voltou a falar sobre o assunto com os jornalistas. Segundo Lira, “a preocupação é: se não temos perspectiva de aumentar receita sem aumentar impostos, nós temos que conter os nossos gastos”.
Lira afirmou ainda que quando levanta a bandeira da reforma, não tem intenção de prejudicar nenhum setor. "Reafirmo que o texto [da PEC 32/2020] não tira qualquer direito do atual funcionalismo". Perguntado sobre a iniciativa do governo em abordar o assunto, Lira disse que recebe a movimentação "com muita satisfação".
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