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Apesar da diminuição dos atendimentos nos últimos cinco anos, Operação Carro Pipa tem mais recursos para 2024.
Apesar da diminuição dos atendimentos nos últimos cinco anos, Operação Carro Pipa tem mais recursos para 2024.| Foto: Divulgação/Centro de Comunicação Social do Exército

Após falhar em tomar medidas preventivas de combate às enchentes no Rio Grande do Sul, o governo federal se organiza para tentar evitar outra calamidade em potencial: a seca no Nordeste. O Exército deu um alerta para a possibilidade da elevação do número de municípios que podem sofrer com a seca neste ano e o Ministério do Desenvolvimento Regional destinou R$ 707,1 milhões do Orçamento de 2024 para a Operação Carro-Pipa, que leva água potável para cidades atingidas pela falta de água.

O valor representa um aumento de 28%, em comparação com o ano passado, quando foram utilizados R$ 549 milhões na operação. A preocupação se justifica pela ocorrência do fenômeno climático "El Niño", que potencializa os efeitos de seca e estiagem extremas. Nos últimos três anos, a média anual de recursos destinados à operação foi de pouco mais de R$ 569 milhões.

A Operação Carro-Pipa começou em 1998 com uma parceria entre a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e o Exército para distribuir água potável às populações atingidas por estiagem e seca na região do semiárido nordestino e na região norte dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Hoje os recursos saem do Ministério do Desenvolvimento Regional e a inteligência e a logística da operação são atribuições do Exército.

O Comando de Operações Terrestres do Exército coordena o levantamento das cidades que vão precisar de abastecimento. Nos últimos cinco anos a estiagem vinha sendo cada vez mais amena. Em 2019, quando foram destinados R$ 629,2 milhões para a operação, 579 municípios do semiárido foram atendidos. Já em 2023, os carros-pipa atenderam 366 municípios a um custo de R$ 569 milhões.

Mas o Exército identificou a possibilidade da demanda voltar a crescer em 2024 e se preparou para aumentar a disponibilidade de caminhões-pipa. Os militares identificam as cidades que podem ficar sem água, contratam motoristas "pipeiros" e traçam planos de logística para entrega periódica da água.

O governo federal, por sua vez, ampliou a delimitação do semiárido brasileiro: desde janeiro deste ano, a região passou a ser composta por 1.477 municípios. A decisão foi publicada pelo Conselho Deliberativo (Condel) da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), por meio da Resolução 176, do dia 3 de janeiro. A ampliação do semiárido tem relação com a Operação Carro-Pipa, já que o principal pré-requisito para a sua implementação nos municípios é estar localizado na região.

Os serviços meteorológicos não são conclusivos sobre a severidade da seca no semiárido neste ano, mas a perspectiva é que o fenômeno climático "El Niño" faça com que mais cidades precisem de socorro.

Segundo analistas políticos, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teme que uma eventual seca no semiárido brasileiro possa gerar impactos negativos para o Partido dos Trabalhadores em seus redutos eleitorais no nordeste no pleito municipal deste ano.

Na avaliação do cientista político, Juan Carlos Gonçalves, o tema “toca em uma necessidade básica e urgente das comunidades” e a destinação de recursos demonstra “preocupação e ação efetiva por parte do governo”.

“Em um contexto onde temas como segurança hídrica e desenvolvimento regional são cruciais, o êxito em lidar com essas questões pode ser um ponto central na agenda política e eleitoral, desviando a atenção de outros temas menos urgentes ou menos diretamente relacionados ao cotidiano das pessoas afetadas pela seca”, afirmou Gonçalves.

Ano20192020202120222023
Municípios atendidos579555581432366
Entregas de água realizadas102.48289.44678.53267.47465.665
Volume de água entregue (m³)1.063.732,05929.867,48820.145,19 723.795,66 707.389,24
Distância percorrida (km)7.177.645,806.270.078,635.456.820,634.953.651,624.897.498,64
Número de carros-pipa4.3394.1103.5773.1782.961
População beneficiada1.972.1231.865.9711.662.3641.453.0021.366.954

Seca no Nordeste pode reiterar pedido pela aprovação das PECs para emergências climáticas

A possibilidade de seca pode dar força ainda para duas propostas de emenda constitucional que viraram prioridade para o Congresso após o agravamento dos estragos das enchentes no Rio Grande do Sul.

Uma delas é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 44/2023, apresentada pelo deputado Bibo Nunes (PL-RS) no ano passado, que destina 5% das emendas parlamentares individuais para ajudar estados atingidos por desastres naturais.

Uma comissão especial será instalada nesta semana para discutir a PEC, sugerida devido aos impactos devastadores das chuvas em setembro passado, e serão feitos esforços para acelerar os debates e levá-la ao plenário.

A outra PEC dedicada ao tema começará a tramitar no Senado. A proposta do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) propõe a criação de um regime extraordinário para lidar com calamidades públicas ambientais regionais ou locais, semelhantes à enfrentada pelo Rio Grande do Sul, visando agilizar as ações do poder público.

