Pouco mais de um mês após a instalação do governo de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os grupos temáticos (GT) começaram a divulgar as primeiras avaliações preliminares sobre diversas áreas. Os relatórios têm como objetivo identificar possíveis problemas, verificar os projetos em andamento e apresentar sugestões para mudanças nas estruturas governamentais e até revogação de atos e portarias. A transição vetou a divulgação completa das avaliações sob a justificativa de que os documentos contêm informações sensíveis repassadas por ministérios e órgãos de controle.
A expectativa é de que no próximo domingo (11) seja feita a entrega do relatório final de cada grupo setorial para a coordenação da transição. Além de um panorama definitivo da situação atual do governo, o plano é apresentar sugestões de propostas para execução nos primeiros 100 dias do governo Lula.
"Vamos fazer um documento organizando o cenário de diagnóstico, as emergências orçamentárias. Elas são muitas. Cada vez que a gente vem aqui tem uma emergência", disse o coordenador dos grupos da transição, Aloizio Mercadante.
Ainda de acordo com ele, os grupos técnicos de alguns setores estão enfrentando maiores dificuldades, pois alguns ministérios do governo Bolsonaro estariam dificultando o acesso às informações. "Tem sido desigual o relacionamento com os ministérios", afirmou.
Saúde vai propor revogação de decretos
Considerado um dos grupos temáticos mais sensíveis da transição, o GT da Saúde apresentou recentemente uma série de medidas que serão tomadas pelo novo governo Lula. A expectativa, segundo integrantes da transição, é de que haja um "revogaço" em atos relacionados à saúde da mulher e à saúde mental.
Entre as sugestões, o GT da Saúde propõe acabar com decretos que, na avaliação dos integrantes da transição, dificultam o acesso ao aborto em situações já previstas em lei. Entre elas, uma portaria editada em 2020 que obriga os médicos a avisarem a polícia ao atender vítimas de estupro que desejam realizar um aborto legal.
Além disso, o grupo informou que não recebeu por parte do Ministério da Saúde informações sobre o estoque de medicamentos e vacinas para Covid-19 e outras doenças. "Não é possível esperar até 1º de janeiro. Medidas precisam ser tomadas agora. É uma desorganização total. O ministério distribui as doses, mas não sabe onde elas estão nem o prazo de validade", disse o sanitarista Arthur Chioro, ex-ministro da Saúde e integrante do GT.
Para abastecer o GT da Saúde de informações, o ministro Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), determinou que a Corte fizesse um levantamento sobre os estoques de medicamentos e vacinas em todos os estados. O documento entregue pela Corte informa que faltam recursos para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Com isso, o senador Humberto Costa (PT-PE), coordenador do grupo da Saúde, informou que é necessário suplementar o orçamento em pelo menos R$ 22,7 bilhões para 2023. De acordo com Costa, o dinheiro depende da aprovação da PEC fura-teto.
Educação pode rever o programa que criou as escolas cívico-militares
Em outra frente, a GT da Educação elencou a recomposição das verbas para a merenda e o transporte escolar como ação emergencial para o novo governo. Havia a expectativa de que o grupo fizesse uma apresentação preliminar do relatório com as prioridades do setor, mas a divulgação acabou sendo adiada pela coordenação da transição.
Membros do grupo, no entanto, já indicam que o orçamento desenhado para 2023 e entregue ao Congresso Nacional pelo governo Bolsonaro “não é capaz de recompor essas questões”. A expectativa é de que o grupo defenda a ampliação de verbas para o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e a recomposição do orçamento de universidades e institutos federais.
Outro ponto discutido pelo grupo é a possibilidade de rever decretos que permitiram a criação das escolas cívico-militares. Com o programa, militares da reserva passaram a atuar no apoio à gestão escolar e educacional de alunos dos ensinos fundamental e médio, ao passo que professores e demais profissionais da educação ficaram responsáveis pelo trabalho didático-pedagógico. Entre 2019 e 2021, 127 escolas em todo o país adotaram esse modelo e outras 75 começaram o processo de adesão neste ano.
Esse modelo educacional, no entanto, é criticado por integrantes do grupo técnico da Educação. Para eles, o método não é eficaz, sobretudo por uma suposta falta de formação adequada dos militares escalados para atuar nas escolas.
Desenvolvimento Regional não tem verbas para emergência em Defesa Civil
O GT do Desenvolvimento Regional afirmou em seu relatório preliminar sobre a falta de orçamento para Defesa Civil e obras emergenciais contra enchentes, que costumam ocorrer no início do ano. De acordo com o GT, a principal preocupação está na área de emergências hídricas, especialmente com a probabilidade de enchentes de verão que costumam ocorrer em diferentes pontos do país.
