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Governo estuda fazer reestruturação no seguro-desemprego para garantir saúde das contas públicas
Governo estuda fazer reestruturação no seguro-desemprego para reduzir gastos.| Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Na jornada para buscar o equilíbrio das contas públicas, o governo tem aventado algumas estratégias, dentre as quais figuram possíveis ajustes no seguro-desemprego. As medidas em estudo envolveriam novas formas de financiamento do benefício, hoje custeado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), bem como a desvinculação do salário mínimo.

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, apesar de reconhecerem a importância do benefício, não descartam que sejam realizadas modificações para contribuir com uma readequação estrutural dos gastos públicos e, assim, abrandar o déficit das contas federais no médio e longo prazo.

A advogada especializada em Direito Trabalhista Márcia Cleide Márcia Ribeiro afirma que revisar o seguro-desemprego e outros benefícios é uma necessidade do governo. “Frente às discussões de ajuste fiscal, a abordagem analítica do seguro-desemprego é um tema importante, sobretudo visando o equilíbrio das contas públicas e mediação de diferentes necessidades”, afirmou.

Paulo Kramer, professor aposentado de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), afirma esse é um caminho correto, em alinhamento com políticas adotadas em mandatos anteriores do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

No entanto, ele avalia que essa linha de atuação carece de força diante do que chama de “gororoba heterodoxa” do PT, que aposta na ampliação de gastos do governo, entre outros eixos, para supostamente impulsionar o desenvolvimento do país.

Dentre as medidas analisadas, a primeira delas pode ser um pente-fino nos cadastros, para evitar ou reduzir fraudes, como parcelas excedentes de seguro-desemprego e pedidos recorrentes do benefício por trabalhadores de determinada empresa.

Também é vislumbrada a variação do número de parcelas do benefício, de forma que as parcelas variassem de acordo com o tamanho da multa indenizatória de 40% sobre o saldo do FGTS, paga a quem é demitido sem justa causa.

Outra possibilidade é aumentar a cobrança de PIS/Cofins dos setores com maior rotatividade na economia e que, portanto, demandam mais recursos do seguro-desemprego. Parte desses tributos é dirigida para o FAT que, por sua vez, financia o benefício.

O tema é caro para o governo porque envolve, de um lado, a busca pelo equilíbrio fiscal e, de outro, as políticas sociais, uma das bases do discurso petista e, principalmente, do presidente Lula ao eleitorado de baixa renda.

Apesar de as possíveis mudanças terem vazado para a imprensa, o governo tem evitado tratar oficialmente do tema com maior profundidade. Questionados pela Gazeta do Povo, os Ministérios da Fazenda e do Trabalho afirmaram que não comentariam a questão.

O Ministério do Planejamento, por sua vez, informou que "as análises diagnósticas do gasto público estão sendo realizadas com o objetivo de se reduzirem ineficiências e desigualdades. As discussões que ocorrem no âmbito da equipe econômica estão em fase preliminar".

No fim de setembro, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) emitiu nota desmentindo que o seguro-desemprego será extinto. Não comentou, no entanto, sobre possíveis mudanças nas regras. As reportagens de grandes veículos sobre o assunto não falavam em fim do benefícios, e sim em ajustes.

Tensão entre responsabilidade fiscal e visão econômica “heterodoxa” do PT

Paulo Kramer afirma que desde as primeiras gestões de Lula havia essa tensão entre uma política econômica mais ortodoxa e a “gororoba heterodoxa” que o PT pregou em toda a sua existência: “Pé no acelerador do gasto público, intervencionismo estatal turbinado, e muita grana dos bancos oficiais para financiar empresas rotuladas de  'campeãs nacionais', resume Kramer.

Naquele momento, a inclusão de certas figuras de perfil liberal na Fazenda, junto ao então ministro Antônio Palocci, foram a garantia ao mercado de que a fórmula seguida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e seu ministro da Fazenda, Pedro Malan, seria seguida – o tripé macroeconômico formado por metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal.

Kramer avalia que os atuais ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, têm buscado fazer ajustes estruturais necessários para garantir a saúde das contas públicas. No entanto, sua influência não pode ser comparada à de Palocci, quando à frente da economia.

Ou seja, após o período de transição do governo de Michel Temer (MDB) e de austeridade fiscal de Paulo Guedes, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a política econômica atual teria retrocedido para patamares da gestão de Dilma Rousseff, cujo impeachment ocorreu em razão das fraudes contábeis, as conhecidas “pedaladas fiscais”.

“Lula proclama que 'gasto é vida', o governo desperdiça dinheiro público como se não houvesse amanhã, o arcabouço fiscal já foi descaracterizado por tantas exceções que o mercado deixou de acreditar nele há muito tempo, e o endividamento público vai, dentro de muito pouco tempo, ultrapassar a linha perigosa de 80% do PIB”, afirma Kramer.

Nesse sentido, o cientista político avalia que a pauta de reduções estruturais nos gastos, que tem sido proposta por Haddad e Tebet, é correta, mas que enfrenta uma correlação de forças políticas adversas diante da corrente petista que advoga que “gasto é vida”.

