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A morte de um policial militar em surto, em Salvador, no mês passado, e as recentes críticas das forças policiais contra o governo do presidente Jair Bolsonaro acenderam um alerta na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sobre a possibilidade de insubordinação policial. Com isso, o trabalho de monitoramento de focos de distúrbios se intensificou nas últimas semanas.
O ministro da Justiça, Anderson Torres, tem como missão pacificar a crise com as forças policiais que se intensificaram com o governo Bolsonaro após a votação da PEC Emergencial pelo Congresso. Antes de assumir a pasta, Torres, que é delegado da Polícia Federal, foi secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e, na avaliação de integrantes da Frente Parlamentar da Segurança Pública – a chamada bancada da bala –, a articulação de Torres com as demais polícias é importante neste momento.
“Como secretário, ele deu varias sinalizações da capacidade de comandar as demais forças. A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal é bem complexa, lida com a Polícia Civil, com Corpo de Bombeiros, PM e até o Detran. Ele deu clara demonstração da sua capacidade de comandar as várias polícias”, defende o deputado Felício Laterça (PSL-RJ).
Ainda em março, integrantes da União dos Policiais do Brasil (UPB), que reúne mais de 20 instituições da área da segurança pública, chegaram a defender publicamente uma paralisação das forças policiais. “A gente está falando em paralisação porque estamos na discussão se podemos ou não podemos fazer greve, mas não descartamos nem uma greve. Estamos extremamente insatisfeitos”, disse Edvandir Paiva, integrante da UPB, na ocasião.
Além do descontentamento com o governo federal, os policiais militares de alguns estados estariam demonstrando insatisfação com os decretos de controle da pandemia de alguns governadores. Segundo o jornal Valor Econômico, o monitoramento da Abin ocorre através das movimentações que são feitas em grupos de Facebook e WhatsApp dos policiais. Além disso, os agentes de inteligência conversam cotidianamente com pessoas próximas aos policiais, a fim de antecipar eventuais ações. Por ora, a percepção é de que o maior risco é da ocorrência de greves.
Segundo o deputado Capitão Wagner (Pros-CE), as medidas de restrição impuseram “obrigações adicionais” aos PMs. “Fechar comércio, organizar fila de banco, não permitir que pessoas possam fazer caminhadas. Com isso, a insatisfação do setor, que já existia há algum tempo, se intensificou”, disse o parlamentar ao Valor Econômico.
Apesar disso, o presidente da bancada da bala, Capitão Augusto (PL-SP), afirma que “não há nada de motim em nenhuma PM do Brasil, apenas atos isolados de algumas associações”. Segundo o jornal O Globo, algumas lideranças policiais estariam confrontando as medidas de contenção da pandemia adotadas por alguns governadores como forma de conservar o apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Essa mobilização teria sido notada entre PMs do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Espírito Santo.
O presidente da República costuma questionar os decretos de fechamento do comércio e recentemente foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra três governadores que adotaram medidas de restrição de locomoção de pessoas. Um parlamentar da bancada da bala admite que está havendo a politização das queixas dos PMs em todo o Brasil como forma de mobilização.
No Espírito Santo, o deputado Capitão Assunção (Patriota), que liderou uma paralisação da PM em 2017, alegou que o governador Renato Casagrande (PSB) tenta “jogar a polícia contra o trabalhador” com medidas restritivas. O deputado paraibano Cabo Gilberto Silva (PSL) acusou governadores de tentarem “rasgar a Constituição”.
Base bolsonarista inflou movimentação de policiais após morte de soldado
No dia 28 de março, um domingo, o soldado da Polícia Militar da Bahia Wesley Góes foi abatido por agentes do Bope após sofrer um aparente surto psicótico e disparar seu fuzil no Farol da Barra, em Salvador. Logo após a ocorrência, bolsonaristas começaram a inflar nas redes sociais discursos contra o governador baiano Rui Costa (PT). Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a deputada Bia Kicis chegou a afirmar nas redes sociais que a morte foi um ato de resistência a "ordens ilegais" do governador.
Além disso, o deputado federal José Medeiros (Pode-MT), vice-líder do governo na Câmara, chegou a chamar o PM de "herói nacional". A repercussão teve até pedidos de motim convocados pelo deputado estadual Soldado Prisco. Na ocasião, policiais militares passaram a protestar contra o comando da instituição.
Após o episódio, Bia Kicis recuou e acabou apagando o post em que defendia o ato de Goés. “As redes se comoveram e eu também. Hoje cedo removi o post para aguardarmos as investigações. Inclusive diante do reconhecimento da fundamental hierarquia militar”, argumentou a deputada.
Líder da minoria na Câmara, o deputado Marcelo Freixo (PSol-RJ) criticou publicamente a parlamentar e afirmou que os bolsonaristas “querem alimentar o caos” usando a PM para provocar guerra com governadores e “justificar um golpe”. Na mesma linha, o deputado e ex-policial Pastor Sargento Isidório (Avante-BA) argumenta que tentaram usar a morte do soldado de forma eleitoreira. “Quem tenta usar o caixão de um PM como palanque eleitoral não quer resolver nada, e sim exaltar os ânimos”, alegou Isidório ao jornal O Globo.
Para Wanderson Camargo, especialista em segurança pública e mestre em Direito Público pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), esse episódio deve servir de alerta para que não haja uma politização das polícias em todo o Brasil. “A gente sabe que muitas forças policiais se identificaram com o governo Bolsonaro, mas que essa relação passa por um desgaste no momento. Agora, a gente vê a própria base do governo federal inflando discurso contra governadores como forma de politizar as reivindicações da categoria. Isso é muito perigoso, pois a polícia deve ser preservada para cumprir o seu dever constitucional de persecução criminal independente”, argumenta.