Na era dos smartphones, o governo federal quer acelerar a transformação digital dos serviços ao cidadão. E não é só para não ficar de fora da onda tecnológica: a oferta de serviços por meio eletrônico também gera economia para os cofres públicos, além de tornar a máquina mais eficiente no atendimento ao cidadão.
De acordo com o secretário de Governo Digital, Luis Felipe Monteiro, o serviço online é 97% mais barato para o governo do que o físico. A economia compensa, inclusive, o investimento no desenvolvimento das plataformas. "Para cada real investido nisso, o governo economiza outros 17", diz.
A poupança por meio da prestação de serviços digitais pode ajudar o governo federal em seu desafio de enxugar os gastos com o funcionalismo. Em entrevista ao Valor Econômico, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já sinalizou que a intenção do governo é não repor servidores que se aposentarem e cujo trabalho pode ser substituído pela via tecnológica.
E não é à toa: ao fim de 2018, ao menos 108 mil servidores já haviam cumprido os requisitos para se aposentar – e, de janeiro a setembro deste ano, pouco mais de 28 mil deixaram o serviço ativo. Para fechar as contas, o governo terá de equilibrar os gastos com os benefícios e a remuneração dos novos funcionários.
"Vamos redesenhar a estrutura do governo central, que está hipertrofiado, com excesso de funcionários, com salário médio e aposentadorias muito acima do nosso mercado de trabalho", afirmou o ministro na ocasião.
Em que pé está a digitalização dos serviços
De acordo com o secretário de Governo Digital, a transformação digital do governo federal é uma das prioridades da gestão de Jair Bolsonaro. No início do mês, o governo alcançou a meta prevista para o primeiro ano de mandato, atingindo a marca de 400 serviços públicos transformados digitalmente em 2019. O marco foi comemorado pelo secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, em sua conta no Twitter. A secretaria é vinculada ao Ministério da Economia.
Ainda falta, no entanto, um caminho longo a ser trilhado. Até dezembro de 2020, o governo quer atingir o marco de mil serviços digitalizados. E, até o fim do mandato, a ideia é que todo o governo já seja digital, com essa transformação alcançando os mais de 3 mil serviços oferecidos ao cidadão.
Os serviços digitalizados podem ser acessados no portal gov.br, que reúne todos os aplicativos já disponibilizados pelo Executivo federal. No portal, o governo também organiza um ranking que apresenta o grau de digitalização de serviços dos órgãos federais.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), por exemplo, já têm 100% de digitalização. Outros órgãos estão perto de atingir a total digitalização, como o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), que tem 84% dos serviços digitalizados.
Ainda existem, no entanto, estruturas governamentais que não têm nenhum recurso do tipo, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).
"O principal desafio do governo para se tornar digital, por incrível que pareça, não é tecnológico, mas sim de cooperação. Ser digital pressupõe ser integrado. Colocar todos os órgãos em uma mesma base é uma tarefa complexa", explica o secretário Luis Felipe Monteiro.
Exclusão digital ainda é barreira
E não são somente os desafios internos que precisam ser enfrentados na transformação digital. A forma como a sociedade interage com as plataformas e o próprio acesso a elas também precisam da atenção do poder público, para que as políticas de governo digital sejam, de fato, efetivas.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Comitê Gestor de Internet no Brasil (Cetic) em 2018, 33% dos domicílios brasileiros não têm acesso à internet. Destes, 61% apontam o custo como o motivo para não ter o serviço.
O desafio, contudo, vai mais além. "O problema da exclusão digital não se restringe ao acesso em si. A falta de conhecimento sobre como utilizar a tecnologia (o chamado analfabetismo digital) também assola parte dessas pessoas, e põe em risco o sucesso de iniciativas de governo eletrônico", explica Paloma Santos, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
São justamente os indicadores relacionados ao alcance da banda larga e ao acesso à educação por parte dos usuários que acabam deixando o Brasil atrás de outros países no que diz respeito ao governo digital.
De acordo com uma avaliação da Organização das Nações Unidas (ONU), que considera somente as esferas nacionais de governo, o Brasil tem nível de governo eletrônico considerado alto. O país, porém, fica em 44º lugar no quesito considerando todos os países do mundo, e em sexto entre os países das Américas – atrás de Estados Unidos, Canadá, Uruguai, Chile e Argentina.
De acordo com o secretário de Governo Digital, o Executivo federal tem essas preocupações em mente, e mantém os canais presenciais para atender, justamente, aqueles cidadãos que não têm acesso à internet. "Não estamos substituindo uma coisa pela outra, mas complementando o serviço por meio do canal digital. Com isso, as agências presenciais ficam com menos filas e atendimento mais rápido. A transformação digital é boa para todos", afirma Monteiro.
Privacidade dos cidadãos está no radar
Tão complexa quanto o acesso, outra questão que precisa ser enfrentada pelo poder público na digitalização dos serviços diz respeito à privacidade dos cidadãos. "Na medida em que todo o contato com a administração pública ocorre pela via digital, a tecnologia pode acabar sendo utilizada como uma forma de controlar a vida das pessoas, de invadir a privacidade dos cidadãos", pondera Fernando Mânica, doutor em Direito e professor da Universidade Positivo.
O uso não autorizado de dados já foi disciplinado pela Lei Geral de Proteção de Dados. A nova norma, porém, entra em vigor somente em agosto do ano que vem – o que gera preocupação quanto à privatização de estatais de Tecnologia da Informação (TI) do governo federal. O Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev), por exemplo, devem ser vendidas pelo Executivo federal.
Desigualdade entre os entes da federação
Se no âmbito federal a oferta de ferramentas de governo eletrônico parece avançando de forma satisfatória, nas demais esferas de governo o cenário é distinto. Segundo dados levantados por outra pesquisa do Cetic, a TIC Governo Eletrônico, 77% das prefeituras brasileiras não têm ferramentas para que o cidadão realize, por exemplo, o agendamento de consultas, atendimentos e serviços pela internet. O pagamento de taxas e impostos, por sua vez, não está disponível online em 76% das prefeituras. Os dados são de 2017.
"A presença dos órgãos públicos na internet é muito alta em todas as esferas. A diferença está no que é feito com a tecnologia. Prover serviços públicos é um desafio e, no geral, o âmbito federal costuma ter mais iniciativas. Estados e municípios têm mais espaço para ampliação", analisa Manuella Ribeiro, coordenadora da pesquisa no Cetic.
É nesse contexto que a União pode, além de desenvolver suas próprias ferramentas de governo digital, fomentar a implementação dessas iniciativas também nas outras esferas. Ribeiro dá alguns exemplos, como o compartilhamento de softwares e até mesmo a disponibilização de recursos para estados e municípios.
"Os desafios são imensos. Não adianta ter iniciativas se a sociedade não consegue utilizá-las. É preciso promover o acesso e a inclusão digital", diz a pesquisadora do Cetic.
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