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O Ministério da Saúde anunciou nesta quarta-feira (5) as regras para vacinação de crianças entre 5 e 11 anos contra a Covid-19, quase três semanas após a aprovação da vacina da Pfizer/Biontech para o público infantil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A pasta recuou da exigência de prescrição médica para aplicação da vacina, como queria o presidente Jair Bolsonaro, mas recomendou que os pais ou responsáveis busquem orientação médica antes de levarem seus filhos para os postos de vacinação.
De acordo com o Ministério da Saúde, a vacina será aplicada mediante o consentimento dos pais e não é obrigatória. Uma autorização por escrito só será necessária se não houver pai, mãe ou responsável presente no momento em que a criança for vacinada. A expectativa do governo é vacinar cerca de 20,5 milhões de crianças nessa faixa etária. A imunização completa é de duas doses, mas a previsão é de receber 20 milhões de doses no primeiro trimestre.
O público infantil será vacinado à medida em que o governo receba mais doses previstas de um contrato de 100 milhões de doses firmado com a Pfizer em novembro de 2021. Serão entregues 20 milhões no primeiro trimestre — todas doses pediátricas, específicas para as crianças entre 5 a 11 anos —, 25 milhões no segundo trimestre, 35 milhões no terceiro trimestre e 19,9 milhões no último trimestre. O contrato prevê ainda a aquisição de mais 50 milhões de imunizantes, caso haja a necessidade.
A pasta explica ainda que a vacinação será feita em ordem decrescente de idade (das crianças mais velhas para as mais novas), com prioridade para quem tem comorbidade ou deficiência permanente. Indígenas, quilombolas e crianças que vivem com pessoas do considerado grupo de risco também terão trato prioritário. A primeira e a segunda dose serão aplicadas com intervalo de oito semanas (dois meses).
Na segunda-feira (3), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, havia dito que o anúncio não seria "muito diferente do que o ministério já colocou em consulta pública", em referência ao documento que foi disponibilizado para ouvir a população e a comunidade científica. A consulta se iniciou em 22 de dezembro e se encerrou no domingo (2) com 23.911 participações.
Antes do anúncio desta quarta, especialistas em imunização participaram na terça-feira (4) de uma audiência pública sobre o assunto. O encontro teve por intuito promover o debate sobre a vacinação de crianças a fim de nortear a estratégia de operacionalização.
Como será o cronograma de vacinação das crianças
A expectativa do Ministério da Saúde é que as primeiras doses cheguem ao Brasil em 13 de janeiro, mas precisam passar pelo processo de segurança antes de serem distribuídas. A previsão inicial é de distribuir 3,74 milhões de doses em janeiro.
O governo vai receber três malotes, um em 13 de janeiro, o segundo em 20 de janeiro e o outro em 27 de janeiro. Cada malote conterá cerca de 1,25 milhão de doses. As doses chegarão em voos no aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP).
A expectativa é que, em 14 de janeiro, as primeiras 1,25 milhão de doses estejam aptas para envio aos municípios para que o cronograma comece. O calendário segue o que era previsto pelo Ministério da Saúde. "Na segunda quinzena, elas começam a chegar e serão distribuídas como nós temos distribuído", disse Queiroga na segunda-feira.
Após conversas com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), foi tomada a decisão de que a distribuição seguirá um critério populacional.
"Chegou a dose, aplica-se os percentuais [de critério populacional] encaminhados pelos estados e municípios para que possam fazer a imunização dessa faixa etária, de 20,5 milhões que podem ser imunizados", destacou nesta quarta-feira o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Rodrigo Cruz.
Ministro queria vacinação das crianças apenas com prescrição médica
O ministro da Saúde discorda que a recomendação de que os pais ou responsáveis busquem orientação médica antes de levarem seus filhos para os postos de vacinação seja um recuo. Anteriormente, a intenção era exigir a prescrição médica para a aplicação da vacina.
