Ofensiva contra o marco temporal de terras indígenas no STF tem atuação de órgãos do governo Lula.| Foto: André Borges/Agência EFE
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Organizações indígenas e órgãos do governo federal têm atuado para garantir que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue a inconstitucionalidade da lei do marco temporal para demarcação de terras indígenas. O tema tem sido motivo de desgaste entre a bancada do agronegócio e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

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Depois de 16 anos de discussão no Congresso Nacional, a proposta foi aprovada, acabou vetada pelo Palácio do Planalto, teve os vetos derrubados pelo Legislativo, e a lei, enfim, acabou promulgada no início deste ano.

Mas, após a promulgação da Lei 14.701/2023, uma série de ações foram protocoladas no STF, tanto para garantir que a lei do marco temporal seja aplicada, quanto para derrubar os seus efeitos dela. Enquanto o PL, o PP e o Republicanos buscam assegurar a constitucionalidade da lei, entidades indígenas, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e partidos de esquerda querem que o STF derrube a lei do marco temporal aprovada e promulgada pelo Congresso.

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Engrossando o coro pela derrubada do marco temporal, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentaram documentos nos processos relacionados que já tramitam no STF. A Funai quer proibir que produtores rurais usem a lei do marco temporal a seu favor, suspendendo todos os processos que busquem a aplicação da lei. A AGU, por sua vez, apresentou ao STF um pedido de esclarecimentos e uma manifestação pela inexistência do marco temporal.

Órgãos do governo somam esforços contra lei do marco temporal 

As ações da Funai e da AGU se somam às de entidades indigenistas e partidos que querem que a inconstitucionalidade do marco temporal seja atestada pelo STF. Embora tratem do mesmo tema central, as iniciativas do governo contra o marco temporal foram protocoladas em processo distinto das ações de partidos e entidades.

Funai e AGU protocolaram documentos junto ao processo do Recurso Extraordinário (RE) 1017365/SC, que culminou no julgamento do STF que derrubou a tese do marco temporal, em setembro de 2023.

A petição da Funai, se baseia, em especial, no fato de o acórdão sobre o julgamento do marco temporal, encerrado em setembro de 2023 no STF, ainda não ter sido publicado. Na petição, a Funai pediu a suspensão dos processos para novas demarcações, já que, o andamento dessas ações poderia resultar no atendimento a pedidos de proprietários de terra que usem a lei do marco temporal a seu favor.

A AGU, por sua vez, além de pedir esclarecimentos sobre o mesmo julgamento do STF, se posicionou pela inexistência do marco temporal, ou seja, pela inconstitucionalidade de artigos da lei que abordam a definição do que seriam terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas.

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ONGs indigenistas e ambientalistas se unem para ampliar pressão no STF

Em outra frente, a das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), associações indígenas ampliam a pressão. Para reforçar a cobrança pelas ações, no fim de janeiro, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) cobrou rapidez no julgamento da ADI 7582, que foi apresentada pela entidade em conjunto com o Psol e a Rede Sustentabilidade.

Por meio dessa ADI, os partidos e a Apib pretendem tornar inconstitucionais uma série de artigos da lei do marco temporal, além de transformar em cláusulas pétreas os artigos da Constituição Federal que tratam das terras indígenas. Se os artigos 231 e 232 forem considerados cláusulas pétreas, não poderão mais ser alterados nem mesmo por Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Hoje, somente a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais não podem ser alterados.

O Greenpeace Brasil junto com o Observatório do Clima, a WWF-Brasil, o Instituto Internacional Arayara, o Instituto Alana e a Alternativa Terrazul enviaram um documento ao ministro Gilmar Mendes em que pedem para serem admitidos como amicus curiae ("amigos da Corte") na ação da Apib contra o marco temporal. Além dessas ONGs ambientalistas, outras indigenistas, como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), também pretendem ser amicus curiae da ação movida pela Apib. A ideia delas é poder ingressar no processo com a função de fornecer subsídios ao órgão julgador.

No Senado, parlamentares debatem insegurança jurídica 

Em 13 de março, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado debateu os procedimentos adotados pelo governo federal após a promulgação da lei do marco temporal. Motivada por um requerimento do senador Sergio Moro (União-PR), a audiência teve como objetivo expor os problemas enfrentados na aplicação da lei, o que tem gerado insegurança jurídica no campo.

Na oportunidade, o chefe da Procuradoria da Funai, Mateus Antunes de Oliveira, afirmou que órgão tem seguido toda a legislação, inclusive a lei que trata do marco temporal. Ele ressaltou que o Supremo já decidiu pela inconstitucionalidade da tese do marco temporal, mas ainda vai decidir sobre as ações de questionamentos acerca da validade de trechos da lei.

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Na mesma linha, o diretor de Promoção de Acesso do Ministério da Justiça, Pedro Henrique Martinez, afirmou que a Constituição traz um mandamento de garantia de terras para os povos originários. Ele disse ainda que o Ministério da Justiça tem procurado atuar para mitigar os conflitos relacionados à demarcação de terras.

Para o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), a militância política tem atrapalhado sobremaneira o trabalho pelo marco temporal e na busca de se respeitar o direito de propriedade. “Existe uma vontade por parte de militantes de transformar tudo em terra indígena e isso tem desgastado todo o processo. Uma briga política escancarada com interesses que não deveriam ser, nem de longe, os utilizados em qualquer assunto”, afirmou.

O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), também participou da audiência no Senado e afirmou que não há o que se discutir acerca da constitucionalidade da lei. Segundo ele, os parlamentares não devem se pautar por legislar como o STF gosta. “Não estou aqui para fazer leis para o Poder Judiciário. Aprovamos o marco temporal e colocamos em lei o que eles mesmos decidiram anos atrás com a Raposa Serra do Sol. Nós não estamos inventando nada”, disse Lupion.

PEC do marco temporal segue parada 

Apesar da afirmação do presidente da FPA, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que também trata do marco temporal segue parada no Senado desde outubro, quando foi designada a relatoria do senador Esperidião Amin (PP-SC).

Apresentada por membros da bancada do agro, em meio às votações da lei do marco temporal e do julgamento do tema no STF, a PEC 48/2023 inclui expressamente o dia 5 de outubro de 1988 no trecho que trata das demarcações de terras indígenas na Constituição.

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Para Amin, relator da proposta, o ideal é aguardar a decisão do STF, antes de novas votações no Congresso. “Pessoalmente, eu acho mais prudente nós aguardarmos a movimentação em torno das Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra a lei [do marco temporal]. Esta é a minha posição neste momento. Mas eu estou trabalhando no relatório”, disse o senador.

No entanto, se o STF acatar o pedido de transformação dos artigos da Constituição sobre a demarcação de terras indígenas em cláusulas pétreas na Ação Direta de Inconstitucionalidade da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o andamento da PEC 48/2023 pode ser prejudicado. Os dispositivos constitucionais que são cláusulas pétreas não podem ser alterado nem mesmo por Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]