O inesperado e brutal ataque perpetrado pelo Hamas no último sábado (7) – o mais grave em solo israelense nas últimas cinco décadas – acentuou a polarização política interna de diversos países, inclusive no Brasil. Os conservadores no Congresso reagiram de imediato, exigindo que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de orientação esquerdista, adotasse outra postura, com clara e energética condenação ao grupo extremista armado. A principal exigência desses deputados e senadores de diferentes partidos tem sido a oficialização em todos os canais diplomáticos brasileiros do termo “terrorista” para caracterizar o Hamas.
Em paralelo a essa ação coordenada, os representantes da direita no Parlamento brasileiro, cuja maioria é de centro-direita, viram serem reforçados alguns de seus argumentos de combate a visões contemporizadoras pautadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) em razão das imagens chocantes dos eventos recentes no Oriente Médio. Para analistas, o explícito alinhamento a Israel de parlamentares, seja por razões religiosas ou por afinidade com a democracia daquele país no contexto de sua região, facilitou e fortaleceu a reação contra o Hamas.
O professor Sergio Denicoli, da AP Exata, afirmou no último dia 6, em seu blog no Estadão, que enquanto a esquerda domina setores importantes, como universidades e entretenimento, a direita tem encontrado espaço em redes sociais e outros ambientes comunitários para defender sua visão. “A direita tem investido não apenas na guerra política, mas também na guerra cultural, criando [uma] infinidade de canais próprios de difusão de informação. Isso tem ajudado a consolidar o movimento conservador como algo identitário”, sublinhou. Uma de suas bandeiras mais significativas no momento se refere à proteção física e social das crianças.
Hamas dá à direita no Congresso mais uma frente de mobilização
Sob a liderança do PL, a direita congressual tem mobilizado as bancadas evangélica, do agro e da segurança para fazer frente ao governo petista em diferentes temáticas, sobretudo a dos costumes. Esse movimento ganhou impulso nas últimas semanas com a reação do Legislativo contra o ativismo do Supremo Tribunal Federal (STF), associado à pauta de setores progressistas e do Planalto. Para completar, o conflito em Israel deu mais um importante incentivo e foco à atuação dos conservadores.
Não apenas foram apresentadas várias iniciativas legislativas para forçar o governo a mudar o tom de seu discurso, incluindo a convocação dos ministros da área, com destaque para o chanceler Mauro Vieira, mas também de moções de apoio a Israel e de alertas para a necessidade de sanção sobre apoiadores internacionais do Hamas. Para a professora de Relações Internacionais Natália Fingermann, do Ibmec-SP, essa reação tem um tom mais político que prático, pois a legislação brasileira já tipifica ações de terrorismo cometido em solo nacional e a atuação diplomática pelo Congresso é apenas complementar à reservada pela Constituição ao governo federal.
O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, que tem contendas com os conservadores em questões como aborto e outras pautas de costumes, também foi um dos principais alvos de cobrança. Os parlamentares da direita cobraram dele condenação pública contra o terrorismo do Hamas, que vitimou centenas de civis inocentes de diferentes nacionalidades, inclusive brasileiros.
Outro alvo foi o assessor especial de Lula para assuntos internacionais, Celso Amorim, que enalteceu o papel do Hamas no resgate dos direitos do povo palestino na apresentação que escreveu para "Engajando o mundo: a construção da política externa do Hamas", livro do britânico Daud Abdullah.
A partir da política externa do país, a guerra entre Israel e o Hamas evidenciou questões que entraram em definitivo na pauta política brasileira, como a orquestração de blocos internacionais de países autocráticos, associados ou não a grupos criminosos e terroristas. A assertividade da direita nesta questão, contra a inclinação mais conhecida da esquerda, tem potencial não apenas de constranger o governo petista, mas também de motivar rachas no próprio campo de apoio de Lula. As declarações de líderes petistas dos últimos dias dão uma mostra disso.
Petistas e aliados modulam o discurso para conter desgaste
Simultaneamente ao engajamento da direita, cresceu também a pressão sobre o Executivo e sobre os líderes do PT e de seus partidos aliados da esquerda, como o PSol, para repararem o seu discurso e suas ações de apoio histórico à causa palestina e até ao próprio grupo terrorista. Esse ajuste começou a ser feito de maneira pragmática, mas também fomentou embates internos.
Logo após a ofensiva do Hamas, Lula publicou nota na qual, sem citar o nome do grupo, usou a expressão “ataques terroristas” para caracterizar o ocorrido. No mesmo texto defendeu a coexistência pacífica de Israel e de um Estado palestino independente, conforme a tradicional posição da diplomacia brasileira. O uso do adjetivo "terrorista", contudo, produziu uma reprimenda disfarçada de José Dirceu, ex-ministro e influente líder do PT, que viu nesse ponto um equívoco e uma contradição de Lula.
Analistas acreditam que a postura dúbia do presidente pode ter sido uma forma de não afrontar ainda mais os evangélicos, público que, em nível mundial, está cada vez mais envolvido com o sionismo judeu por justificativas bíblicas e históricas, além de ter peso eleitoral e nas votações no Congresso. Basta ouvir os pronunciamentos em plenário para se perceber o nível crescente de tensão.
Na segunda-feira (9), os deputados Lindbergh Farias (PT-RJ) e Carla Zambelli (PL-SP) bateram boca, tomando partido um da Palestina e outro de Israel. Na terça (10), o deputado Guilherme Boulos (PSol), pré-candidato a prefeito de São Paulo, discursou em favor do grupo terrorista palestino, mas condenou a morte de civis. Ele temia repercussões eleitorais após verificar uma onda de críticas contra ele e o PSol, partido que tem feito manifestações públicas pró-Hamas, condenando Israel.
Petistas influentes têm sido criticados por ambos os lados da polarização. Em 2021, figuras de peso do partido assinaram uma carta contra a designação do Hamas como organização terrorista e, por isso, eles têm sido alvo de críticas em redes sociais. Entre eles estão os ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Paulo Pimenta (Comunicação Social). Ambos procuraram minimizar seu posicionamento para não ampliar o desgaste.
Por outro lado, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) prestou solidariedade às “vítimas do atentado terrorista em Israel” e foi alvo de condenação nas redes. O senador Jaques Wagner (PT-BA), que é judeu e líder do governo no Senado, foi criticado dentro do seu partido e nas redes sociais depois de condenar as mortes de civis em Israel. Em 2009, ele apoiou, juntamente com o ministro Fernando Haddad (Fazenda), carta assinada contra nota oficial do próprio PT que havia chamado ataques israelenses em Gaza de “terrorismo de Estado”, semelhantes a “práticas nazistas”.
Gleisi condena ataque do Hamas e descarta ligação com o grupo
Mesmo diante de crescentes pressões, a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), condenou na terça-feira (10) a “brutalidade” do governo israelense aos ataques terroristas na Faixa de Gaza em “dimensões de genocídio”, defendendo uma solução a partir da “desocupação dos territórios palestinos”.
Ela acabou tendo de se posicionar contrariamente às acusações da direita que apontavam laços do seu partido com o Hamas. “Sou presidente do PT há sete anos e nunca me encontrei com qualquer integrante do Hamas”, ressaltou. A deputada chegou a chamar o ataque do Hamas aos israelenses de “ato terrorista”, mas que temia “uma violência ainda maior de Israel como resposta”.
A autocontenção da esquerda deverá continuar. O servidor da Câmara Sayid Tenório, que trabalhava com o deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA), foi demitido após a repercussão de seus deboches a uma vítima sequestrada pelo Hamas. Ele também era secretário parlamentar na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara, posto do qual foi exonerado.
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