O Banco Central reduziu recentemente, de 33% para 31%, o chamado recolhimento compulsório – dinheiro que os bancos são obrigados a "entregar" à autoridade monetária – dos depósitos a prazo. Com isso, liberou R$ 16,1 bilhões para que as instituições financeiras utilizem em operações financeiras, como empréstimos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou, logo na sequência, que essa seria a primeira de uma série de liberações de compulsórios que somariam mais de R$ 100 bilhões.
“Nós estamos encolhendo o crédito público e melhorando a alocação de recursos, expandindo o crédito privado”, declarou o ministro em 27 de junho. O BC, no entanto, emitiu nota informando que a redução dos compulsórios faz parte de sua agenda, mas que não há definições de prazos e montantes. O comunicado do banco diz que a instituição "não antecipa decisões ou regulações".
O compulsório é a parcela de dinheiro dos clientes que os bancos não podem usar em operações de crédito e fica retida no Banco Central. É uma reserva de segurança para que haja um montante mínimo de recursos caso grande parte dos clientes decida sacar seus investimentos. Ao mesmo tempo, esse bloqueio é usado como política monetária, para regular a quantidade de dinheiro disponível no mercado e assim influenciar inflação e taxas de juros.
Parte do dinheiro retido pelo BC – aquela referente a depósitos a prazo e cadernetas de poupança – é remunerada, mas as taxas são inferiores ao rendimento que os bancos obtêm ao fazer empréstimos, por exemplo. Assim, quanto maior o compulsório, maior tende a ser o juro que os bancos cobram de seus clientes, para compensar a remuneração relativamente baixa do dinheiro retido. Em sentido inverso, uma redução no compulsório poderia permitir a cobrança de juros mais baixos de empresas e consumidores.
O impacto na economia
O impacto na economia da liberação prometida por Guedes tende a ser limitado. Mas pode significar um sinal de que o país caminha para uma maior liberdade aos bancos, seguindo na mesma direção que diversos países que já diminuíram drasticamente ou até eliminaram os depósitos compulsórios de sua legislação.
“O crédito total disponível no Brasil é de R$ 3,3 trilhões atualmente. A liberação de R$ 100 bilhões representa um acréscimo de apenas 3% neste montante. E ainda ficaremos na dependência de como os bancos decidirão investir esse montante”, explica o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Sandro Silva.
Procurada, a Federação Nacional dos Bancos (Febraban) disse que “não comenta propostas do governo que ainda estejam em discussão”. Mas um ex-presidente da entidade, na condição de não ser identificado, disse que a redução gradual, até a extinção, dos compulsórios é uma luta antiga da federação.
“É um dinheiro que o cliente investe no banco e vai de graça para o Banco Central. Não é utilizado para ele ter rendimento, o que torna o dinheiro muito caro no Brasil. Para ter dinheiro em caixa, os próprios bancos têm de ter suas reservas, não entregá-las ao Banco Central”, disse.
Esse ex-executivo também considera a liberação de R$ 100 bilhões relativamente pequena perto do tamanho do mercado de crédito. A questão é que, independentemente do tamanho, neste momento não está faltando dinheiro para os bancos emprestarem. O que pode ocorrer é algum barateamento para quem já tem acesso a crédito.
"Hoje o mercado está muito líquido, está sobrando dinheiro para todas as instituições. Ninguém tem problema de dinheiro. Os bancos, hoje, captam o quanto querem", disse. "Não é uma medida para os bancos terem mais dinheiro para emprestar. O cidadão comum continuará sem crédito no banco. É uma medida para tornar o crédito, para quem tem, mais barato."
Para Silva, do Dieese, a liberação do compulsório anunciada por Guedes é paliativa e seu impacto tende a ser pouco expressivo, em especial porque neste momento boa parte da população não tem acesso a crédito – seja ele caro ou barato – ou por estar endividada, ou por ter um trabalho informal ou mesmo desempregada.
"A grande questão é para quem os bancos vão emprestar esse dinheiro. As pessoas que estão em situação difícil, desempregadas, endividadas, não têm crédito. Então, essa medida só poderá beneficiá-las indiretamente, contando que as empresas que tenham crédito resolvam emprestar esse dinheiro para movimentar a economia, para crescer, para empregar mais", avalia o economista. "Mas, neste momento, dificilmente esse recurso será usado para isso. Os próprios bancos devem destinar esse recurso para operações de menor risco."
Uma vez que o montante liberado não é tão expressivo perante o volume de crédito disponível no país, o economista disse não ver riscos de a liberação de mais dinheiro vir a causar inflação e, com isso, desvalorização do real.
Outros países vêm abandonando o compulsório
A retenção de parte dos depósitos foi usada em sistemas bancários de todo o mundo para garantir essa reserva em caixa para saques imprevistos. Mas, desde a virada do século, quando os sistemas financeiros se modernizaram e passaram a contar com mercados dinâmicos e eficientes para negociação de títulos de renda fixa de emissão pública ou privada, o depósito compulsório foi aos poucos sendo deixado de lado em vários países. A partir daí, o encaixe mínimo passou a ser controlado pela exigência de aplicações em ativos líquidos que pudessem rapidamente ser monetizados, para fazer face a saques não previstos.
O Brasil já havia reduzido, nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer, as alíquotas de retenção, mas os patamares seguem muito acima da média mundial. Hoje, o Banco Central retém, além dos 31% dos depósitos a prazo (que não podem ser sacados a qualquer momento), 21% dos depósitos à vista (que podem ser sacados a qualquer momento) e 20% da poupança, enquanto na média mundial a retenção é de apenas 3%.