Pouco menos de um mês após a posse do novo presidente dos EUA, Joe Biden, o governo Bolsonaro já mantém uma conversa diplomática amistosa com a nova gestão em Washington. A Casa Branca também sinalizou publicamente que parcerias com o Brasil serão mantidas – apesar das diferenças ideológicas entre os dois governos.
A previsão no Planalto e no Itamaraty é de que o governo conseguirá avançar nas metas internacionais traçadas para 2021, da conclusão de acordos comerciais a até mesmo a defesa da agenda conservadora em fóruns internacionais.
Desde o início de fevereiro, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, conversou com o embaixador dos EUA no Brasil, Todd Chapman, em pelo menos duas ocasiões. Em uma delas, esteve acompanhado do presidente Jair Bolsonaro. Na quinta-feira (11), Araújo teve pela primeira vez uma conversa com o novo secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken. Já o embaixador brasileiro nos EUA, Nestor Forster, tem mantido conversas com a Casa Branca e integrantes do Partido Democrata americano.
As conversas tiveram resultado. Representantes do novo governo americano deram declarações públicas favoráveis ao Brasil, no sentido de que os dois países vão manter a aliança que havia durante a gestão do ex-presidente Donald Trump.
No Itamaraty, o clima é de comemoração. “A diplomacia brasileira está prevalecendo, ao contrário daqueles previsões [de analistas e da imprensa], de que seria complicado, difícil. Nenhuma delas se concretizou. Pelo contrário”, diz à Gazeta do Povo um técnico do Itamaraty. “Temos que olhar para frente, e eles [críticos] também”, afirma um interlocutor do Palácio do Planalto.
As análises de que o Brasil poderia ter problemas diplomáticos com o governo Biden foram feitas devido ao fato de Bolsonaro ter defendido publicamente a reeleição de Trump e de ter divergências ideológicas com Biden.
Brasil e EUA têm convergências e continuarão a ser parceiros, diz Araújo
Na quinta-feira (11), Ernesto Araújo conversou com o secretário de Estado dos EUA, cargo equivalente ao de ministro das Relações Exteriores no Brasil. Blinken sucedeu Mike Pompeo, o secretário de Estado do governo do ex-presidente Donald Trump.
Sobre a conversa com Blinken, Ernesto Araújo também afirmou: "Encontramos convergência de visões sobre a centralidade da democracia e grande empenho em trabalhar juntos nas questões do comércio, do clima e promoção dos direitos humanos. EUA seguem sendo parceiro-chave na transformação do Brasil em torno da liberdade econômica e política".
Além da conversa com o secretário de Estado dos EUA, o chanceler brasileiro e o embaixador norte-americana no Brasil conversaram em pelo menos duas ocasiões nas últimas duas semanas.
No último dia 4, Ernesto Araújo recebeu o embaixados dos EUA, Todd Chapman, para uma reunião no Palácio do Itamaraty. O encontro foi sucedido de um almoço. Na reunião, o ministro das Relações Exteriores e o embaixador agendaram uma conversa de Chapman com o presidente Jair Bolsonaro. O encontro ocorreu no último dia 6.
Nas conversas com a embaixada dos EUA, a chancelaria brasileira demonstrou o interesse em tirar o melhor de uma boa relação, pragmática, para ambos os países. O Brasil defendeu seu interesses comerciais, econômicos, de defesa e até ambientais com os norte-americanos, buscando destacar que faz isso sem tensões políticas ou polêmicas. A ordem de Araújo é fazer o que for preciso para defender os interesses brasileiros, mas sempre com muito diálogo e diplomacia.
O diálogo formal entre ambos os países é visto no Itamaraty como a construção de uma ponte que desmistifica polêmicas como a do dossiê entregue ao governo Biden, que recomenda a suspensão de acordos com a gestão Bolsonaro por causa de políticas adotadas pelo atual governo brasileiro.
No Ministério das Relações Exteriores, tal documento é tratado como irrelevante para a relação entre as nações. “Não faz sentido algum isso. Prepararam um texto, disseram o que queriam e isso chegou ao departamento de Estado [dos EUA]. Mas é algo que não tem consequência efetiva ou oficial. É só barulho de um grupo de ativistas”, diz um técnico do Itamaraty.
Porta-voz de Biden diz que EUA vai reforçar comércio com Brasil
O novo governo americano também demonstrou intenção de manter uma boa relação com o Brasil. A porta-voz de Joe Biden, Jen Psaki, destacou na segunda-feira (8) o interesse dos EUA de reforçar a relação comercial entre os dois países. a afirmação dela foi feita ao ser questionada sobre como ficaria a relação dos EUA com o Brasil após o governo Biden ter recebido o dossiê que pedia a suspensão dos acordos entre os dois países.
“Estamos certamente prestando atenção no que acontece no Brasil. Estamos engajados nesse relacionamento econômico, que é significativo”, disse Psaki. “Nós somos, de longe, os maiores investidores no Brasil, incluindo em muitas das empresas mais inovadoras e focadas no crescimento do país, e nós vamos continuar a fortalecer nossos laços econômicos e aumentar nossa relação comercial grande e crescente nos próximos meses.”
