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Pressão política

Greve dos prefeitos pode complicar desempenho do PT nas eleições municipais

Ministro Rui Costa
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Casa Civil, Rui Costa (Foto: Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto)

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Um protesto que foi chamado de greve dos prefeitos e paralisou administrações municipais em 16 estados brasileiros na quarta-feira (30) pode trazer dor de cabeça ao Partido dos Trabalhadores, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nas eleições municipais de 2024. O movimento teve aderência principalmente de prefeitos do Nordeste, região que votou em peso no atual chefe do Executivo.

Os gestores disseram que pararam as atividades das prefeituras por um dia e exibiram faixas de protesto. Eles reclamam da queda no repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e alegam que isso poderá refletir na suspensão da execução de obras, renegociação de pagamento junto aos fornecedores e, além disso, em corte de salários, demissão de servidores terceirizados, comissionados e até mesmo daqueles efetivos.

Para compensar a perda, eles pedem que o FPM suba 1,5% no repasse, que representaria R$ 783,4 milhões. Também requerem a redução da alíquota patronal do INSS para 8% em municípios de até 156 mil habitantes, recomposição do ICMS com R$ 458,7 milhões e atualização de programas federais defasados.

A situação dos municípios se degradou com a mudança de governo iniciada neste ano. De acordo com dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), o FPM de agosto transferiu R$ 8,6 bilhões aos município. Em agosto de 2022, o valor ficou em R$ 10 bilhões. A entidade também aponta que 51% das prefeituras estão “no vermelho”. No mesmo período do ano passado, esse percentual era de 7%.

O descontentamento dos prefeitos do nordeste chegou ao ponto em que até prefeitos da base do governo elogiaram o valor do fundo que foi repassado pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em sua gestão. “O repasse vinha (no governo Bolsonaro). Pode falar o que for. Do governo Bolsonaro ninguém pode reclamar. O repasse vinha para o município”, disse Flávio César Nogueira, prefeito da cidade de Nova Cruz, no Rio Grande do Norte

Além disso, a adesão de 203 prefeituras do Piauí acendeu um sinal amarelo no Palácio do Planalto. De acordo com o jornal Estado de São Paulo, lideranças do PT se reuniram com prefeitos do nordeste para conter o agravamento do movimento.

Já na quinta-feira (31), durante evento de lançamento do Novo PAC no Piauí, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, fez um aceno aos prefeitos alegando que o plano de investimentos proposto pelo governo, o novo PAC, contemplaria todos os entes da federação.

“Os prefeitos podem estar se perguntando o que tem para os municípios no Novo PAC e quero reforçar a informação de que no mês de setembro iremos publicar o edital de seleção para diversas obras. Os municípios poderão inscrever seus projetos para obras de proteção encostas, de melhoria habitacional, de infraestrutura urbana, no Ministério das Cidades ou projeto para construção de uma creche no Ministério da Educação, por exemplo”, disse.

A participação de prefeitos do nordeste é um evento inédito para Lula, visto que recebeu a maioria dos votos da região em 2022. O desafio para as próximas eleições pode ser observado na eleição ocorrida em 2020, quando o PT perdeu 75 prefeituras – saindo de 254 para 179. A legenda já chegou a contar com 638 prefeitos, em 2012.

O PT e os prefeitos em 2024

Segundo o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí, a movimentação dos prefeitos é inédita na história política do país.

“Eu não me lembro de ter visto isso na história política brasileira. Isso traz um impacto negativo sim para o partido do Presidente da República. Caso essa situação se mantenha com esse atraso de pagamentos, prejudicando o bom andamento das atividades das prefeituras, pode repercutir muito negativamente na campanha municipal. Esse descontentamento das prefeituras do Nordeste é bastante significativo, porque a região era a fortaleza inexpugnável do lulopetismo”, disse Elton.

E acrescentou: “Não me parece que seja uma situação incontornável, não me parece que seja algo que mina em definitivo a hegemonia do Partido dos Trabalhadores, mas causa uma rachadura. E muitas vezes, para infraestruturas políticas sólidas, basta uma rachadura para que os adversários possam explorar”

Para o professor Adriano Cerqueira, docente na Universidade Federal de Ouro Preto, o entrave gerado pelo repasse pode atrapalhar a estratégia do PT em reforçar a base de prefeitos.

“O fato dos repasses dos tributos para as prefeituras estarem sendo considerados insuficientes, e atingindo principalmente o Nordeste, cria uma pressão na estratégia eleitoral do PT de aumentar o número de prefeitos eleitos pela legenda. Isso abre espaço para que a oposição cresça junto a esses municípios. A eleição municipal tem um aspecto mais local do que propriamente nacional e o que o governo federal pode fazer é melhorar a relação financeira com o município para garantir a sua permanência.”

Ele acrescenta lembrando que as eleições municipais possuem forte influência nas eleições gerais, quando são escolhidos presidente e governadores.

“Nesse sentido, a influência de lideranças locais, regionais, tende a ser mais expressiva que a do próprio governo federal. As eleições municipais do ano que vem, como toda eleição municipal, tende a marcar uma tendência para as eleições de 2026.”

O cientista político Antonio Henrique Lucena, professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) lembrou que a dependência das prefeituras com o governo federal exerce forte influência no pleito eleitoral.

“Temos que lembrar que cidades pequenas são muito dependentes da prefeitura e principalmente de atuações do executivo local, seja de contratação, coisa dessa ordem, porque boa parte da economia exatamente depende desses recursos (Fundo de Participação dos Municípios). Então isso pode afetar, inclusive eleitoralmente, boa parte da base do PT, gerando severas críticas e obviamente a perda da própria prefeitura que é algo que ninguém”, disse.

O sociólogo Eduardo Matos de Alencar, autor do livro De quem é o Comando? O desafio de governar uma prisão no Brasil (Ed. Record, 2019), observa a mudança na lógica da destinação dos recursos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para o governo do presidente Lula.

"Durante o governo Bolsonaro, houve um aprofundamento dos repasses para municípios via legislativo (emendas impositivas, emendas do relator etc), num movimento de fortalecimento do Centrão. Porém, também o aumento de repasses do governo federal, com mais concessão de autonomia para os entes federados, que correspondeu àquele lema do mais Brasil e menos Brasília", explica o sociólogo.

Ele acrescenta que a movimentação dos prefeitos pode ser aplacada por uma liberação por parte do governo.

“É muito provável que esse movimento de paralisação provoque uma a resposta de abrirem mais canais para financiamento dessas prefeituras, como a inclusão delas em programas de financiamento, em obras, etc. Então isso é o mais provável que aconteça. Agora isso não quer dizer que esses prefeitos vão estar na base eleitoral do PT no ano que vem, porque o arranjo aí é outro”, disse.

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