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Em uma manobra para tentar antecipar a votação do projeto de lei que trata da taxação dos fundos exclusivos de investimentos e das aplicações feitas no exterior, o governo saiu perdendo e os líderes dos partidos decidiram cumprir o que tinha sido acordado anteriormente, e mostraram fidelidade ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL).
Na ausência de Lira, o vice-presidente da Casa, deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), que comanda a Câmara dos Deputados enquanto Lira está em agenda internacional, até tentou fazer um afago no governo e ajudar na pauta econômica defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e disse que "havia clima" para votar o projeto, mas acabou desistindo de antecipar a votação dos fundos depois de se reunir com os líderes dos partidos.
Apesar de não assumir publicamente que tenha ambições de presidir a Câmara após a saída de Lira, em 2025, Pereira é tido como um dos principais candidatos à sucessão do atual presidente, assim como Elmar Nascimento (PP-BA), e a ajuda no avanço da pauta econômica seria uma boa oportunidade de se aproximar do Palácio do Planalto.
Marcos Pereira chegou a incluir a votação dos fundos na pauta da sessão deliberativa da terça-feira (17), mas após ser dissuadido pelo colégio de líderes, divulgou nota afirmando que "considerando que este Vice-Presidente, no exercício da Presidência, consultou o Colégio de Líderes e vários líderes ponderaram pelo cumprimento do acordo. Decido não apreciar o PL 4.173/2023 para garantir o cumprimento do acordo celebrado em 4 de outubro com o Presidente Arthur Lira".
Parlamentares querem mais tempo para entender projeto que taxa super-ricos
O relator do projeto de lei que taxa os fundos exclusivos e os chamados offshore, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), disse que ainda há alguns pontos a alinhar com o governo sobre alíquotas para taxação dos investimentos. Também vai se reunir com bancadas dos partidos para tirar dúvidas sobre as mudanças pretendidas. O próprio presidente em exercício da Câmara, admitiu que o adiamento é mais uma questão política que propriamente de conteúdo do texto.
O líder do governo, José Guimarães (PT-CE), disse que "todos concordam com o conteúdo do relator, deputado Pedro Paulo, isso é que é importante. A maioria dos líderes concorda com o mérito, portanto está pacificada a votação do projeto de lei, que é uma vitória grande do governo, do país e do governo".
Já o líder da oposição, deputado Carlos Jordy (PL-RJ), afirmou que apesar de alguns partidos terem concordado em antecipar a votação, outros, como o Partido Liberal, preferiram aguardar e manter o acordo que tinha sido firmado com o presidente Arthur Lira.
PSB, Novo, PL e União Brasil, segundo Jordy, foram os partidos que defenderam o cumprimento do acordo e a votação do projeto no próximo dia 24, como tinha sido combinado, até para que os deputados possam entender melhor os detalhes do texto relatado por Pedro Paulo.
Taxação dos fundos é fundamental para aumentar arrecadação do governo, avaliam especialistas
Segundo a tributarista Priscila Farisco, da Viseu Advogados, os projetos de lei desenhados pelo governo Lula para reforçar o caixa, por mais técnicos que sejam, tem grande componente político: é um "toma lá dá cá" negocial, com muitos e grandes interesses na mesa.
Embora o projeto de lei tenha o potencial de gerar um significativo aumento na arrecadação por meio do lançamento de novas hipóteses tributárias, ele se encaixa em um contexto de amplas medidas de cunho fiscal que estão sendo debatidas pelo ministro Haddad. Isso inclui a reforma tributária, bem como a questão das debêntures de infraestrutura, entre outras iniciativas em discussão.
Vale lembrar que após a entrada do Centrão no governo Lula, e com o desembarque de novos ministros na Esplanada dos Ministérios, ainda falta definir cargos em empresas e segundo escalão, que tem despertado a cobiça dos partidos, e faz parte do jogo para compor a base aliada do governo.
É o caso da Caixa Econômica Federal. O PP quer a presidência e as 12 vice-presidências do banco, e o acerto tem encontrado resistências de alas do PT [que relutam em entregar todas as vices ao partido de Arthur Lira, como é o caso da habitação], e até do presidente Lula, que chegou a cogitar adiar as mudanças para o fim do ano. Cargos nos Correios e na Fundação Nacional de Saúde (Funasa) também ainda estão na mesa de negociação.
O professor de direito tributário Denis Passerotti também acredita que os líderes decidiram esperar a próxima semana para votar o projeto que taxa os fundos exclusivos e offshores principalmente para esperar Arthur Lira, que está fora do país, e honrar o acordo que tinha sido feito com o presidente para pautar a matéria apenas no dia 24.
Especialista em mercado financeiro e de capitais, Francisco Nogueira de Lima Neto, disse que apesar da pressão feita pelo governo, Marcos Pereira teve que concordar com o adiamento da votação e o cumprimento do acordo selado anteriormente entre líderes e Arthur Lira.
"O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira está em viagem ao exterior, sendo que tal matéria, por sua relevância e acordo firmado entre os líderes partidários, deveria aguardar o seu retorno para a inclusão na pauta de votação", pontuou.
Além disso, ele acredita que "ainda não há consenso entre os deputados sobre o texto final a ser votado, tendo em vista a ampla discussão que o tema tem gerado entre os operadores do mercado financeiro, tributaristas, governo e poder legislativo".
Oposição se beneficia do trancamento da pauta e segue em obstrução na Câmara
Como o projeto de lei que prevê a taxação dos fundos de investimento dos super-ricos e das aplicações feitas no exterior está trancando a pauta da Câmara [e nenhum outro projeto de lei poderá ser apreciado enquanto este não for analisado], a oposição ao governo não terá que fazer muito esforço para continuar o movimento de obstrução que teve início desde que o Supremo Tribunal Federal derrubou a tese do Marco Temporal, que define a data de 5 de outubro de 1988 para a demarcação de terras indígenas.
A decisão foi a gota d'água para que partidos como o PL e o Novo, com o apoio da Frente Parlamentar da Agropecuária e outras em funcionamento no Congresso decidissem protestar contra o que chamaram de "ativismo judicial" do Supremo Tribunal Federal (STF).
Com o movimento, a oposição também busca avançar na análise da chamada pauta de costumes, colocando em discussão temas como a proibição do aborto e das drogas, entre outros.
Com o trancamento da pauta, um ato da mesa permite inclusive registro de presença e votação pelo sistema eletrônico da Câmara dos Deputados, a partir desta quarta-feira. A partir da próxima semana, com a análise do projeto de taxação dos fundos, e o destrancamento da pauta, a oposição deverá fazer nova análise da obstrução.
Por enquanto, a tática utilizada pelos partidos é retardar ao máximo o início das sessões deliberativas, e depois de alcançado o quórum de 257 deputados, usar o chamado kit obstrução, por meio de questões de ordem, requerimentos de retiradas de pauta e outros instrumentos.