A decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), de impor ao Senado a instalação da CPI da Covid para investigar a atuação do governo federal durante a pandemia de coronavírus disparou articulações de governistas e adversários do presidente Jair Bolsonaro em torno da comissão. As principais frentes de batalha entre os grupos nos bastidores se dão em torno dos cargos de comando do colegiado, do escopo das investigações e até mesmo de uma última tentativa de impedir que a CPI inicie seus trabalhos.
A previsão é que a CPI comece a funcionar na terça-feira (13), dia em que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), deve ler o requerimento de criação da comissão.
Autor do pedido de instalação da comissão parlamentar, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que pretende ocupar o posto de presidente ou relator da CPI. Os cargos são os mais cobiçados das comissões, por serem responsáveis pelo ritmo dos trabalhos. "Vou reivindicar o direito da tradição do Senado para que a presidência ou relatoria seja exercida por mim, primeiro signatário da CPI. É um direito que a tradição do Parlamento me assiste e que reivindicarei", afirmou o parlamentar ao jornal O Globo.
A tradição citada por Randolfe deve se chocar com outro princípio bastante forte no Senado, o da proporcionalidade. As normas da Casa determinam que os cargos nas comissões devem ser distribuídos de acordo com a representação dos partidos. Neste contexto, a oposição, que é minoria, sai prejudicada. "Eles não vão dar chances à oposição. Geralmente, o senador que toma a iniciativa de pedir a CPI é presidente ou relator, mas creio que a decisão final vai acabar ficando com a minoria", disse à Gazeta do Povo o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA).
"Estamos examinando a situação com os demais líderes partidários, mas esperamos que o princípio da proporcionalidade regimental seja decisivo para constituir a comissão", declarou o senador Elmano Férrer (PP-PI), que é vice-líder do governo no Senado.
A briga por relatoria e presidência é um processo que habitualmente marca as disputas preliminares das CPIs. A corrida pelos cargos se justifica porque os postos são determinantes para que uma CPI entregue os resultados esperados por quem está no comando. O presidente é responsável pela condução dos trabalhos e o relator produz o documento final da comissão, que indica os encaminhamentos e possíveis consequências das atividades.
Como a CPI tem poder de investigação, o relator pode ser responsável pelo indiciamento de pessoas citadas. Já o presidente tem, entre outras atribuições, a de pautar requerimento de convocação de autoridades — o que costuma ser uma dor de cabeça para governistas.
Foco da comissão parlamentar é outro cavalo de batalha
Outro ponto de disputa que deve marcar os trabalhos da comissão é o foco da investigação do colegiado. O pedido inicial da CPI, elaborado por Randolfe, pede a investigação de atos do governo federal e menciona o colapso registrado no Amazonas no início do ano, quando houve a crise derivada da falta de oxigênio nos hospitais. O Regimento Interno do Senado estabelece que os pedidos de CPI precisam ser específicos no ato de indicar o que desejam apurar.
Mas apoiadores de Bolsonaro tentarão fazer com que a comissão aborde também o desempenho de prefeitos e governadores no combate à pandemia. A atuação dos gestores estaduais e municipais tem sido mencionada frequentemente pelo presidente como um fator que, na avaliação dele, seria decisiva para os maus números do Brasil em relação à Covid-19. Parlamentares governistas citam verbas repassadas pelo governo aos demais entes como "prova" de que o Executivo nacional fez sua parte, mas não houve contrapartida dos prefeitos e governadores.
"Quem foi que executou as despesas? Alguns estados e também municípios nunca viram tanto dinheiro na vida. Recursos que foram destinados especificamente à saúde. Governadores e prefeitos fizeram hospitais de campanha, compraram respiradores, tiveram tudo. Então vamos investigar quem é realmente responsável", disse o senador Ferrér.
O oposicionista Paulo Rocha argumenta que a CPI "tem um objetivo claro" e que a responsabilidade de Bolsonaro em relação à pandemia está "evidente". "Uma CPI tem que ter fatos determinados. E essa tem: investigar a atuação do governo federal no combate à pandemia", disse. Segundo ele, a oposição vai precisar "agir com experiência e dialogar com setores da sociedade" para evitar que os trabalhos da comissão sejam desviados.
Mas vai ter CPI da Covid?
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse à Folha de São Paulo que não moverá "um milímetro" para barrar a instalação da CPI. Ele reforçou ser contra a criação da comissão, mas disse que não descumprirá a decisão do STF.
Aliados de Bolsonaro, porém, ainda buscam mecanismos para impedir que o colegiado comece a trabalhar. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), disse que tentará convencer parlamentares a retirarem suas assinaturas de apoio à criação da comissão. Hoje, o requerimento conta com 32 assinaturas, cinco a mais do que o necessário. “Vamos dialogar para saber se daqui até terça-feira teremos condição de retirar assinaturas para que a gente possa retomar essa discussão no momento em que as atividades do Senado possam estar normalizadas”, afirmou Coelho.
A iniciativa foi condenada por Randolfe. Em vídeo divulgado pela sua assessoria, o parlamentar declarou que "se algum colega senador retirar a assinatura escreverá seu nome no painel da infâmia da história como cúmplice de genocídio".
Outra tática considerada pelos bolsonaristas é a de motivar Pacheco a instaurar outros processos que retirariam o foco do Senado da CPI da Covid. Um desses é a abertura de processo de impeachment de ministros do Supremo, como o próprio Bolsonaro sugeriu nesta sexta-feira (9). E o outro é pedir a instalação da CPI da "Lava Toga", que busca apurar condutas irregulares do Poder Judiciário e que foi requerida ainda em 2019, quando o presidente da Casa era Davi Alcolumbre (DEM-AP).
A alegação é de que, assim como na demanda atual, também havia mais assinaturas pela CPI do que o mínimo necessário e que faltou apenas a vontade do presidente para que a comissão começasse a trabalhar.
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