Gastos com seguro desemprego mais que dobraram ao longo dos últimos 15 anos

No ano passado, os gastos com o seguro desemprego chegaram a R$ 47,8 bilhões, uma alta de 18% em relação aos R$ 40,7 bilhões pagos em 2022. O aumento só não foi maior que o registrado em 2014, na gestão Dilma, quando subiu 21% em relação a 2013, passando de R$ 30,7 bilhões para R$ 37,1 bilhões de um ano para o outro.

Entre 2009, início da atual série histórica do Tesouro, o seguro-desemprego consumiu R$ 19,6 bilhões (em valores correntes). Ou seja, em 15 anos, o aumento foi de 144%. Em comparação ao tamanho da economia brasileira, porém, o montante destinado ao pagamento do benefício diminuiu: equivalia a 0,6% do PIB em 2009 e desde 2021 está em 0,4% do PIB.

Para este ano, estão previstos R$ 50,5 bilhões para o seguro-desemprego e, para 2025, R$ 56,8 bilhões, conforme divulgado no "Raio X do Orçamento" produzido por técnicos da Câmara dos Deputados. Ou seja, a perspectiva é de crescimento de 5,4% em 2024, na comparação com 2023, e de 12,5% no próximo ano, em relação ao atual.

Como o benefício é vinculado ao valor do salário mínimo, a retomada da política de aumento real do piso salarial, determinada por Lula assim que assumiu o cargo, tem forte impacto sobre os desembolsos do seguro-desemprego.

Queda no desemprego não significa gastos menores com o benefício

Um ponto a ser considerado é que o aquecimento do mercado de trabalho não necessariamente reduz o volume de pedidos do seguro-desemprego.

No trimestre encerrado em agosto deste ano, a taxa de desemprego caiu para 6,6%, abaixo dos 7,9% do mesmo período de 2023 e também a menor taxa para essa época do ano desde o início da série histórica da pesquisa Pnad Contínua, do IBGE, em 2012.

De acordo com a diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto, uma taxa de desemprego baixa não necessariamente se reflete na redução dos gastos com o benefício.

“Se houver um quantitativo grande de demissões e admissões, esse gasto pode aumentar. Os dados do Orçamento mostram uma tendência de aumento na quantidade de beneficiários”, afirma a economista.

Pela regra atual, para ter acesso ao benefício o trabalhador precisa ter trabalhado com carteira assinada por, no mínimo, 12 meses nos 18 meses anteriores à data da demissão. Essa é a regra para a solicitação da primeira entrada no seguro-desemprego.

Posteriormente, o prazo é reduzido para nove meses trabalhados para que o pedido seja feito uma segunda vez, e seis meses nas ocasiões subsequentes. A quantidade de parcelas que podem ser recebidas também varia, entre três e cinco meses, em razão da quantidade de meses trabalhados.

O benefício é reajustado com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), medido pelo IBGE, e não pode ser inferior a um salário mínimo.

De acordo com Vilma, cada real de acréscimo no salário mínimo corresponde a R$ 12,4 milhões de acréscimo nos gastos do governo com o seguro-desemprego. E cada 0,1 ponto percentual de aumento no INPC aumenta os gastos com o benefício em R$ 47,3 milhões.

Por essa razão, uma das propostas em estudo no governo é desvincular o seguro-desemprego do salário mínimo, mas mantendo, pelo menos, o repasse correspondente à inflação do período.

Governo também analisa mudanças no abono salarial e no Simples Nacional

Medidas como as mudanças no seguro-desemprego fazem parte do cardápio de opções do governo para reduzir o déficit primário e bater as metas previstas no arcabouço fiscal. Esse rol também inclui receitas extraordinárias e o desconto de determinadas despesas do cálculo.

Os gastos de combate às queimadas e de enfrentamento à tragédia do Rio Grande do Sul, por exemplo, ficam de fora do resultado primário. E, para engordar receitas, o governo conta como a incorporação do chamado "dinheiro esquecido" em contas bancárias, a retomada de precatórios não sacados e a apropriação de depósitos judiciais.

Os ajustes levaram o governo a descontingenciar, em setembro, um total de R$ 1,3 bilhão que havia sido congelado em agosto.

No longo prazo, além de ajustes no seguro-desemprego, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, anunciou possíveis mudanças no benefício do abono salarial. Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que, apesar de impopular, a medida pode ser importante.

A sugestão de restringir o abono salarial não é nova. Observadores das contas públicas defendem há anos algum tipo de limitação. Para se ter uma ideia, a restrição do benefício a trabalhadores que recebem um salário mínimo – em vez de dois, como é hoje – pode abrir espaço fiscal extra de R$ 256 bilhões em uma década. Os dados são de um estudo divulgado no ano passado por Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da gestora Ryo Asset e ex-diretor da IFI.

Outra proposta igualmente impopular é alterar o Simples Nacional. Além de fazer um pente-fino para aparar impropriedades, como empresas que abrem diferentes CNPJs para diluir o faturamento e permanecer no Simples, há também estudos sobre redução no teto de enquadramento no regime tributário, hoje limitado a empresas que faturem até R$ 4,8 milhões por ano.

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