"Para acionamento da Defesa Civil em janeiro, não temos nenhuma dotação orçamentária. Para dizer que não tem dotação orçamentária para Defesa Civil e contenção de encostas, ela é de R$ 2 milhões, insuficiente para uma enchente em uma cidade do interior do país", disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), coordenador do grupo.
De acordo com ele, será preciso um diálogo com o Congresso Nacional para que recursos sejam realocados para esse setor. Randolfe alega que os recursos da pasta foram fragmentados nas chamadas emendas de relator, também chamado de orçamento secreto, desestruturando as ações da área de Desenvolvimento Regional.
"Precisamos dialogar com o Parlamento, e com o relator do orçamento. Em princípio, talvez nem seja necessário margem na PEC da transição. Temos dinheiro. O dinheiro está deslocado, não está alocado no que é função discricionária e funções centrais da União, nos fundos constitucionais, nas obras hídricas, obras de revitalização, na política habitacional. Precisamos fazer realocações orçamentárias nessas áreas", explicou.
Desenvolvimento Social fala em acionar Bolsonaro por abuso de poder com o Auxílio Brasil
Já o grupo do Desenvolvimento Social, responsável pelas discussões sobre programas de distribuição de renda, diz ter detectado indícios de abuso de poder econômico durante as eleições por meio do Auxílio Brasil. Com isso, o GT pretende acionar Bolsonaro em diversas instâncias e órgãos de fiscalização, como Ministério Público, Tribunal de Contas da União e Controladoria-Geral da União.
Segundo a equipe de Lula, Bolsonaro incluiu 2,5 milhões de pessoas pouco antes da eleição no programa. Esses benefícios deverão passar por revisão e, se irregulares, serem retirados pelo futuro governo. A partir de 2023 o Auxílio Brasil vai voltar a se chamar Bolsa Família.
"[Vamos] chegar a uma relação [de casos], e a denúncia estaremos encaminhando para Ministério Público, CGU, Justiça Eleitoral e para as autoridades cabíveis. O processo pode gerar inclusive inelegibilidade de algumas autoridades públicas se comprovar que elas tinham relação direta ou tinham fim eleitoreiro", afirmou a senadora Simone Tebet (MDB-MS).
Ainda de acordo com o grupo, houve um esvaziamento de políticas de cisternas, distribuição de cestas básicas e de acolhimento de pessoas vulneráveis em centros de referência. "Nós de fato encontramos uma situação de absoluta calamidade e desespero", afirmou a ex-ministra Márcia Lopes.
Desenvolvimento Agrário quer orçamento de R$ 5 bi para eventual ministério
O núcleo de Desenvolvimento Agrário da equipe de transição de governo defendeu em seu relatório preliminar a recriação de um ministério para a área com orçamento de até R$ 5 bilhões para 2023. "Serão três grandes desafios: recompor o orçamento de programas que foram esvaziados, enfrentar a inflação de alimentos, por meio do aumento da oferta, e combater a fome, que atinge 33 milhões de brasileiros", afirma o deputado Pedro Uczai (PT-SC), coordenador do grupo.
Segundo o relatório, a pasta teria secretarias para tratar de temas como agricultura familiar, agroecologia e cooperativismo solidário. A recriação da pasta, no entanto, tem forte oposição do grupo técnico da Agricultura.
Agricultura defende ampliação das linhas de crédito para os produtores
Numa tentativa de reaproximação de Lula com o agronegócio, o GT que trata da Agricultura no governo de transição tem ouvido integrantes do setor para entregar as demandas ao presidente eleito.
"Tivemos, felizmente, a participação de 99% das entidades de classe, só a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, a CNA, não esteve presente, mas todas estão participando", disse a senadora Kátia Abreu (PP-TO), uma das coordenadoras do grupo. A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) também não compareceu.
Entre as propostas, o GT já defendeu que o novo governo faça uma redução de taxas de juros do Pronaf (agricultura familiar), Pronamp (médios) e Inovagro (financiamento de programas de inovação e qualificação profissional). Propôs ainda a criação de linhas de crédito para produtores comprometidos com metas de recuperação ambientais; a redução de juros a produtores que promovem produção com baixa emissão de carbono e a redução de taxas para financiamento de tratores e colheitadeiras.
Meio Ambiente quer a revogação de decretos feitos por Bolsonaro
Outro tema considerado prioritário para o novo governo, o grupo do meio ambiente propôs uma série de revogações de decretos assinados por Bolsonaro ao longo dos últimos anos. O GT defende, por exemplo, a suspensão de portarias do Ibama que, na avaliação da transição, dificultam a fiscalização e a aplicação de multas pelos agentes ambientais.
