Emendas de comissão são usadas como instrumento de barganha com o governo e entre parlamentares| Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
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Alvo da mais recente queda de braço entre governo e Congresso, as emendas parlamentares de comissão tiveram aumento significativo no volume de verbas no Orçamento ano passado, logo após o fim das emendas de Relator (RP9) – chamadas de "orçamento secreto". Contudo, o dinheiro realmente pago pelo governo para essas despesas não chegou a nem 3% dos R$ 6,8 bilhões empenhados.

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Em seu movimento para garantir maior controle sobre o orçamento e, portanto, mais autonomia diante do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Congresso Nacional tem se utilizado largamente das emendas parlamentares, incluindo as de Comissão (RP8). Na madrugada de terça-feira (23), porém, foi publicado no Diário Oficial o veto de Lula a R$ 5,6 dos R$ 16,6 bilhões que o Congresso havia destinado para esse tipo de emenda no orçamento de 2024.

Desde que o STF julgou inconstitucionais as emendas de Relator (RP9), o volume de recursos do orçamento anual destinado para as emendas de comissão aumentou exponencialmente. De acordo com dados do Portal da Transparência da Controladoria Geral da União (CGU), em 2023, foram empenhados R$ 6,8 bilhões nessa modalidade, um crescimento de 2.200%, frente aos R$ 308 milhões empenhados em 2022 nessa rubrica. Os valores empenhados são aqueles com uso já determinado, como se fosse reservado um montante para adquirir algo que ainda não foi efetivamente comprado.

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No entanto, ainda que o valor total empenhado tenha apresentado crescimento exponencial, o valor efetivamente executado variou pouco. Em 2022, foram executados e pagos R$ 164 milhões (incluindo restos a pagar de anos anteriores). Em 2023 esse montante chegou a R$ 179 milhões. Portanto, ao comparar o percentual pago diante do total empenhado entre um ano e outro temos, novamente, grande discrepância. Em 2022, 53% do valor empenhado foi pago, enquanto em 2023, esse percentual foi de 2,63%.

Isso ocorre porque as emendas de comissão não são impositivas, ou seja, o governo não é obrigado a fazer o pagamento delas. Deste modo, os valores empenhados para as emendas de comissão que não forem pagos ficam designados como restos a pagar durante 18 meses e, depois de transcorrido esse período, eles ficam sujeitos a cancelamento. Já os recursos de emendas individuais e de bancada, em razão do seu caráter impositivo, e das emendas para a área da saúde ficam indefinidamente disponíveis.

Barganha entre parlamentares

Mesmo que com baixo percentual de execução, diante dos altos valores empenhados no ano passado, e da não obrigatoriedade de pagamento por parte do governo, as emendas de comissão acabam sendo objeto de barganha política, conforme explica o doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), Leonardo Barreto.

"Os presidentes do Senado e da Câmara usam [as emendas de comissão] para fazer barganha junto a seus próprios parlamentares. O [presidente da Câmara, Arthur] Lira (PP-AL) e o [presidente do Senado, Rodrigo] Pacheco (PSD-MG) vão usar esse recurso para agradar ou desagradar grupos de parlamentares dentro do Congresso e fazer ali o seu jogo". Ele ainda analisa que tal jogo é ruim do ponto de vista de transparência, citando a dificuldade de identificar um agente político que precisa ser responsabilizado em um eventual caso de corrupção.

Assim, ao realizar os cortes nessas emendas, Lula não somente faz a readequação de recursos para seus programas sociais, mas também dificulta a defesa e o uso político das emendas de comissão e de seus recursos pelas presidências das casas.

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"Ele [Lula]~sabe que está afetando a capacidade de barganha do próprio Lira e do próprio Pacheco. Então, politicamente, é difícil ir nesse sentido, pois essas emendas de comissão favorecem igualmente Câmara e Senado, porque eles dividiram e isso dá influência às lideranças de ambas as casas para fazerem seus próprios jogos internos", afirma.

Ainda que vislumbre os fins orçamentários do corte, Antônio Lucena, também doutor em Ciência Política, vê que a medida é usada como uma peça no jogo político. "Esse é um movimento que pode ser complicado e essas emendas podem impactar nas lideranças e no apoio do governo com o Congresso, talvez o executivo precise articular melhor com o legislativo todos esses movimentos, até porque emenda é uma coisa que todos os deputados e senadores querem para mostrar que estão trabalhando para seu estado, e mostrar tudo isso é muito relevante para você ter apoio futuro e também ganhar votos".

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CDR do Senado ficou com maior montante, mas pouco foi pago

O aumento dos valores empenhados entre 2022 e 2023 em determinadas comissões fez com que algumas delas tivessem orçamentos superiores aos de alguns ministérios. Um dos casos mais divulgados foi o da Comissão de Desenvolvimento Regional e de Turismo (CDR) do Senado Federal, que foi presidida pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator do orçamento de 2023.

