O presidente Jair Bolsonaro chamou recentemente a ativista sueca Greta Thunberg de “pirralha”. A jovem, que se tornou uma referência internacional na militância contra o aquecimento global, criticou a política ambiental brasileira. Já o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem palavras um pouco mais suaves para a sueca. Para ele, Greta "obviamente está sendo usada" para atender "interesses" e desviar o foco dos verdadeiros poluidores do mundo: os países ricos. “Até me admira os pais permitirem que a filha tenha tamanha exposição, uma menor de idade”, acrescentou.
Salles recebeu a Gazeta do Povo, na última terça-feira (17), para uma entrevista exclusiva no seu gabinete, em Brasília. A conversa ocorreu poucos dias após o ministro retornar de Madri, na Espanha, onde participou da COP25, encontro de países para debate das mudanças climáticas no mundo.
Na opinião do ministro, o que ocorre em torno de Greta é a utilização de uma causa consensual – a preservação do meio ambiente – para o que ele chama de “disfarce da discussão comercial, de discussões econômicas, sempre rotuladas de discussões filosóficas”.
“Instrumentalizar uma pauta do meio ambiente também serve a eles [países ricos] para outra coisa, que é disfarçar a discussão sobre os combustíveis fósseis, que são os responsáveis por 80% das emissões de gás de efeito estufa no mundo. São os combustíveis fósseis. Não tem nada a ver com floresta, não tem nada a ver com agricultura. Então o que eles querem? Não se discutir combustíveis fósseis, não se discutir a necessidade de transição energética, e jogar a conta dos gases do efeito estufa para a floresta amazônica, para a agricultura”, afirmou o ministro.
Segundo Salles, o Brasil é, em muitas ocasiões, penalizado por falhas que não são de responsabilidade do país. “O mundo inteiro tem problemas. Se aponta o dedo para o Brasil muitas vezes, dizendo que tem problemas de desmatamento, mas o Brasil é um país ambientalmente muito sustentável”, disse.
"Países ricos destruíram suas florestas e são quem mais polui o meio ambiente”, diz Salles
A metralhadora verbal de Salles contra os países ricos esteve também em alta na COP25, segundo o ministro. “Nós fomos lá defender o Brasil, dizer o que nós somos realmente, dizer que os países ricos foram quem destruiu as suas florestas e quem poluiu o meio ambiente, gás de efeito estufa… foram eles. Não fomos nós”, apontou.
Na avaliação de Salles, os países ricos agem atualmente com protecionismo, por temerem a competitividade do Brasil no mercado de créditos de carbono, que é o processo de compra de bônus pela redução da emissão de gás carbono à atmosfera. “O que nós vimos lá [na COP25] foi uma estratégia claramente protecionista, criando uma série de obstáculos formais, mas que na verdade tinha como objetivo esconder, disfarçar aquela intenção de não deixar esse mercado acontecer, justamente porque nós somos muito mais competitivos do que eles”, afirmou.
Salles disse ainda esperar que seja efetivado o pagamento de US$ 100 bilhões dos países ricos aos países pobres para ações de sustentabilidade, como previsto no Acordo de Paris, pacto para combate às mudanças climáticas. “Foi essa a fatura que nós fomos cobrar”, acrescentou.
“Quem devastou toda a sua floresta nativa, praticamente, foi a Europa. Quem não tem um código florestal é a Europa. Se você olhar as construções que estão na Europa, estão tudo em cima de área de preservação permanente. Se fosse no Brasil ia ter que mandar demolir tudo”, disse.
Pobreza na Amazônia é “convite ao desrespeito às regras ambientais”
Salles reconhece que o desmatamento na Amazônia tem aumentado, mas com um adendo: “faz sete anos que vem crescendo”. O ministro relaciona os problemas ambientais da região às dificuldades socioeconômicas vividas pelos moradores. “Quais são os fatores que levam ao aumento do desmatamento da Amazônia? É a ausência de oportunidade, é a ausência de alternativa econômica, é uma fragilidade regulatória, problemas fundiários, enfim, uma somatória de problemas”.
Ele responsabiliza as gestões anteriores pelo panorama: “mais de 20 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia foram deixados para trás. A qualidade de vida dessas pessoas não melhorou, o saneamento na região não melhorou, a gestão do lixo não melhorou, a educação, a saúde, oportunidade de emprego e renda para essas pessoas não melhorou. Então faz parte do esforço do governo do presidente Bolsonaro trazer, incluir esses mais de 20 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia a um padrão de qualidade de vida, a atividades de desenvolvimento econômico sustentável, essas pessoas precisam ter emprego, precisam ter renda para viver melhor, para respeitar mais as normas ambientais. A ausência de desenvolvimento econômico na região é um convite ao desrespeito às regras ambientais”.
Um encaminhamento para a melhoria do quadro, segundo Salles, se daria com o incremento da industrialização e com a obtenção de “valor agregado” para a biodiversidade da Amazônia. “A pessoa não pode simplesmente contemplar a floresta, não ganhar nenhum centavo a partir daquilo que está lá e ainda ser impedida de trabalhar. Temos que dar para ela uma alternativa de trabalho, de oportunidades, de desenvolvimento que seja compatível com a preservação ambiental”, disse.
A entrevista completa do ministro Meio Ambiente, Ricardo Salles, à Gazeta do Povo será publicada nesta quinta-feira (19).
