| Foto: Beto Barata/PR

O governo federal considera a desconstitucionalização das regras previdenciárias um item fundamental da reforma da Previdência e deve lutar para mantê-la. A ideia é facilitar no futuro possíveis mudanças nas regras, já que, ao tirar da Constituição, o governo precisa apenas enviar um projeto de lei complementar, mais fácil de ser aprovado no Congresso.

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Mas não vai ser fácil manter essa regra na reforma. Um grupo de parlamentares já tentou excluir a medida na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e o debate voltou à tona com mais força agora, na comissão especial.

Das 277 emendas apresentadas, 125, ou seja, 45% do total tratam da desconstitucionalização e propõem mudanças nesse item, segundo levantamento da Câmara dos Deputados. Muitas pedem para deixar para definição em lei complementar somente algumas regras e requisitos, e outras são contra qualquer desconstitucionalização de regras previdenciárias.

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O tema é polêmico. Alguns economistas e especialistas em direito previdenciário consideram a retirada das regras de aposentadoria da Constituição acertada, pois dizem que é papel da Carta Magna conter somente os parâmetros e não as regras em si. A argumentação é que o governo precisa ter mais agilidade para fazer modificações na Previdência, devido às mudanças demográficas.

Uma lei complementar é mais fácil de aprovar, pois exige apenas a maioria absoluta de votos favoráveis, ou seja, 257 deputados e 41 senadores. Uma proposta de emenda constitucional (PEC), por sua vez, depende do aval de três quintos dos parlamentares – 308 deputados e 49 senadores – e duas votações.

Mas há também especialistas que são contra a medida. O argumento é que ela mexe em cláusulas pétreas e podem fragilizar o direito previdenciário, deixando-o à mercê de governos transitórios.

A divergência entre uns e outros, portanto, diz respeito ao mesmo fato: a facilidade para mudar as regras no futuro. Para os favoráveis à desconstitucionalização, essa facilidade é necessária; para os contrários, é nociva.

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O que a reforma tira da Constituição

A reforma encaminhada pelo governo retira da Constituição e deixa para definição em leis complementares diversos itens, como:

  • requisitos de acesso à aposentadoria, como idade mínima, tempo de contribuição e tempo mínimo no cargo, no caso de servidores.
  • regras de cálculo do benefício.
  • regras de reajuste do benefício.
  • regras para aposentadorias de regimes especiais.
  • regras para acumulação de benefícios.

Isso vale tanto para o regime geral (INSS, iniciativa privada), quanto para o regime público (servidores públicos federais).

O que dizem os especialistas

Para o ex-ministro da Fazenda e do Planejamento Nelson Barbosa, o governo acerta ao desconstitucionalizar esses itens, pois a Constituição deve trazer somente os princípios gerais, enquanto os parâmetros devem ficar para leis complementares.

“Em outras palavras, a Constituição deve fixar o direito à Previdência Social em sistema de repartição, cabendo às leis dizer qual é a idade mínima, o tempo mínimo de contribuição, o valor do benefício e sua relação com o tempo de contribuição, a regra de concessão de pensões por morte, a possibilidade ou não de acumular pensões e assim em diante.”, afirmou Barbosa em análise publicada do blog do Ibre/FGV.

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O consultor legislativo e especialista em Previdência Pedro Nery tem visão similar. “[A desconstitucionalização] adequa a Previdência brasileira às do resto mundo, em que tipicamente as constituições estabelecem apenas princípios e normas gerais. Aqui nossa Constituição traz detalhes como o tempo de contribuição do professor ou a alíquota de comercialização do produtor rural. A Constituição é um documento rígido, a demografia é dinâmica”, diz Nery.

Ele lembra que há parâmetros do regime geral de Previdência que já são estabelecidos por lei complementar, como o fator previdenciário, a regra 86/96 e o cálculo dos benefícios. O regime próprio, dos servidores, tem todos os critérios definidos na Constituição.

Pela reforma proposta pelo governo, todos os parâmetros, tanto do regime geral quanto do regime próprio, vão para lei complementar, o que dará mais "igualdade" aos regimes.

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Ana Paula Fernandes, vice-presidente do Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev), considera a desconstitucionalização um prejuízo ao aposentado.

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"A Constituição transmite ao direito uma maior segurança. No caso da Previdência, suas regras estão inseridas em capítulos importantes e artigos que se referem a direitos e garantias constitucionais, logo cláusulas pétreas. O que lhes garante um processo de alteração mais complexo, justamente para que não sejam tais regras alteradas, consistindo no que se chama núcleo duro da carta constitucional”, diz a especialista.

“Quando este mesmo direito sai da proteção constitucional, ele fica muito vulnerável, pois pode ser alterado por qualquer ato do Legislativo e até mesmo atos do Executivo, trazendo grande insegurança para os detentores de seus direitos”, completa.

A polêmica da capitalização por lei complementar

A reforma do governo, além de tirar da Constituição parâmetros dos regimes próprio e geral de Previdência, cria um novo regime previdenciário e deixa toda a regulamentação para lei complementar. Trata-se da capitalização, sistema em que o trabalhador recolhe para uma conta individual sua.

A reforma traz um artigo, que estará na Constituição, se aprovado, autorizando a criação do novo regime via lei complementar. Somente alguns nortes ficam na Carta Magna, como o que o novo regime será no sistema de capitalização, obrigatório somente para quem aderir, com possibilidade de conta nocional e vedação a qualquer forma de uso compulsório dos recursos por parte de ente federativo. Todos os demais pontos ficam para lei complementar.

Isso tem causado preocupação em parlamentares. “O sistema de Previdência não é uma coisa que pode estar fora da Constituição. Em parte, o governo está certo, que são nas coisas variáveis, como alíquotas, mas você não pode ter todo um sistema de Previdência fora da Constituição, porque isso tem que ser permanente”, diz o deputado Daniel Coelho (PE), líder do Cidadania na Câmara.

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“Uma possível proposta de modelo de capitalização não pode ser feita por lei complementar. Se houver intenção de fazer um debate sobre regime de capitalização, ele tem de ser feito através de uma PEC e você tem que colocar isso na Constituição, porque não pode a cada quatro ou cinco anos você mudar o sistema. Os custos são muito altos para o país”, completa o deputado.