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A exclusão das acusações de homicídio e genocídio contra o presidente Jair Bolsonaro não foram suficientes para alterar o desdém com o qual o governo lidou com o relatório da CPI da Covid-19 apresentado nesta quarta-feira (20). A avaliação feita no Palácio do Planalto e na base governista é de que o parecer visa apenas desgastar o Executivo.
Por isso, a estratégia adotada pelo governo para "contra-atacar" o parecer apresentado pelo relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), é desprezar o texto, associá-lo a uma suposta tentativa do chamado "G7" da CPI em "antecipar" as eleições, classificá-lo como inconstitucional e tentar convencer o eleitor médio de que o "relatório alternativo" da base governista é mais fidedigno com a realidade.
O Planalto e parlamentares da base governista entendem que o eleitorado mais fiel a Bolsonaro desdenha do relatório. O trabalho até a votação do parecer e mesmo após isso, caso o texto seja aprovado, é convencer os eleitores mais pragmáticos e menos ideológicos a reconhecer os feitos do governo durante a pandemia da Covid-19.
O próprio Bolsonaro deu o tom sobre como o governo vai se defender do relatório de Calheiros. "Fizemos a coisa certa desde o primeiro momento", disse o presidente nesta quarta. O argumento sempre utilizado por ele é de que seu governo procurou, desde o início da pandemia, zelar pela vida e, também, pelos empregos, a ponto de questionar no Supremo Tribunal Federal (STF) a autonomia de estados e municípios sobre medidas de isolamento.
Como o Planalto reagiu à leitura do relatório
A reação de ministros e demais interlocutores do Planalto foi a mais sóbria possível. O discurso é de que o parecer não seria muito diferente do apresentado por Calheiros e que imputar as acusações de genocídio e homicídio a Bolsonaro apenas enfraqueceriam o próprio texto a ser votado na próxima semana.
A leitura feita no governo é que, ao excluir as acusações de ambos os crimes, Calheiros tentou apresentar um texto que pudesse ser menos questionado politicamente. O que não muda a reação de desdém com a qual impera no Planalto.
O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), por exemplo, disse que o pai daria uma gargalhada caso lesse o relatório. A jornalistas, imitou o gesto e disse que "não tem o que fazer diferente disso". "É uma piada de muito mau gosto o que o senador Renan Calheiros faz. Por isso que eu falo que é um relatório inconstitucional", declarou.
Interlocutores destacam que, agora, a estratégia direta está nas mãos dos governistas no Congresso, que tentarão desqualificar o texto oficial, pressionar senadores e "vender" o "relatório alternativo" como defesa no colegiado. Em caso de aprovação do parecer, eventuais defesas serão discutidas e apresentadas posteriormente no devido processo legal.
Quais as estratégias dos governistas para contra-atacar na CPI
O "relatório alternativo" será um ativo político importante para a base do governo reagir ao da CPI da Covid. O deputado federal Pedro Lupion (DEM-PR), vice-líder do governo no Congresso, entende que essa será a principal "munição" para contra-atacar. "A resposta será o parecer do relatório 'paralelo' do [senador] Marcos Rogério [DEM-RO]", destaca.
O deputado reforça o desdém do Planalto e diz que o relatório lido nesta quarta não é uma surpresa. "Agora, é não dar bola para isso, tocar o barco, chega, essa história passou. Tentaram desgastar o presidente o máximo que deu, criaram um monte de factoides e coisas que não se comprovaram", diz. "É uma CPI midiática que teve como objetivo único e exclusivo desgastar o governo", complementa.
O senador Elmano Férrer (PP-PI), vice-líder do governo no Senado, endossa essa leitura. "No meu entendimento, trata-se de um relatório que já está feito há muito tempo e tem um objetivo de apenas desgastar o presidente. É uma coisa que eu nem gosto de falar", criticou. O deputado Sanderson (PSL-RS), vice-líder do governo na Câmara, reforça. "Desde o início, [a CPI] se dedicou em criar mentiras com o objetivo de derrubar o presidente da República. Relatório fantasioso que só tem um destino: o arquivo", declarou, por nota.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), entende que o texto tenta responsabilizar o presidente e declarou que qualquer tentativa de imputar alguma acusação "extrapola a interpretação sistemática dos princípios constitucionais e a legislação penal". "Por maior esforço hermenêutico que se almeja realizar, não há elementos jurídicos que sustentem a criminalização do Presidente da República", apontou.
Já o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), optou por uma via incisiva de contra-ataque à CPI: a jurídica. Ele afirmou que irá processar Calheiros por abuso de autoridade e denunciação caluniosa, além dos demais senadores que votarem a favor do parecer. "A investigação provou que eu não participei, e ele insiste em fazer uma tese que não tem fundamento nenhum. E os outros senadores que votarem a favor do relatório também, na sucessão", declarou ao site Metrópoles.
Auxílio Brasil e outras ações viram munição de governistas contra a CPI
Dentro da linha de desdém adotada por boa parte da base ao relatório da CPI, alguns governistas apostam em enaltecer os feitos do Planalto, a exemplo do Auxílio Brasil e as entregas de obras. Nesta quarta, por exemplo, Bolsonaro anunciou que o “novo Bolsa Família” será pago a um valor de R$ 400 em uma solenidade de entrega de obras de infraestrutura hídrica em Russas (CE), no Vale do Jaguaribe.
O deputado federal João Carlos Bacelar (PL-BA), vice-líder do governo no Congresso, é um dos que prefere endossar a agenda do governo como uma resposta ao relatório da CPI. “Temos muita coisa para debater e solucionar”, analisa. Mesmo ainda cercado de incertezas políticas e fiscais sobre a forma de financiar o Auxílio Brasil, o parlamentar acredita que seja uma pauta solucionável politicamente. “Isso vai revolucionar a área social, vai dar condições a quem não tem”, acrescenta.
Bacelar destaca que o governo está empenhado a discutir soluções pelo bem-estar social da população com medidas que vão “desde o gás até o auxílio social mensal”. Mesmo enaltecendo os feitos do governo, contudo, ele não deixa de criticar o parecer de Calheiros. “É uma descortesia e agressão o que fazem com o presidente Bolsonaro. Política se discute na urna, não numa CPI dessas. Estão antecipando o processo eleitoral de uma forma vil e baixa com um relatório que já nasce contaminado”, acusou.
Já interlocutores do Planalto desconsideram o timing do Auxílio Brasil e o impacto que o programa pode ter como uma possível “resposta” ao parecer. “É um equívoco atribuir à CPI essa questão do Auxílio Brasil, até porque o governo já vem trabalhando nisso há algum tempo. Isso tem muito mais a ver com o fim do pagamento do auxílio emergencial — que acaba daqui a 12 dias — e amparar as pessoas com pouco mais de recursos, do que o governo dar um ‘próximo passo’ ou ‘reagir’ à comissão”, pondera um assessor palaciano.
O Auxílio Brasil foi detalhado nesta quarta pelo ministro da Cidadania, João Roma, horas depois da leitura do relatório de Calheiros na CPI. "O presidente determinou que nenhuma das famílias beneficiárias receba menos de R$ 400. Estamos estruturando um benefício transitório que funcionaria até dezembro do próximo ano e teria por finalidade equalizar o pagamento desses benefícios, para que nenhuma destas famílias beneficiárias recebam menos de R$ 400", declarou.
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