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O tour do presidente da França, Emmanuel Macron, no Brasil foi marcado pelo anúncio de diversas iniciativas focadas na chamada economia verde. Desde o dia 26, Macron e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tiveram uma série de agendas centradas, em grande parte, nas mudanças climáticas e na preservação ambiental.
Nos acordos e nos discursos, o Green Deal Global (Acordo Verde Global), a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), e a biodiversidade na Amazônia foram mencionados diversas vezes. Ao firmar compromissos bilaterais nesses temas, Lula e Macron deixaram claro que compartilham convicções na pauta ambiental.
Um dos anúncios que chamou atenção foi o que prevê o investimento de aproximadamente de R$ 5 bilhões em um plano de ação sobre a bioeconomia e a proteção das florestas tropicais. Nesse ponto, Lula e Macron se comprometeram a levantar recursos por meio de uma parceria financeira entre a Agência Francesa de Desenvolvimento e os bancos públicos brasileiros.
No entanto, ao mesmo tempo em que o presidente francês faz um tour pelo Brasil, a Comissão Europeia propôs a revisão da Política Agrícola Comum (Common Agricultural Policy - CAP), que propõe a transição da agricultura europeia para uma agricultura mais sustentável.
Enquanto as políticas agrícolas são flexibilizadas na Europa, parlamentares brasileiros e entidades questionaram o proselitismo do presidente francês. Para a ex-ministra da Agricultura e senadora Tereza Cristina (PP-MS), Macron é um dos maiores defensores do que chamou de “hipocrisia” da União Europeia. A crítica está relacionada às exigências impostas aos produtores europeus em oposição à série de imposições aos demais países que queiram garantir suas exportações para os membros da EUA.
Promessas de investimentos e acordos na área ambiental
Em sua passagem por Belém (PA), Macron enfatizou que as decisões tomadas junto com o Brasil são concretas. “Com o presidente Lula, decidimos lançar o Apelo de Belém, onde, juntos, vamos avançar nesse combate e tomar decisões muito concretas", afirmou Macron. Apesar da declaração, os planos e ações ainda carecem de detalhamento.
No que tange aos investimentos de R$ 5 bilhões ao longo de quatro anos, por exemplo, foram mencionados entes públicos e privados como responsáveis pelos aportes. No entanto, não houve detalhamento sobre quem são os potenciais investidores.
Ao ser questionado sobre a origem dos recursos, o Itamaraty informou que € 280 milhões (cerca de R$ 1,5 bilhão), ou 28% do valor prometido, será destinado ao Brasil por meio do BNDES.
“Em resposta aos anúncios feitos pelos presidentes Macron e Lula, a Agence Française de Développement (AFD) assinará esta semana dois acordos com o BNDES (200 milhões de euros) e com o Banco da Amazônia (80 milhões de euros), que permitirão a realização de novas operações para apoiar a economia sustentável na Amazônia”, afirmou a diplomacia brasileira à Gazeta do Povo.
Os investimentos também não serão aplicados em sua totalidade no Brasil. “Espera-se que pelo menos 50% do valor anunciado seja investido no Brasil nos próximos anos, sendo o resto investido na porção do bioma amazônico que fica em território francês (Guiana Francesa)”, explicou o Itamaraty em nota à imprensa.
Entre os compromissos assumidos, Brasil e França também devem buscar um aumento de capital do Banco Mundial, para financiar um “Green Deal Global” nas áreas de energia, infraestrutura e indústria. O Green Deal consiste em um conjunto de medidas a serem adotadas pelos países, direcionadas a modificar ações que contribuem para a emissão de gases de efeito estufa e suas consequências ao meio ambiente.
Além disso, visando a COP 30, que será realizada no Brasil em 2025, Lula e Macron se comprometeram a buscar uma “reforma profunda da abordagem sobre os mercados de carbono”. O tema ainda está em processo de criação de legislação no Brasil e é tratado como uma das prioridades do governo Lula.
Ainda sobre o mercado de carbono, em nota, a Embaixada da França mencionou a necessidade de “liberar fluxos financeiros reais em favor dos países florestais que estão genuinamente comprometidos em se tornar emissores negativos de CO2”.