"Não é recuo, isso não é recuo, faz parte do processo decisório. Foi feita uma recomendação, se fossemos para tomarmos a decisão naquele momento [em dezembro], não teríamos feito consulta e audiência públicas", disse Marcelo Queiroga em coletiva de imprensa nesta quarta-feira.
A recomendação da vacinação de crianças mediante a apresentação de prescrição médica e consentimento dos pais seguia uma determinação do governo baseada no modelo de vacinação infantil adotado na Alemanha, que, para Queiroga, era o ideal.
"[Para] as [crianças] sem comorbidades, há necessidade de prescrição médica", disse o ministro da Saúde em dezembro, durante coletiva de imprensa. "Dada a sensibilidade do caso, nosso entendimento é muito parecido do que acontece na Alemanha, onde há recomendação médica, onde se contempla os casos que têm comorbidades e se respeita a decisão dos pais", declarou.
O governo se mostrou contrário à vacinação compulsória de crianças por entender que não há emergência em vacinar o público infantil. "Os óbitos de crianças estão dentro de um patamar que não implica em decisões emergenciais", disse Queiroga em dezembro.
Entre março de 2020 e dezembro de 2021, 311 crianças entre 5 e 11 anos morreram em decorrência da Covid-19. No período, foram registrados 6.324 casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG), segundo dados do Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe). O governo ponderou na coletiva de imprensa que, em relação aos óbitos totais, esse grupo infantil representa a menor taxa de mortalidade.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) entendia, contudo, que o número de crianças mortas por Covid-19 no Brasil não justificaria a imunização emergencial nessa faixa etária. "Não está havendo morte de criança que justifique algo emergencial", disse na véspera do Natal em um encontro com jornalistas. "Está morrendo criança de 5 a 11 anos que justifique algo emergencial? É o pai que decide em primeiro lugar", reforçou.
Mas o resultado da consulta pública promovida pelo Ministério da Saúde fez o governo rever seu posicionamento. Pesquisa realizada pela pasta mostrou que a maioria aprovou a não obrigatoriedade da vacinação das crianças, mas sem a exigência de receita médica.
O que diz a Anvisa sobre vacinação de crianças e prescrição médica
A prescrição médica demandada inicialmente pelo Ministério da Saúde não estava prevista nas recomendações da Anvisa, que aprovou em 16 de dezembro a vacinação de crianças com idades entre 5 e 11 anos no Brasil.
Questionada pelo jornal O Estado de S. Paulo, a Anvisa informou que não estava nas recomendações que a vacina só poderia ser aplicada em crianças após recomendações médicas. A agência "é o órgão responsável no Brasil pela avaliação e aprovação de solicitações para a realização de pesquisas clínicas com fins de registro e de pedidos de registro de imunobiológicos desenvolvidos pela indústria farmacêutica", segundo informa a autarquia em seu site oficial.
A aprovação da vacinação de crianças levou Bolsonaro a pedir para o órgão o nome dos técnicos que aprovaram a imunização contra a Covid-19 para o público infantil. O presidente da República afirmou, inclusive, que divulgaria publicamente a relação. A diretoria da Anvisa reprovou a atitude e se disse "alvo do ativismo político violento".
Após o embate entre Bolsonaro e a Anvisa, dirigentes e servidores do órgão relataram ter sofrido ameaças nas redes sociais e a direção do órgão pediu proteção policial à Polícia Federal e ao Ministério da Justiça. A autarquia requisitou também que o procurador-geral da República, Augusto Aras, investigue as ocorrências. Em 20 de dezembro, a PF abriu inquérito para apurar as supostas ameaças.
Estados e médicos foram contra prescrição defendida pelo governo
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) rechaçou na véspera do Natal a necessidade de documento médico recomendando a dose para crianças. A manifestação do conselho foi chamada de "carta às crianças do Brasil" e é assinada pelo presidente da entidade, Carlos Lula, secretário estadual de saúde do Maranhão.