Sob a chancela da comissão foram empenhados R$ 5,795 bilhões, ou seja, 85% do total empenhado para todas as emendas de comissão. Os pagamentos foram muito menores do que os empenhos, assim como ocorreu com as emendas de todas as demais comissões, correspondendo a 0,04% do total empenhado, ou seja, R$ 2,3 milhões, somados os restos a pagar que foram efetivados.

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Em dezembro do ano passado, após o STF julgar as emendas de relator inconstitucionais, Castro se reuniu com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Na ocasião, ele afirmou que o orçamento secreto era coisa do passado e que iria realocar as verbas tanto para emendas de bancada estaduais quanto de comissão. Segundo o senador, a prioridade seria dada às emendas de comissão, por terem caráter nacional e só serem aprovadas com o aval da maioria dos senadores do colegiado.

No mesmo mês, reportagem do jornal o Estado de S.Paulo, denunciou que Castro havia destinado R$ 38,2 milhões para uma obra de saneamento básico tocada pela Construtora Jurema, de propriedade de seu irmão, no município de Floriano, no Piauí. Segundo apuração do jornal, os recursos foram empenhados no fim de outubro para obra do esgotamento sanitário da cidade por meio de uma emenda orçamentária da CDR, embora esse valor não conste atualmente da base de dados da CGU como já tendo sido pago pela Comissão.

De fato, consta o empenho de R$77 milhões para uma emenda da comissão cuja função são obras de saneamento básico, no entanto, deste valor, o Portal da Transparência indica que R$ 55 mil foram pagos.

Menos de R$ 200 pagos em emendas das comissões de Segurança Pública

Outras comissões também tiveram pagamentos muito menores do que seus empenhos, sendo alguns praticamente nulos. Dos cerca de R$ 14 milhões aprovados para cinco emendas das comissões de Segurança Pública da Câmara e do Senado em 2023,  foram pagos R$ 105. As comissões de Justiça e Cidadania de ambas as casas, tiveram seis emendas aprovadas e empenhadas no valor de R$ 103 milhões, com pagamentos totais da ordem de R$ 570 mil, ou 0,55% do valor empenhado.

Já as comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional tiveram R$ 24,4 milhões pagos, dos R$28,2 milhões empenhados em duas emendas destinadas à defesa terrestre e naval. No total, as comissões homônimas na Câmara e no Senado, empenharam R$ 74,6 milhões, com execução de R$ 40,2 milhões, 53% de todo o montante.

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A comissão de Viação e Transportes da Câmara teve as duas emendas com os maiores valores unitários pagos, R$ 21,6 e R$ 20,1 milhões, respectivamente, sendo ambos os recursos destinados para o estado do Maranhão. Ao todo, essa comissão empenhou R$ 106 milhões, chegando a execução de 40,6% desse valor.

A comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado também obteve mais recursos pagos: dos R$ 150 milhões empenhados em sete emendas, R$ 15 milhões foram pagos, ou seja, cerca de 10% do montante, sendo R$ 13 milhões em uma única emenda.

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Novo "orçamento secreto"? 

As emendas de comissão têm sido chamadas na imprensa e pelo partido Novo, especialmente, de “novo orçamento secreto”, pois, diferentemente do que ocorre nas emendas individuais e de bancada, não há a necessidade de identificação do parlamentar que indicou a destinação dos recursos, que fica a cargo da Comissão. Deste modo, elas acabaram se tornando um importante instrumento para destinação de recursos dentro do Senado e da Câmara.

Conforme explica Leonardo Barreto, no "orçamento secreto original", ou seja, nas emendas de relator, não se sabia quem era o autor da emenda. Por exemplo, um recurso foi destinado para construção de um açude em determinada cidade do interior e não se sabe quem é o autor daquela emenda, pois ela só tinha a rubrica do relator (RP9). No dia 19 de dezembro de 2022, esse tipo de repasse foi julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em razão da falta de transparência com que eram conduzidas.

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De acordo com Barreto, o Congresso, de certa maneira, recriou esse mecanismo com as emendas de comissão. “A Comissão vai destinar um recurso para um determinado lugar e a assinatura vai ser da Comissão. É claro que, para mandar o dinheiro para o calçamento em algum lugar, algum deputado tem que ter feito esse pedido, mas não vai ter essa identificação de qual deputado [ou senador] fez a indicação, por isso o pessoal também chama de orçamento secreto”, explica.

No entanto, nem todos concordam com a alcunha. Antônio Lucena explica que não vê as emendas de comissão como uma espécie de orçamento secreto. Ele afirma que, no Brasil, essas emendas estão previstas como uma sugestão de alteração que os congressistas fazem ao projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA), que diz como o governo federal gastará o dinheiro no ano seguinte.

“Essas emendas são feitas pelas comissões permanentes na Câmara e do Senado que são de grupos parlamentares que analisam temas específicos, educação, saúde e elas destinam esses recursos para ações e programas que estão relacionados à competências de interesse de cada comissão especificamente”.