Ouça este conteúdo
A destruição de bens apreendidos em infrações ambientais aumentou em 153%, no período de janeiro a novembro de 2023. A informação foi publicada no balanço de ações de 2023 do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA). A conduta de destruir balsas de garimpo, máquinas pesadas usadas em desmatamento, prevista em lei, foi menos utilizada durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas foi retomada na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A previsão na legislação (Lei 9605/1998) e a regulamentação feita por meio de decreto (Decreto nº 6.514/2008) permitem a destruição ou inutilização de produtos, subprodutos ou instrumentos utilizados na prática de infrações ambientais, quando verificadas em ações de fiscalização realizadas por órgãos ambientais, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama).
De acordo com a advogada especialista em Direito Agroambiental Rebeca Youssef, a lei ambiental prevê de modo excepcional que os equipamentos apreendidos em fiscalização sejam destruídos. “Mas tem sido aplicada de modo banal, para todos os casos. E para gerar uma comoção social também”, enfatizou a advogada.
Críticos do procedimento dizem que esses materiais poderiam ser apreendidos e leiloados ou destinados a outras funções. Em resposta ao crescente número de ações de destruição, deputados de estados como Mato Grosso, Amazonas e Roraima protocolaram projetos de lei para proibir, ou ao menos evitar, a destruição de máquinas e equipamentos. No caso de Roraima, no entanto, a lei foi questionada e o Supremo Tribunal Federal (STF) a derrubou cerca de seis meses após a sanção.
Estados que mais registraram destruição ou inutilização de bens em 2023
As ações de destruição ocorrem quando os órgãos ambientais fazem fiscalizações e são verificadas infrações ambientais com a utilização desses equipamentos e instrumentos. É o caso dos garimpos ilegais e da extração de madeira ilegal. A maioria dos casos registrados pelo governo federal em 2023 ocorreu nos estados do Mato Grosso, Amazonas, Roraima e Pará.
A Gazeta do Povo buscou contato com o Ibama para obter os dados sobre todas as ações de inutilizações e destruições ocorridas em 2023. No entanto, não obteve retorno até o fechamento da reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.
Em nota do Ibama à imprensa em novembro, o diretor de Proteção Ambiental do órgão, Jair Schmitt, destacou os números relacionados às ações para combater o garimpo ilegal na Amazônia, especialmente em terras indígenas. "O Ibama tem realizado operações para desativar mineração clandestina em terras indígenas como a Yanomami, Sararé, Munduruku, Vale de Javari, no rio Madeira e em Unidades de Conservação. Cerca de 600 balsas, 150 escavadeiras, 31 aviões e centenas de outros equipamentos empregados no crime ambiental já foram inutilizados", disse Schmitt.
Em agosto, o Ibama destacou que durante a Operação Xapiri-Tapajós, na região do Tapajós, no Pará, seus agentes já haviam inutilizado 49 escavadeiras hidráulicas, 66 dragas, 55 motores estacionários e seis tratores, em um total de 176 equipamentos. As ações nessa operação, de acordo com o órgão, tiveram foco em unidades de conservação federais e terras indígenas, dentre elas a Munduruku.
Já em balanço divulgado em 22 de dezembro de 2023, o Ibama informou que em quatro fases da Operação Ferro e Fogo, na Terra Indígena Sararé, no oeste do estado de Mato Grosso (MT), houve a inutilização de 108 escavadeiras hidráulicas, duas caminhonetes, 31 motores estacionários (dragas), uma moto, uma balsa, dois quadriciclos e três geradores de energia.
Governo Bolsonaro não preconizava a destruição de bens
Durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, a destruição ou inutilização de equipamentos não foi preconizada. Em abril de 2019, no primeiro ano do mandato, Bolsonaro declarou: “Não é para queimar nada, maquinário, trator, seja o que for. Não é esse o procedimento, não é essa a orientação”. À época, seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (PL-SP), hoje deputado federal, afirmou que os fiscais haviam adotado a destruição de maquinário como regra, quando deveria ser exceção. Segundo o Ibama, porém, a medida só era adotada em cerca de 2% dos flagrantes de crimes ambientais no país.
A destruição de máquinas é considerada por servidores do Ibama uma medida eficaz para conter o avanço de garimpo e desmatamento em áreas protegidas. Com ela, autoridades interrompem o dano ambiental e ao mesmo tempo causam prejuízo financeiro imediato aos infratores.
A atuação do Ibama se baseia no Decreto 6.514, de 2008, que regulamentou a Lei de Crimes Ambientais, de 1998. O decreto estabelece, em seu artigo 111, que “os produtos, inclusive madeiras, subprodutos e instrumentos utilizados na prática da infração poderão ser destruídos ou inutilizados” em duas circunstâncias: quando a medida for necessária “para evitar o seu uso e aproveitamento indevidos nas situações em que o transporte e a guarda forem inviáveis em face das circunstâncias” e quando as máquinas possam “expor o meio ambiente a riscos significativos ou comprometer a segurança da população e dos agentes públicos envolvidos na fiscalização.