“A tarefa não é pequena. Medidas imediatas: fortalecer o Ibama. Segundo a revogação de decretos. Alguns são os que impedem aplicações de multas. Outros impedem a fiscalização de madeiras”, disse o ex-ministro Carlos Minc.
O grupo pediu ainda a revisão do programa “Adote um Parque”, que foi lançado pelo ex-ministro Ricardo Salles, como forma de retirar unidades de conservação ambiental e repassá-las para a iniciativa privada. Também pediu a reativação do Fundo Amazônico e a recomposição do conselho do fundo com representantes da sociedade civil.
Minas e Energia quer revisar política de preços da Petrobras
Defendida por Lula, a revisão da política de preços da Petrobras foi elencada como prioridade pelo GT de Minas e Energia. O grupo é contra o modelo atual de precificação dos combustíveis, em que a estatal adota a paridade com o mercado internacional em dólar e sujeito a flutuações.
O grupo pretende ainda rever o plano de venda de ativos da Petrobras. Em outra frente, o grupo quer cancelar projetos de usinas térmicas que foram incluídas em texto "jabuti" na lei de privatização da Eletrobras. Os aliados de Lula defendem ainda a suspensão da proposta para construção da rede de gasodutos (Brasduto).
Decretos sobre armas devem ser revogados pela Segurança Pública
Outra promessa de campanha de Lula, a revogação de decretos e portarias que facilitaram a compra e o acesso às armas também será proposta pelo GT da Segurança Pública. A expectativa é de que o grupo proponha, dentro de um programa de desarmamento, a possibilidade de a União comprar as armas de quem tiver em quantidade acima do permitido por lei.
"Temos o tema das armas que vamos debater intensamente, sobretudo as regras de transição entre o regime vigente e o novo regime. Vamos fazer um debate a respeito das armas longas para ver exatamente o gradualismo que haverá na adequação entre o regime novo, que põe fim ao 'liberou geral', e o regime ainda vigente que permite, infelizmente, a formação dos arsenais privados”, defendeu o senador eleito Flávio Dino (PSB-MA), coordenador do grupo.
O GT defende ainda a criação de uma diretoria, dentro da Polícia Federal, para tratar de Crime Ambientais. O foco dessa atuação será na Amazônia. O relatório do grupo diz também que foi detectado uma redução no orçamento do serviço de monitoramento e proteção das fronteiras, além do combate do crime organizado pelo governo Bolsonaro.
Trabalho sugere retirada da reforma administrativa do Congresso
O Grupo Técnico do Trabalho na transição irá sugerir a retirada da proposta de emenda constitucional (PEC) da reforma administrativa em tramitação no Congresso. A proposta já foi aprovada em comissão especial da Câmara, mas a ideia do GT é criar uma comissão que trate do assunto pelo novo governo.
O grupo defende ainda a separação da área em dois ministérios: Trabalho e Emprego, e Previdência. Será proposto ainda a retirada, no Congresso Nacional, do projeto de lei que trata da carteira verde amarela, além da instituição de uma comissão para discutir a possibilidade de mudanças de algumas regras trabalhistas.
“Não tem [no grupo] aquela ideia de um revogaço da reforma trabalhista. É uma revisão de pontos, ver o que está funcionando, o que não está, o que precisa ser recolocado”, explicou o deputado Rogério Correia (PT-MG).
GT quer pasta exclusiva para as mulheres
O grupo técnico das Mulheres na transição irá propor que o novo governo priorize dois temas para enfrentamento: violência doméstica e violência política contra as mulheres. Além disso, o grupo defendeu a recriação do Ministério das Mulheres, separado dos Direitos Humanos.
De acordo com a avaliação do GT, o atual governo promoveu um desmonte orçamentário no setor, colocando em risco, por exemplo, o funcionamento da Central de Atendimento à Mulher, canal dedicado a atender vítimas de violência doméstica. "Houve um desmonte incalculável no âmbito das políticas públicas, no âmbito orçamentário e da mudança de concepção de mulher para família. Isso tem vários decretos que confirmam", disse a ex-ministra Eleonora Menicucci.
Sobre o orçamento da pasta, Eleonora não citou números, mas afirmou que “nós vamos propor a volta dos recursos que tínhamos”. Segundo a equipe do GT, o setor tem apenas R$ 23 milhões previstos no Orçamento de 2023, o que representa 10% do recurso alocado em 2015, ainda no governo de Dilma Rousseff.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF