O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, se reúne na manhã desta quarta-feira (24) com representantes dos caminhoneiros e outros integrantes do governo em seu gabinete, em Brasília. A meta do encontro é sepultar em definitivo a possibilidade de que a categoria faça uma greve e repita os impactos da paralisação de 2018, que teve efeitos em todo o país. Apesar do otimismo por parte do governo, porém, o entendimento dos profissionais é que uma eventual interrupção dos serviços ainda pode ocorrer nas próximas semanas.
A ameaça de greve foi lançada na última sexta-feira (19), quando entrou em vigor a nova tabela dos preços mínimos de fretes realizados pelos caminhoneiros. A norma foi bastante contestada pelos profissionais, que viram nela um retrocesso em relação à tabela produzida no ano passado, após a greve de maio.
Caminhoneiros chegaram a interromper os serviços em cinco estados – Rio de Janeiro, Paraíba, Ceará, Pernambuco e Minas Gerais – e a greve de agora só não evoluiu porque o governo determinou a suspensão da tabela. A análise do Ministério da Infraestrutura e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) foi a de que deixar a tabela de lado era um dano menor do que encarar uma greve.
Apesar de a suspensão ter sido elogiada pelos caminhoneiros, a tensão permanece. A negociação entre governo e profissionais teve no ministro Tarcísio um de seus protagonistas – ele enviou mensagens de áudio, anunciando a suspensão da tabela, que circularam pelos grupos de whatsapp dos caminhoneiros. O aplicativo foi o principal meio de diálogo para a paralisação de 2018 e permanece em alta entre os profissionais.
O receio de uma nova greve se dá, entre outros motivos, porque os caminhoneiros temem que a suspensão da tabela de fretes tenha sido uma medida de caráter temporário. Além disso, eles se queixam de que problemas apontados no ano passado ainda não foram solucionados, como o alto custo do óleo diesel. Pesa também o fato de que algumas medidas que o governo anunciou para beneficiar a categoria tenham efeito apenas no longo prazo, e não sirvam para aplacar as críticas momentâneas.
Um exemplo dessas propostas de longo prazo foi apresentada recentemente pelo ministério, que é a de incentivar a troca do combustível dos caminhões, do diesel pelo gás natural.
A tabela da discórdia
A tabela de fretes que gerou o impasse recente foi definida pelo governo como uma "solução técnica" para o problema dos caminhoneiros. A norma considera 11 critérios na hora de estabelecer o preço mínimo do transporte: além da distância, passariam a ser contabilizados o custo da depreciação do veículo, a remuneração do caminhoneiro, impostos e outros componentes.
A roupagem "técnica", entretanto, desagradou aos profissionais. Os caminhoneiros alegam que não foram ouvidos para a elaboração da tabela. E, segundo eles, a medida diminuiria a remuneração a eles destinada.
"Foi uma tabela elaborada apenas pelos empresários do setor. Não conversaram conosco, não ouviram nossas demandas. Acabaríamos pagando para trabalhar", afirmou o caminhoneiro Claudinei Habacuque, do estado de São Paulo.
Para ele, a tabela implantada no ano passado, como resposta à crise, era favorável às reivindicações da categoria, e a modificação foi algo "sem necessidade".
"A gente não quer ser vilão"
O caminhoneiro Claudinei Habacuque avalia que hoje a categoria está "entre a cruz e a espada". "A gente não quer ser vilão. Sabemos dos impactos que uma paralisação traria para o país. Mas também não podemos deixar de nos manifestar", declarou.
Para ele, o governo Bolsonaro tem mostrado uma disposição para o diálogo com a categoria superior à de seus antecessores. O caminhoneiro também elogia realizações do Ministério da Infraestrutura, "que tem entregado obras importantes para o nosso trabalho".
De fato, Bolsonaro buscou construir uma relação positiva com os caminhoneiros desde o ano passado, quando ainda era pré-candidato à Presidência. O então deputado federal foi um dos poucos políticos que deu apoio público à paralisação da categoria – o que foi considerado, pelos seus adversários, como uma medida irresponsável, por conta dos grandes impactos que a greve causou em 2018.
Atualmente, entretanto, Bolsonaro adota uma atitude mais comedida em relação aos caminhoneiros. O presidente disse recentemente desejar que a categoria evite uma nova paralisação. Além dos impactos políticos, há também uma modificação no campo econômico. Como presidente, Bolsonaro chefia uma equipe econômica de viés liberal, contrária a medidas como controle de preços e tabelamento de serviços.
Trata-se de uma corrente que não se encaixa muito com o defendido por Bolsonaro nos tempos de deputado – o que proporcionou até um momento de conflito no primeiro semestre, quando o presidente pediu à Petrobras a redução do preço dos combustíveis. A fala de Bolsonaro desagradou ao mercado, que viu ali uma intervenção do governo nos rumos da economia.
Um gás para o transporte
Em meio à possibilidade de nova crise, o governo trouxe à mesa a possibilidade de estimular o consumo de gás natural como combustível para os caminhões, em substituição ao óleo diesel – este último, tido como um dos principais vilões para os profissionais da área, por conta do preço elevado.
"Se tivermos condições para isso, sem dúvida que seria algo muito interessante. Os caminhões poderiam rodar bem mais do que rodam hoje", declarou Habacuque.
A ideia é também elogiada pelo economista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE). Segundo Pires, a utilização do gás como combustível para caminhões já está em vigor em diversos países do mundo e seria positiva se fosse tornada algo corriqueiro no Brasil. Entre as vantagens da tecnologia, relata o economista, estão a menor emissão de poluentes e o custo reduzido.
A implantação, entretanto, exigiria investimentos de longo prazo. Um deles seria o de dotar o Brasil de um número adequado de postos de abastecimento de gás natural liquefeito (GNL), o combustível indicado para os caminhões, que não é o mesmo dos veículos de menor porte. Outro seria o de promover incentivos fiscais que levassem à massificação dos caminhões movidos a GNL.
"Em vez de emprestar dinheiro para a manutenção de caminhões, o governo deveria investir recursos na renovação da frota, no estímulo para que os caminhoneiros comprem veículos novos e menos poluentes", declarou.
Pires, entretanto, ressalta que os problemas que envolvem os caminhoneiros só estarão solucionados quando a economia voltar a crescer. "O que não vai acontecer neste ano, já que as previsões são negativas", disse.