Eventual desgaste do governo no Nordeste pode influenciar eleições 

Após pelo menos três pesquisas indicarem a queda de popularidade de Lula no Nordeste, o presidente tem investido em ações na região. Considerado um reduto histórico do PT, a região registrou queda de até 10 pontos na satisfação dos nordestinos com o presidente, que busca, de várias formas, reconquistar seus simpatizantes.

Em abril, Lula inaugurou mais uma etapa da obra de transposição do Rio São Francisco – em 2022, o petista viu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inaugurar as primeiras obras de conclusão da transposição. Em evento na cidade de Arcoverde, no sertão do seu estado natal, o presidente comemorou uma nova estação, que é parte da chamada Adutora do Agreste. De acordo com o governo, por meio desta obra, será possível levar água a 68 municípios de uma das regiões mais secas do país.

Além de buscar reconquistar a simpatia dos nordestinos, Lula tem no horizonte as eleições municipais de 2024. De acordo com o cientista político, Juan Carlos Gonçalves, o tema da seca tem o potencial de gerar impacto eleitoral, influenciando o número de prefeituras que o PT conseguirá eleger no Nordeste.

“Investimentos visíveis e resultados tangíveis em questões críticas como abastecimento de água tendem a gerar apoio e reconhecimento por parte da população, o que pode se traduzir em votos favoráveis ao partido, ou aliados, responsáveis por essas iniciativas”, afirmou Gonçalves.

Seca severa no Nordeste ainda é incerteza 

Ao justificar a ampliação dos valores destinados à Operação Carro-Pipa, o governo mencionou a ocorrência do El Nino como fator determinante. Embora as previsões apontassem para um período de secas severas, as chuvas, em especial no Nordeste, foram boas no verão. A avaliação é do agrometeorologista da Rural Clima, Marco Antônio dos Santos. “O El Nino foi diferente do previsto [no semiárido]. Tivemos chuvas boas no verão. Ainda que o fenômeno possa ser considerado de forte intensidade, está perdendo a força”, destacou Santos.

Se a seca não for tão severa quanto o esperado, o governo pode optar por não usar toda a verba de R$ 707,1 milhões disponibilizada. Foi o que ocorreu em 2023. O orçamento inicialmente previsto de R$ 627 milhões foi reduzido para R$ 549 milhões.

"Essa diferença de valores entre o estimado no início de 2023 e o efetivamente solicitado pelo Exército ao longo do ano se de deve, principalmente, à temporada de chuvas abundantes no semiárido, em especial no final do ano", explicou, em nota, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. O Ministério explicou ainda que a diferença, de cerca de R$ 78 milhões entre o orçado e o executado, foi utilizada em outras ações de proteção e defesa civil no país.

Governo ampliou delimitação do semiárido e área de atuação da Operação Carro-Pipa 

Apesar da gradativa diminuição no número de municípios beneficiados pela Operação, registrada nos últimos cinco anos, o governo Lula ampliou a delimitação do semiárido brasileiro. Desde janeiro deste ano, a região passou a ser composta por 1.477 municípios. A decisão foi publicada pelo Conselho Deliberativo (Condel) da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), por meio da Resolução 176, do dia 3 de janeiro. Como mencionado anteriormente, o principal pré-requisito para a implementação da Operação Carro-Pipa é que o município esteja localizado no semiárido.

A decisão de ampliar a delimitação da região, tomada em janeiro, já considerava a possibilidade de uma seca severa. Também havia cidades que poderiam ser excluídas da lista desde 2021, mas as previsões envolvendo os impactos do atual evento de El Nino fizeram com que a decisão sobre a exclusão fosse adiada.

Sendo assim, de acordo com a resolução publicada pelo Conselho Deliberativo (Condel) da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), 50 municípios passíveis de exclusão da lista, por não atender critérios técnicos-científicos como média de precipitação anual abaixo de 800 mm e risco de seca maior que 60%, permanecerão, até 3 de janeiro de 2025, na lista dos municípios que compõem o semiárido.

Além de estar na região do semiárido, o município precisa estar em situação de emergência ou estado de calamidade pública reconhecido pelo governo federal e após solicitar a inclusão na Operação.

Também em janeiro, a Secretária Nacional de Proteção e Defesa Civil do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional estabeleceu aos municípios do semiárido, atingidos por desastres de seca ou estiagem, a possibilidade de solicitar recursos para atendimento de água potável em suas áreas urbanas.

A decisão do governo antecipou o previsto em um projeto de lei, aprovado em regime de urgência na Câmara dos Deputados, no dia 27 de março. A proposta inicialmente estendia apenas a Operação Carro-Pipa para áreas urbanas do Semiárido, mas com as mudanças propostas durante a votação em plenário, passou a possibilitar também o abastecimento de água em escolas públicas no semiárido e prever linhas de crédito para recompor pequenas produções rurais afetadas pela seca. O projeto ainda precisa passar pela aprovação do Senado.

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