O governo federal apresentou um projeto de lei ao Congresso Nacional que propõe a criação de um comitê especial, composto por órgãos de Justiça e controle, para solucionar de forma rápida casos relacionados ao coronavírus. O chamado Comitê Nacional de Órgãos de Justiça e Controle concentraria em único colegiado todos os questionamentos judiciais e extrajudiciais que envolvam a pandemia.
A proposta também prevê que os processos de contratação realizados pelo poder público para o enfrentamento da Covid-19 possam ser, ao final, submetidos à chancela do ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU) e de um ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) designado pelo presidente do TCU. Depois de receber essa chancela, o processo deverá ser homologado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).
Pela proposta, o Comitê Nacional de Órgãos de Justiça e Controle seria composto por representantes dos seguintes órgãos:
- Presidente do STF, que será o presidente do colegiado;
- Procurador-Geral da República (PGR);
- Advogado-Geral da União (AGU);
- Ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU;
- Defensor Público-Geral da União.
Entre as atribuições do comitê estão prevenir ou terminar os litígios, inclusive os judiciais, relativos ao enfrentamento do coronavírus; deliberar sobre conflitos que envolvam os órgãos federais de Justiça e controle; e instituir comissões para solucionar os litígios.
Críticas ao projeto
O projeto, que ainda nem começou a tramitar na Câmara, causou a reação do Ministério Público e de órgãos fiscalizadores.
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF), encaminhou ao Congresso uma nota técnica em que classifica o projeto enviado pelo governo como uma “ameaça de devastação constitucional”.
A PFDC aponta que, mesmo em situações de exceção constitucional, como no Estado de Defesa ou Estado de Sítio, não se admite a restrição a direitos fundamentais relacionados com o acesso ao Poder Judiciário, a independência dos juízes, a autonomia do Ministério Público e da Defensoria Pública, bem como a preterição do juiz natural e, muito menos, a mitigação da separação de Poderes.
De acordo com a PFDC, a proposta do governo é inconstitucional porque viola a separação de Poderes, “na medida em que representantes de todos eles estão juntos, confusamente, para tarefas comuns, com prejuízo das competências específicas de cada qual”.
Segundo a Procuradoria, a proposição também impacta aspectos relativos ao juiz natural e ao devido processo legal porque atribui a um órgão administrativo, de composição mista, a função de resolver um conflito de interesses sem observância do processo e procedimento próprios.
Outras entidades também emitiram nota conjunta contra a proposta. “Grave, todavia, é que tal ato deverá ser praticado monocraticamente por ministro do TCU, designado pelo seu presidente, sem expressa previsão da necessidade da análise técnica, pelo órgão de Instrução tal como previsto na Lei Orgânica do TCU, omitindo-se, ainda, a necessária participação do Ministério Público de Contas que atua junto àquela Corte”, disseram os órgãos.
A nota é assinada pela Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU), Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON), Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP).
“Nessa sequência de evidentes inconstitucionalidades, são suprimidas, a um só tempo, todas as demais instâncias do Poder Judiciário abaixo do STF. Da mesma forma, suprime-se a atuação descentralizada do Ministério Público, com a concentração de funções na figura do Procurador-Geral da República, burocratizando o processo e tornando-o mais lento, na medida em que impede a ágil adoção de medidas urgentes pelos representantes do Ministério Público da União, em todos os seus ramos, bem assim o dos Estados, através de seus representantes que atuam em todo o país, próximos e conhecedores das realidades locais”, dizem, ainda, as entidades.
O que diz o governo em defesa do comitê
Na mensagem encaminhada junto com o projeto ao Congresso, o advogado-geral da União, André Mendonça, justifica a proposta afirmando que o direito à vida “tem posição destacada na ordem constitucional brasileira” e que o projeto “tem como finalidade última ultrapassar obstáculos que ponham em risco, direta ou indiretamente, a vida humana em contexto notoriamente excepcional”.
“Diante do crescimento de casos no país de infecção pela Covid-19 e da necessidade do Sistema Único de Saúde (SUS) fazer frente a uma crescente demanda de leitos, equipamentos, medicamentos, estrutura física e serviços de saúde, a exigir a adoção de medidas extraordinárias e ágeis por parte dos gestores federais, é previsível o aumento das iniciativas de questionamento por parte dos órgãos federais de justiça e controle”, explica Mendonça na mensagem.
Caso esses questionamentos sejam feitos de forma descoordenada, segundo o AGU, poderão trazer dificuldades para uma resposta ágil da administração pública à crise do coronavírus, já que muitos gestores podem acabar com medo de tomar decisões e serem responsabilizados no futuro.
“Além disso, poderá haver iniciativas contraditórias dos vários órgãos que detêm poderes fiscalizatórios, de requisição e de recomendação, gerando insegurança jurídica e comprometendo a eficiência e celeridade administrativas que o cenário de enfrentamento da crise exige”, acrescenta Mendonça.
Tramitação do projeto
O projeto de lei ainda aguarda tramitação na Câmara. Depois de ser eventualmente aprovado pelos deputados, também precisa passar pelo Senado antes de ir à sanção presidencial.
Tanto a Câmara quanto o Senado podem fazer alterações no projeto de lei encaminhado pelo governo federal.
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