Mesmo com recorde de queimadas, governo corta orçamento do Ibama para combate a incêndios| Foto: Divulgação/Prevfogo/Ibama
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O Brasil registrou recordes de queimadas em fevereiro e março, superando as piores marcas registradas para estes meses desde o início dos monitoramentos, em 1999. A Amazônia e o Cerrado são os biomas que mais tiveram focos de incêndios nos dois últimos meses. Mas mesmo diante dessa situação, no mês passado, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reduziu em 24% o orçamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) para o combate aos incêndios.

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O corte de R$ 12 milhões deixou o órgão com um orçamento de R$ 50 milhões para o ano, menos da metade dos R$ 120 milhões que o Ibama havia solicitado ao governo em 2023, ao planejar as ações de combate a incêndios para o ano seguinte. A proposta de orçamento enviada ao Congresso pelo governo federal no ano passado já previa bem menos do que o valor inicialmente planejado pelo órgão: apenas R$ 65,7 milhões – uma redução de 26,4% em relação a 2023, quando foram aplicados R$ 89,3 milhões em ações de combate às queimadas. Após a tramitação no Congresso Nacional, o orçamento encolheu um pouco mais e ficou em R$ 62 milhões.

A redução recente que deixou o Ibama com R$ 50 milhões para combater queimadas foi feita por meio de uma portaria do Ministério do Planejamento e Orçamento, publicada em 8 de março. O contingenciamento é feito pelo Executivo com objetivo de assegurar o equilíbrio orçamentário, ou seja, equilibrar a execução das despesas e a disponibilidade efetiva de recursos.

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De acordo com a ex-servidora do Ibama e atual consultora de Orçamento da Advocacy Consultoria, Anna Lopes, essas portarias com bloqueios acontecem, geralmente, a cada trimestre e variam conforme as arrecadações do governo.

"Normalmente essa contingência vem forte nesse primeiro trimestre. Eles [governo] dão uma segurada para poder ir liberando conforme a efetiva arrecadação. Daqui três meses uma nova portaria pode ser publicada com mais recursos para esta ação", explicou Anna Lopes.

O governo federal, porém, encontrou uma forma de usar, no combate às queimadas, créditos extraordinários autorizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para enfrentamento da crise dos yanomamis. O governo usou R$ 2 milhões do total de R$ 1,06 bilhão destinados à proteção dos indígenas para acabar com incêndios em uma área de florestas que fica ao lado da terra indígena Yanomami, em Roraima, argumentando que o fogo próximo à reserva colocava a vida deles em perigo. Esta verba emergencial, porém, ficou sob a gestão de outro órgão ambiental, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

O STF também havia julgado uma ação, no mês passado, sobre a atuação do governo federal no combate a queimadas – que haviam sido protocoladas por partidos de esquerda durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Mas, diferentemente de outras ações da mesma “pauta verde” do STF, não houve determinação dos ministros para aumentar o orçamento destinado para o combate às queimadas.

Ibama já considerava possibilidade de recorde de queimadas em 2024

Ao solicitar, em 2023, um aporte de R$ 120 milhões no orçamento para combate aos incêndios, o Ibama já indicava que haveria necessidade de mais ações em 2024.

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“Já se considerava a ocorrência do fenômeno El Niño, categoria forte, com características complexas e cenário climático desafiador em Roraima, que já estava em estiagem desde o mês de agosto de 2023, antecipando o período seco no estado em dois meses”, afirmou o órgão.

O Ibama chegou a fazer contratações de brigadas para atuar em Roraima a partir de setembro de 2023 para realizar atividades de prevenção. As contratações, no entanto, também não impediram que os meses de agosto a novembro de 2023 registrassem os maiores números de queimadas dos últimos 25 anos no estado.

Em 2024, os números de queimadas em Roraima seguem altos. De janeiro a março, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) já registrou mais de quatro mil focos de queimadas, enquanto em todo o ano passado, o estado teve 2.659 focos registrados.

Mas não é só em Roraima que o Inpe tem registrado recordes de focos de incêndio. Em fevereiro e março, o Brasil registrou 4.568 e 5.448 focos de queimadas, respectivamente, superando os números registrados desde 1999 nos mesmos meses. Na Amazônia, o número de registros foi 256% maior do que a média esperada para o mês de março: foram 2.654 focos identificados.