Custo da remoção é fator para inutilização dos bens apreendidos, diz Ibama
De acordo com o Ibama, o procedimento de destruição de maquinário como motosserras, tratores e veículos tem como objetivo tornar o preço do delito ambiental oneroso para o infrator. No caso do garimpo ilegal em terras indígenas, as balsas e aeronaves passaram a ser abandonadas por seus donos, já que preferem fugir antes da fiscalização chegar até eles. Em apenas uma operação neste ano, o prejuízo causado aos infratores alcançou a ordem de R$ 95 milhões.
A inutilização do maquinário usado pelo garimpo ilegal, por exemplo, também ocorre quando os agentes públicos não têm condição de retirá-lo da floresta e apreendê-lo em galpões, dadas as dificuldades impostas pelo ambiente. Outro fator é o custo gerado por essas apreensões. A avaliação do custo para a guarda dos bens apreendidos pode variar consideravelmente, dependendo de vários fatores, como a natureza dos bens, sua quantidade e condição. A necessidade de instalações adequadas, segurança, manutenção e pessoal para gerenciar esses bens também influencia no custo.
A dificuldade de remoção dos equipamentos é somada, em alguns casos, à dificuldade de dar destinação a eles, já que alguns servem apenas a atividades específicas, como é o caso das balsas utilizadas na mineração.
Esse ponto, no entanto, é questionado no caso de destruição de equipamentos que poderiam servir a outras finalidades. No Amazonas, por exemplo, a destruição de barcos, motores e equipamentos de navegação, além de geradores, ferramentas e materiais de construção foi contestada pelo deputado estadual Mário César Filho (União Brasil). “Em vez de serem perdidos, esses bens poderiam ter sido direcionados para contribuir de maneira significativa em diversas frentes”, argumenta o deputado.
Leis estaduais tentam barrar ações de destruição mesmo após decisão do STF
Deputados estaduais vêm buscando aprovar leis no intuito de barrar, ou até mesmo proibir, a destruição de máquinas e equipamentos que são apreendidos em infrações ambientais nos seus estados. As unidades da federação em que os legisladores tiveram tal iniciativa são também os locais onde são registradas a maioria das ações de destruição, como é o caso de Mato Grosso, Roraima e Amazonas.
A intenção, no entanto, já foi barrada pelo STF após a sanção de uma lei do estado de Roraima. Sancionada em julho de 2022, ela foi logo questionada pelo Ministério Público e levada ao STF, que concedeu liminar em outubro e, em fevereiro de 2023, julgou inconstitucional a legislação de Roraima.
A lei proibia a destruição de equipamentos de garimpeiros apreendidos durante operações e fiscalizações ambientais. Ele também dava garantia" a garimpeiros, madeireiros, pecuaristas e agricultores em "ter o direito de recuperar o bem novamente", além de ter a previsão de penalização dos órgãos de fiscalização que destruíssem os equipamentos.
Embora haja o precedente da derrubada no caso de Roraima, em outubro, o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes, sancionou uma lei que evita que equipamentos, maquinários e produtos apreendidos sejam destruídos. De acordo com o texto, nas hipóteses de bens apreendidos em fiscalizações ambientais, há a previsão de que não ocorra a imediata destruição. A intenção é garantir que haja o devido processo legal e o exercício do contraditório, além de enfatizar que “a destruição ou inutilização deve ser considerada medida excepcional”.
O argumento, no entanto, já foi contestado pelo procurador-geral da República, no julgamento do caso de Roraima. Na ação, ele alegou que a medida de destruição ou inutilização de instrumentos empregados para a prática de infrações ambientais “não acarreta, por si, violação ao direito de propriedade nem ao devido processo legal, e sua implementação tampouco depende de prévia decisão judicial com trânsito em julgado”.
Proposta para destinação dos equipamentos apreendidos
O projeto de lei proposto no Amazonas pelo deputado estadual Mário César Filho (União Brasil) também pretende proibir a destruição dos bens apreendidos em infrações ambientais, no entanto, enfatiza a destinação adequada, citando a venda e a descaracterização por meio da reciclagem.
Outro ponto destacado pelo deputado é a destinação dos equipamentos para ações do estado. Um dos exemplos citados pelo parlamentar foi o período de seca que afetou o Amazonas no último ano. “Durante a pior seca registrada na história do Amazonas, os equipamentos apreendidos e posteriormente destruídos em operações ambientais poderiam ter desempenhado um papel crucial para mitigar os impactos dessa catástrofe”, disse o parlamentar.
Para ele, os barcos, motores e equipamentos de navegação apreendidos poderiam ter sido utilizados para ajudar na drenagem dos rios, facilitando o acesso a áreas afetadas pela seca e permitindo o transporte de suprimentos essenciais, bem como o deslocamento de pessoas em regiões onde os níveis de água diminuíram drasticamente.
Além disso, o deputado argumenta que outros equipamentos, como geradores, ferramentas e materiais de construção, poderiam ter sido redirecionados para ajudar as comunidades locais a enfrentar os desafios impostos pela seca, fornecendo energia, auxílio na reconstrução de estruturas danificadas e suporte para a manutenção das condições básicas de vida.
“A retenção e reutilização desses bens, ao invés da sua destruição, teriam representado uma oportunidade valiosa para a região enfrentar a crise da seca de forma mais eficaz, demonstrando a importância de repensar as políticas de destinação dos itens apreendidos em operações ambientais para maximizar seu potencial de auxílio em momentos de crise e necessidade”, complementou o deputado amazonense.