"E é esse recado que queremos dar no dia de hoje, véspera de Natal: quando iniciarmos a vacinação de nossas crianças, avisem aos papais e às mamães: não será necessário nenhum documento de médico recomendando que tomem a vacina. A ciência vencerá. A fraternidade vencerá. A medicina vencerá e vocês estarão protegidos", afirmam os secretários.
Ao menos 16 estados e o Distrito Federal anunciaram que não iriam exigir receita médica para a vacinação de crianças contra a Covid-19. Os governos do Acre, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Pará, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe já se posicionaram contra a recomendação.
A abertura da consulta pública para a manifestação da sociedade civil a respeito da vacinação infantil também foi criticada por conselhos estaduais e municipais. O Conselho de Secretários Municipais de Saúde de São Paulo (Cosems-SP) foi um dos que se posicionou contrário por considerar "desnecessária e inaceitável".
Já o Ministério da Saúde defendeu as etapas da consulta e audiência públicas. O ministro Marcelo Queiroga disse em 31 de dezembro que as consultas precisam ser até ampliadas no âmbito do Executivo e ponderou que o procedimento é comum nos outros poderes. "Não é novidade nenhuma a realização de consulta pública", disse.
Já a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid (Secovid) defendeu a audiência pública e a importância do tema "por se tratar de público em pleno desenvolvimento e com lacunas ainda no que se refere a custo-benefício desta imunização, tendo em vista o cenário epidemiológico e regulatório atual".
O que esperar da vacinação de crianças e o que dizem os estudos
A vacinação da Pfizer aprovada pela Anvisa para crianças entre 5 e 11 anos é específica para esse público, com dosagem e composição diferentes em relação às administradas para a população acima de 12 anos. A vacinação completa de crianças nessa faixa etária será feita pela aplicação de duas doses de 0,2 ml, o equivalente a 10 microgramas, um terço da dose administrada para a população com 12 anos ou mais.
O intervalo entre as doses será de pelo menos 21 dias. A dose infantil tem, também, menor concentração de mRNA, o componente da vacina que estimula a resposta do sistema imunológico. Outra diferença da dose específica para as crianças está na tampa do frasco, que terá a cor laranja, diferente da aplicada aos demais públicos pela mesma farmacêutica.
Mesmo com a dosagem inferior, um estudo com mais de 2 mil crianças apontou que o imunizante tem 90,7% de eficácia contra casos sintomáticos da doença. Uma recente revisão de dados levantados após 8,7 milhões de doses aplicadas nos Estados Unidos pelo Centro de Controle de Doenças (CDC) aponta que efeitos colaterais graves da vacinação da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos são "raríssimos".
Segundo relatório do CDC, 4.249 casos de efeitos adversos foram comunicados entre 3 de novembro e 19 de dezembro de um total de 8,7 milhões de doses aplicadas nesse grupo etário, com idade média de 8 anos, informa a BBC News. Desse total, 97,6% não foram efeitos adversos sérios.
Dos 4.149 comunicados de efeitos adversos que não foram considerados "sérios", há desde erros na dosagem administrada ou erro de estocagem até vômito, febre, dor de cabeça, tontura, síncope, fadiga, náusea e coceiras. Foram classificados de pouca seriedade porque não causaram hospitalizações e problemas de longo prazo ou potencialmente fatais.
Entre os 100 relatos restantes considerados "sérios", informa a BBC News, houve necessidade de hospitalização em quadros como febre, vômito, elevação de troponina — o que é associado a problemas cardíacos — e 12 casos graves de convulsão.
Ao longo da coletiva de imprensa, o ministro Marcelo Queiroga reconheceu que há uma "evidência científica própria constituída" no escopo do público de 5 a 11 anos, mas ressaltou que os dados e os aspectos da efetividade das vacinas para as crianças ainda são de curto prazo, bem como as pesquisas. "São muito recentes, sendo impossível ter dados de longo prazo", comentou na coletiva desta quarta.