Manobra dá ao ICMBio R$ 2 milhões para combate a incêndios

Apesar da redução no orçamento Ibama, o ICMBio foi beneficiado com o empenho (reserva de pagamento) de R$ 2 milhões para utilização na Operação Roraima Verde que, junto com Ibama e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), está combatendo incêndios florestais no território Yanomami e adjacências, dentre eles, a Floresta Nacional de Roraima, que faz limite com a terra Yanomami.

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O contrato que originou o empenho mencionado se refere aos serviços de uma empresa de aviação, a FlyOne. Este contrato foi firmado em 2021, ainda no governo Bolsonaro, e renovado em 2023, já no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Originalmente, o contrato previa o combate aos incêndios florestais.

Para garantir a destinação dos recursos, o governo Lula mudou a ação envolvida no contrato, passando a atender a “gestão de unidades de conservação relacionada a proteção da vida, da saúde e da segurança em terras indígenas”. Com isso, foi possível adequar a destinação dos recursos aos objetivos da Medida Provisória (MP) 1209/2024, que liberou R$ 1,06 bilhão para atender a crise Yanomami.

A Medida Provisória, por sua vez, está baseada nas determinações do STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, apresentada durante a pandemia de Covid-19 para garantir atendimento aos indígenas.

A Gazeta do Povo questionou o ICMBio sobre a utilização de recursos, que deveriam ser destinados a combater a crise indígena – e não para os incêndios. Em resposta, o órgão afirmou que as aeronaves previstas no contrato de R$ 2 milhões estão disponíveis para utilização na Operação Roraima Verde. Além disso, justificou a utilização dos recursos da Medida Provisória pelo fato da área de conservação, gerida pelo órgão, fazer limite com a terra indígena.

“Seus objetivos atendem e se alinham com objetivos da ADPF 709, já que o combate aos incêndios florestais nestes territórios protege a saúde, a vida e a segurança dos indígenas”, afirmou o ICMBio em nota.

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Neste contexto, a consultora de Orçamento, Anna Lopes destaca também um conceito informal, usado para caracterizar este tipo de "manobra" do governo: a "prioridade invertida".

Trata-se de deixar ações muito importantes, e até óbvias, de fora do Orçamento que será enviado para o Congresso e assim conseguir que sejam aprovados créditos extraordinários, como no caso das Medidas Provisórias.

"Algumas manobras são importantes para que eles [Executivo] consigam ter um pouco mais de gerência sobre esses recursos. O governo tem esse macete de colocar as coisas que são muito importantes e muito óbvias com menos recursos. Afinal, eles sabem que num momento de aperto, o Congresso fica um pouco engessado. Tem como hoje o Congresso dizer: 'não vou aprovar um recurso para combate a incêndio, não vou aprovar um recurso para a questão yanomami?'. Não tem. Está óbvio", disse a consultora.

Queimadas em segundo plano: determinações do STF sobre orçamento não contemplam combate aos incêndios

Nos julgamentos da chamada “pauta verde”, em março, o STF fez determinações relacionadas ao orçamento destinado para as ações de combate ao desmatamento. Dentre ponderações relacionadas a planos e cronogramas que devem ser cumpridas pelo governo, os ministros determinaram a abertura de créditos extraordinários, com vedação de contingenciamento orçamentário. Ou seja, pediram que seja destinado mais dinheiro para garantir que não haja mais desmatamento e impediram que sejam feitos cortes no orçamento já previsto para essas ações.

Essas determinações, no entanto, não abrangeram o combate aos incêndios florestais. Nas ADPFs 857, 746 e 743, que tratavam dos incêndios no Pantanal e na Amazônia, o STF decidiu que a União tem 90 dias para apresentar um plano de prevenção e combate a incêndios, com monitoramento, georreferenciamento, metas e estatísticas. O governo federal também terá que apresentar um plano de recuperação da capacidade operacional do Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PrevFogo).

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Sendo assim, diferentemente do julgamento das ações sobre desmatamento, não houve indicação explícita do STF sobre a necessidade de empenho de créditos extraordinários e nem a proibição de que o governo bloqueie verbas do orçamento destinadas ao combate de incêndios, mesmo diante dos números recordes registrados pelo Inpe.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]