Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Ministério dos Povos Indígenas

Governo nomeia juristas indígenas de esquerda para revisar Estatuto do Índio sob viés ideológico

O sec. executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, participa do seminário promovido pelo ministério das Relações Exteriores e a Fundação Alexandre de Gusmão realizam Seminário Desenvolvimento Sustentável na Amazônia (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

Ouça este conteúdo

Um grupo de juristas indígenas foi criado pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) para propor alterações no Estatuto do Índio. Apesar das portarias de criação apontarem que o grupo foi nomeado apenas para analisar a legislação sob a ótica desses especialistas, a pasta aponta, em seu site oficial, que o grupo vai “propor um novo marco legal de relação com os povos originários”.

O grupo é contrário ao marco temporal - que estabelece que os indígenas só podem reivindicar terras que ocupavam em 1988 e não têm direito a áreas habitadas depois disso. Eles também querem emplacar a tese de que indígenas que já moram em áreas urbanas e estão integrados à sociedade civil devem ter os mesmos direitos de indígenas não integrados, que moram nas florestas.

A iniciativa gerou controvérsias. Apesar do consenso sobre a necessidade de aprimorar a legislação, formulada em 1973, indígenas e parlamentares temem que o viés ideológico dos componentes do grupo possa interferir nas propostas apresentadas. Os sete juristas indígenas nomeados, em portaria assinada pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, são ligados diretamente à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ou a organizações regionais que são integrantes dela, como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Os nomeados são Luiz Eloy Terena, na condição de coordenador; Samara Pataxó, na condição de relatora; Maurício Serpa França Terena; Ademar Fernandes Barbosa Júnior Pankararu; Andressa Carvalho Santos Pataxó; Ivo Aureliano Makuxi e Maria Judite da Silva Guajajara.

A portaria de criação do grupo prevê 180 dias para a conclusão dos trabalhos. Transcorridos mais de 100 dias desde a publicação da portaria, o MPI informou, por meio de sua assessoria, que aconteceram apenas duas reuniões. Nas duas oportunidades os juristas indígenas teriam trabalhado na “estruturação e definição do cronograma de atividades”. Questionado sobre o encaminhamento dado às conclusões e sobre a apresentação de propostas legislativas para alteração do Estatuto, a pasta informou apenas que “as demais informações serão divulgadas na página do Ministério dos Povos Indígenas assim que for concluída a fase de preparação documental”.

Revisão do Estatuto do Índio é necessária, afirmam parlamentar e advogado indígena 

Em vigor há quase 50 anos, a Lei nº 6.001, que dispõe sobre o Estatuto do Índio, traz em seu primeiro artigo a intenção de “regular a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional”.

O senador Plínio Valério (PSDB-AM) avalia que a iniciativa é importante, mas também a vê com preocupação. “Medidas para aperfeiçoar o Estatuto do Índio são bem-vindas e salutares, mas o debate deve ser feito no Parlamento. Por legisladores eleitos pela população para representá-los”, destacou o senador amazonense.

O advogado indígena Ubiratan Maia também concorda com a necessidade de revisão do Estatuto do Índio e destaca as mudanças ocorridas ao longo dos anos em que a legislação está em vigor como a principal motivação para as alterações. “Hoje os indígenas precisam de uma legislação que possa ampará-los especialmente na questão da livre iniciativa. Envolvendo, por exemplo, a questão da produção. É preciso dar segurança jurídica para que os indígenas possam produzir soja, milho, trigo, criar animais em larga escala”, disse o advogado.

Neste ponto, Valério reforça o posicionamento de Maia. “É importante lembrar que a Constituição Federal, nos artigos 176 e 231, já estabelece que as comunidades indígenas têm o direito de criar cooperativas para explorar as riquezas de suas terras. O Estatuto do Índio também prevê que esses povos devem usufruir das riquezas naturais e de todas as utilidades de suas terras, mas, infelizmente, são impedidos de exercer esses direitos”, disse o senador.

Advogado indígena afirma que revisão no Estatuto do Índio já está sendo feita 

O Ministério dos Povos Indígenas não deixou claro o encaminhamento que será dado ao material formulado pelos juristas indígenas, no entanto, a única forma de alterar uma legislação em vigor é por meio de outra lei, que precisa passar pela aprovação do Congresso Nacional.

Para o advogado Ubiratan Maia, a revisão já está “praticamente feita”. Ele aponta o projeto de lei (PL) sobre o marco temporal, aprovado na Câmara dos Deputados e que agora tramita no Senado, como a revisão que abarca as mudanças necessárias do Estatuto do Índio. O PL do marco temporal altera, dentre outras leis, a que institui o Estatuto do Índio. “O PL tem que ser aprovado para dar segurança jurídica aos proprietários rurais e também aos indígenas que desejam trabalhar e produzir em suas terras, que são de usufruto constitucional indígena. Então, para mim, é essa proposta que deve ser aprovada do Congresso Nacional, porque são eles efetivamente que foram eleitos para serem os representantes do povo”, destacou o indígena.