Outra representantes da Casa Branca também disse que os EUA pretendem manter parcerias com o Brasil: a porta-voz do Departamento de Estado norte-americano para a América Latina, Kristina Rosales.
Em entrevista à agência Estadão Conteúdo, Kristina Rosales afirmou que a relação dos EUA com o Brasil “continua forte”, apesar das diferenças ideológicas. “Não é simplesmente porque os dois líderes têm forma diferente de pensar que as coisas estejam mudando para pior”, afirmou.
Kristina Rosales também foi entrevistada pela BBC Brasil e afirmou: "Os EUA e Brasil têm uma parceria já de mais de dois séculos, que é bem vibrante e com muitos valores e interesses compartilhados. As administrações podem mudar, e a relação fica intacta, já que há vários compromissos entre os dois países de muitos anos, sobre temas que são importantes não só para os dois países mas para todo o hemisfério em geral. Conforme vão mudando os governos de um país ou de outro, vai havendo uma mudança de prioridades, isso é normal. Mas isso também não significa necessariamente que, porque o governo e a prioridade mudaram, a relação com o país que tem um governo com prioridades distintas vai ser completamente destruída, ou vai mudar de uma forma que não vai haver mais possibilidade de aliança".
Na entrevista à BBC, Kristina Rosales também comentou que os EUA mudarão a abordagem adotada no governo Trump mas não a política em relação à possibilidade de os brasileiros adotarem tecnologia 5G da China. Os EUA vinham tentando impedir que o Brasil adotasse a tecnologia chinesa.
Sobre questões como o meio ambiente e floresta amazônica, vistas como pontos de atrito entre o governo Biden e a gestão Bolsonaro, Rosales foi diplomática: "Eu particularmente não consigo confirmar e não posso te dizer que se está trabalhando em um plano específico para a Amazônia nesse momento. Mas é algo que virá pela frente, já que o tema de mudanças climáticas é bem abrangente".
Abertura de diálogo com governo Biden fortalece Ernesto Araújo
Para interlocutores do governo brasileiro, o avanço nas articulações entre Brasil e EUA fortalece Ernesto Araújo. Ele vinha sofrendo um processo de fritura dentro do governo, especialmente da ala militar, e do Centrão, grupo político que apoia Bolsonaro no Congresso.
Araújo vinha sofrendo críticas especialmente por suas posições referentes à China – que, para seus críticos, teriam dificultado a aquisição de vacinas contra a Covid-19 pelo Brasil. Bolsonaro inclusive teria recebido pressões para demitir Araújo na reforma ministerial que pode acontecer em Breve.
No governo, quem sugeriu publicamente que Araújo poderia deixar o governo é o vice-presidente Hamilton Mourão. Em janeiro, Mourão disse que a saída do ministro poderia ocorrer após as eleições do Congresso. “Num futuro próximo, poderá ocorrer uma reorganização do governo para que seja acomodada a nova composição política que emergir desse processo. Talvez, nisso aí, alguns ministros sejam trocados, entre eles, o [do] MRE [Ministério das Relações Exteriores]”, disse.
Nomes para substituir Araújo nas Relações Exteriores inclusive já começaram a circular nos bastidores de Brasília. O senador Fernando Collor (Pros-AL) seria um dos cotados para substituir Araújo.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, do DEM, seria outra cotada. Nessas especulações, a aposta é de que ela seria deslocada para o Itamaraty para abrir vaga para o Centrão indicar alguém para comandar a política do agronegócio brasileira. Como representante do setor rural, Tereza Cristina teria uma posição pró-China, já que o país asiático é um grande importador da produção agropecuária do Brasil.
Ambas as especulações são negadas no Itamaraty. “É tudo especulação pura”, diz um assessor do chanceler. “O próprio presidente [Bolsonaro], na entrevista que deu ao [apresentador José Luiz] Datena [da TV Band] negou isso em longa entrevista”, diz a fonte. Bolsonaro afirmou que Araújo tem “um bom relacionamento na área diplomática” e bateu o martelo: “Ele continua”.
Pragmatismo na relação entre Brasil e EUA não surpreende, diz analista
A manutenção da relação pragmática entre Brasil e EUA, apesar de os dois governos terem divergências ideológicas, não é uma surpresa para o analista político Luan Madeira, da BMJ Consultores Associados. Para ele, era esperado que fosse haver a diplomacia entre os dois países seriam restabelecida após Bolsonaro ter parabenizado Biden pela vitória.
“Havia muita gente que tinha medo que o governo fosse adotar uma postura mais crítica e menos amigável com os EUA, mas já esperávamos por essa relação mais pragmática, que sempre vai reinar”, diz Madeira.
Para o analista, Bolsonaro tem consciência de que o governo teria muito a perder se mantivesse uma relação tensionada com os EUA. “Os Estados Unidos são um player importante no cenário internacional; eu diria até que é o mais importante. Não faria sentido antagonizar com um país de proporções tão relevantes. Seria uma jogada diplomática muito ruim.”
A relação, contudo, ainda requer muita atenção e diplomacia no que se refere à política ambiental brasileira, alerta Madeira. “O governo Biden tem uma postura muito crítica ao presidente Jair Bolsonaro na área ambiental. Então, eu diria que essa é a principal fonte de atrito entre os dois, que pode afetar outras áreas”, diz o analista.
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