Revisão da política europeia gera críticas a Macron no Brasil
Apesar dos anúncios de grandes investimentos e acordos entre o Brasil e a França, a visita de Macron foi alvo de críticas. O foco em temas como o meio ambiente e a ausência de debates sobre o acordo entre Mercosul e União Europeia ganharam destaque, já que o francês já mostrou ser um grande opositor da proposta.
A ex-ministra da Agricultura e senadora Tereza Cristina (PP-MS) usou as redes sociais para criticar Macron e expor a maneira como o tema da produção agrícola diante de questões ambientes vem sendo tratada na Europa. “Da série "Faça o que eu digo; não o que eu faço". A Comissão Europeia eliminou ontem a obrigatoriedade de os agricultores deixarem pelo menos 4% de suas terras em pousio ou preservadas. Esta é a mesma UE que não reconhece o Código Florestal brasileiro, que exige preservação de 20% a 80% (contra 4% lá!!!) das propriedades rurais e quer impor às nossas exportações regras próprias antidesmatamento”, pontuou a senadora.
Recentemente, a Comissão da União Europeia apresentou uma proposta de revisão da Política Agrícola Comum. Nessa revisão, a União Europeia prevê a flexibilização de normas ambientais e a redução de encargos para os produtores.
Enquanto isso, no Brasil, segue a pressão pelo cumprimento de exigências ambientais na produção agrícola, diante da possibilidade de barreiras para a venda dos produtos.
“Barreiras comerciais travestidas de exigências ambientais - sabemos todos. Em tempo: o presidente da França, maior defensor dessa hipocrisia europeia e militante ferrenho contra o Acordo Mercosul- UE, está hoje no Brasil. E, segundo as notícias oficiais, esse assunto, o mais importante, simplesmente não estará na pauta do encontro entre Macron e Lula”, salientou a ex-ministra da Agricultura.
O deputado estadual Rogério Barra (PL-PA) também criticou a posição de Macron. “A Comissão Europeia eliminou a obrigatoriedade dos agricultores deixarem pelo menos 4% de suas terras preservadas. [Mas] o Macron vem ao Pará impor às nossas regras próprias de antidesmatamento. São barreiras comerciais disfarçadas de exigências ambientais”, afirmou Barra em sua conta no X (antigo Twitter).
Foco na biodiversidade acende alerta sobre interesses da França
Um dos documentos assinados por Macron e Lula no Brasil se refere à retomada de acordos firmados há 16 anos. A criação do Centro Franco-Brasileiro sobre a Biodiversidade Amazônica, prevista em 2008, nunca saiu do papel, mas agora recebeu destaque dentro do programa de investimentos de R$ 5 bilhões anunciados pelos presidentes nesta semana.
Em nota, a Embaixada da França destacou que entre os objetivos do relançamento estão a criação de uma “coalizão de empresas para mobilizar recursos e apoiar projetos de pesquisa e desenvolvimento na área da bioeconomia”. O projeto teria a intenção de, dentre outras “inovações revolucionárias”, fazer o “sequenciamento de DNA da biodiversidade”.
A diplomacia francesa salientou ainda que o Centro sobre a Biodiversidade Amazônica tem o “potencial de abrir imensas oportunidades para a economia, e a adaptação da agricultura à mudança climática, por exemplo, para lidar com a escassez de água”.
Para o analista do think tank Iniciativa Dex, Samuel Souza, pode haver interesses em minérios sul-americanos por trás das pesquisas apontadas como foco dos investimentos. Souza ressaltou que a região de fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa, onde o centro deve ficar localizado, é uma área rica em terras raras.
“A França sempre teve um interesse gigante no Amapá [estado que fica na fronteira com a Guiana]. Eles [franceses] têm interesse na Foz do Rio Amazonas, no mar para prospecção de petróleo na margem equatorial e no que diz respeito à biodiversidade, pelos inúmeros minerais que existem ali”, explicou o analista.
Por outro lado, para o consultor em sustentabilidade da BMJ Associados, Felipe Ramaldes, há um grande interesse em ações de fomento relacionadas à biodiversidade. Sobre os riscos das parcerias, Ramaldes indica cautela. “Por enquanto são apenas declarações, ainda precisam evoluir para acordos formais ou serem colocados em prática nas tratativas (eventos pré-COP30, G20 etc.)”, disse o consultor.