O governo de Jair Bolsonaro (PL) teria tentado trazer ao Brasil de forma ilegal, sem o pagamento de impostos, joias (colar, anel, relógio e um par de brincos) e um relógio que, somados, valeriam cerca de R$ 16,5 milhões. As peças foram um presente do governo da Arábia Saudita a Bolsonaro e a então primeira-dama Michelle Bolsonaro dado após a ida de uma comitiva do governo ao país árabe para a reunião denominada “Iniciativa Verde do Oriente Médio”. Os relatos são do jornal "O Estado de S. Paulo".
No aeroporto de Guarulhos, na volta da comitiva, as joias e o relógio foram localizados pela Receita Federal com o assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, no dia 26 de outubro de 2021. Para entrar no país com mercadorias estrangeiras com valor acima de mil dólares, a lei determina o pagamento de imposto de importação de 50% do valor do produto. Quando há tentativa de omissão da mercadoria, como a reportagem narra que teria havido, a essa taxa é adicionada uma multa de 25% do valor. Os produtos foram, então, confiscados pela Receita – para que Bolsonaro pudesse reavê-los, deveria pagar valor superior a R$ 12 milhões.
Segundo o jornal, ao saber que as joias haviam sido retidas, Bento Albuquerque, que também integrava a comitiva, tentou a liberação das peças, sem sucesso. Questionado sobre o caso, o ex-ministro disse que não sabia do que se tratava o pacote, que estava fechado para ser entregue a Bolsonaro.
A reportagem diz que houve quatro tentativas do ex-presidente de conseguir a liberação das peças, envolvendo seu próprio gabinete, os ministérios da Economia, Minas e Energia e Relações Exteriores e militares. A última investida teria ocorrido no dia 29 de dezembro, dias antes de o presidente encerrar o mandato.
O governo federal poderia ter recebido as joias sem o pagamento de impostos, mas nesse caso os itens ficariam no acervo presidencial, como propriedade do Estado, e não com Bolsonaro e Michelle, a quem os presentes foram endereçados. Segundo decisão de 2016 do Tribunal de Contas da União (TCU), todos os presentes recebidos por presidentes devem ser restituídos ao patrimônio da União.
Bolsonaro diz estar sendo "crucificado" por presente que não recebeu
O ex-presidente Jair Bolsonaro negou na manhã deste sábado (4), em entrevista à CNN Brasil, que os presentes do governo saudita fossem para uso pessoal dele e de sua esposa. “Estou sendo acusado de um presente que eu não pedi, nem recebi. Não existe qualquer ilegalidade da minha parte. Nunca pratiquei ilegalidade. Veja o meu cartão corporativo pessoal. Nunca saquei, nem paguei nenhum centavo nesse cartão”, disse Bolsonaro à CNN.
Mais tarde, após participar de um evento de conservadores em Washington, capital dos Estados Unidos, o ex-presidente voltou a falar sobre a questão. "Eu agora estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não recebi. Vi em alguns jornais de forma maldosa dizendo que eu tentei trazer joias ilegais para o Brasil. Não existe isso", disse Bolsonaro, relato da "Folha de S.Paulo".
Após a publicação da reportagem do "Estado de S. Paulo", Fabio Wajngarten, ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República, responsável pela comunicação da campanha de Bolsonaro à reeleição, disse, pelo Twitter, que todo o processo de entrada das joias no país foi documentado na época e que os documentos comprovam que os presentes seriam encaminhados ao acervo presidencial.
Para corroborar a afirmação, Wajngarten publicou um ofício do Ministério de Minas e Energia, emitido em 3 de novembro de 2021 – uma semana após a apreensão das peças – direcionado à Receita Federal, que pede a liberação dos itens dando a entender que seriam direcionados ao acervo, passando a ser propriedade do Estado brasileiro.
“Considerando a condição específica do Ministro – representante do Senhor Presidente da República; a inviabilidade de recusa ou devolução imediata de presentes em razão das circunstâncias correntes; e os valores histórico, cultural e artístico dos bens ofertados; faz-se necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado”, diz o ofício.
Wajngarten publicou outro ofício, datado de 29 de outubro de 2021 e assinado eletronicamente em 3 de novembro de 2021, assinado pelo então chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH), Marcelo da Silva Vieira. O GADH é vinculado ao Gabinete Pessoal do Presidente da República.
No documento, direcionado ao ministro de Minas e Energia, Vieira afirmava que os presentes encontravam-se na condição de encaminhamento ao GADH "para análise quanto à incorporação ao acervo privado do presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República".
A ex-primeira-dama também usou o Twitter para se manifestar sobre o caso. “Quer dizer que ‘eu tenho tudo isso’ e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein?! Estou rindo da falta de cabimento dessa impressa vexatória”, disse Michelle.
Dino disse que vai acionar PF e Padilha chama episódio de "repugnante"
Na noite de sexta-feira (3), o ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que acionará a Polícia Federal para investigar o caso. "Fatos relativos a joias, que podem configurar os crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro, entre outros possíveis delitos, serão levados ao conhecimento oficial da Polícia Federal para providências legais. Ofício seguirá na segunda-feira", afirmou Dino nas redes sociais.
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, chamou de "repugnante" a suposta tentativa de Bolsonaro de cometer ilegalidade.
"Não sei para quem era a joia. A apuração vai saber para quem é. Mas, independentemente disso, é absolutamente repugnante qualquer atitude de um chefe de estado de qualquer setor público utilizar do seu poder pra cometer um ato de ilegalidade como esse. Certamente vamos descobrir outras ilegalidades pelo ex-presidente que fugiu do país", disse Padilha no Rio de Janeiro neste sábado, após conferência de governadores sobre o pacto federativo, segundo o jornal "O Globo".
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