A iniciativa do Ministério dos Povos Indígenas em revisar a legislação é o principal ponto de preocupação do senador Plínio Valério, que é presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Organizações Não Governamentais (ONGs). “É preocupante especialmente no contexto em que o Congresso Nacional discute o Marco Temporal e o Senado Federal avança com a CPI das ONGs. Temos [na CPI das ONGs] exposto a realidade e as práticas questionáveis de algumas organizações que se autointitulam defensoras dos povos indígenas, mas que, na verdade, acabam perpetuando a miséria e a falta de oportunidades para essas comunidades, arrecadando recursos e se enriquecendo em nome deles”, afirmou o senador.

Jurista afirma que magistrados deixam de aplicar regime mais favorável aos indígenas 

Em entrevista à Rádio Agência da EBC , o coordenador jurídico da Apib e um dos integrantes do grupo de trabalho, Maurício Terena, disse que o Estatuto do Índio não está totalmente alinhado com a Constituição Federal de 1988. Para ele, o fato de o estatuto dividir os indígenas entre integrados e não integrados à sociedade, é uma ideia ultrapassada. "Magistrados brasileiros decidem que não vão aplicar um regime mais favorável a algum indígena porque ele já está integrado à sociedade civil e, portanto, não é mais indígena. A gente quer justamente com este Estatuto marcar que, independente do lugar que a gente esteja - seja na cidade, seja falando português ou não -, nós não deixamos de ser indígenas", disse Terena

O advogado indígena falou ainda sobre a intenção de fortalecer a proteção dos territórios indígenas no Estatuto do Índio. "A gente entende que nós somos seres intrinsecamente ligados com o território tradicional. Então, não dá para falar dos nossos corpos separados da lógica territorial. Por isso, vai ser importante também a gente trazer a questão das terras dentro do Estatuto". A afirmação corrobora a defesa pela demarcação de terras por meio da busca pela derrubada da tese do marco temporal, que determina a data de 5 de outubro de 1988 para a determinação das áreas que seriam indígenas ou não.

Quem são os juristas indígenas nomeados? 

Além da ligação com a Apib, a maioria dos juristas indígenas nomeados para revisar o Estatuto do Índio tem em seu histórico ações relacionadas à derrubada da tese do marco temporal e a pautas ligadas à esquerda. “Esses indígenas são de uma corrente política, vinculada a ONGs e aos interesses do governo federal, que tem a sua ideologia. Então, esse é um grupo de trabalho que foi composto para, de fato, não contemplar os outros interesses de indígenas que querem, por exemplo, plantar e criar animais”, afirmou Maia ao comentar sobre a formação do grupo de trabalho.

Para ele, os nomeados para compor o grupo de trabalho não representam todos os povos indígenas brasileiros. “Os indígenas são diversos, não só nas suas etnias, mas também nas suas posições, nas suas visões de mundo. Então, é humanamente impossível alcançar essa representatividade”, disse Maia.

Eloy Terena - nasceu em uma aldeia da etnia terena em Aquidauana (MS) e é o atual secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas. Ele é conhecido por ter atuado na coordenação jurídica da Apib. Eloy Terena ganhou notoriedade em 2020 ao ser o primeiro advogado autodeclarado indígena a vencer uma ação de jurisdição constitucional no Supremo Tribunal Federal. Por meio da ação, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi obrigado a adotar medidas de proteção contra a covid-19 específicas para os povos indígenas.

Samara Pataxó - nasceu na aldeia Coroa Vermelha, do povo Pataxó, em Porto Seguro, na Bahia. Samara é bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestre em Direito e doutoranda pela Universidade de Brasília (UnB). Em suas redes sociais, a advogada indígena publicou uma foto com os demais integrantes do grupo de trabalho. “Nos debruçar sobre esta legislação, nos provoca a rompermos com o passado tutelar e integracionista da relação do Estado para com os povos indígenas (que ainda nos assombra) e nos permite pensarmos no presente e no futuro, em que somos protagonistas da nossa história, sujeitos de direitos, cidadãs e cidadãos”, disse a indígena na legenda. Em 2022, Samara foi contratada para atuar junto à Secretaria Geral da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O convite foi feito pelo então presidente do TSE, ministro Edson Fachin. Ela atua como assessora-chefe de Inclusão e diversidade do TSE. O ministro conheceu a indígena durante uma sustentação oral no STF, em que ela se posicionou contra o marco temporal.

Maurício Terena - do povo Terena, é bacharel em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco e doutorando em Antropologia social na USP. Maurício Terena assumiu a coordenação jurídica da Apib, substituindo Eloy Terena, e desde então tem atuado junto ao STF pela derrubada do marco temporal.

Ademar Barbosa Junior - do povo Pankararu, é assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).

Andressa Pataxó - bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia, é assessora jurídica da Apib.

Ivo Aureliano Makuxi - do povo Makuxi, é assessor jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR), pós-graduando em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional pelo Instituto Verbo Jurídico.

Maria Judite Guajajara (ou Kari Guajajara) - é bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão, possui mestrado pela Universidade de Brasília, é assessora jurídica da Coiab e integra a Rede de Advogados Indígenas do Brasil. A indígena também foi secretária-adjunta de Estado da Mulher do Maranhão.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.