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"Racha"

Impasse sobre guerras ofusca agenda de Lula no G20 para combater a fome e taxar super-ricos

Aposta de Lula sobre taxação dos super-ricos não deve prosperar no G20 (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

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Divergências sobre as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza entre os países do G20 têm pressionado o Brasil durante sua presidência do bloco. O grupo reúne as 20 maiores economias globais mais a União Europeia e a União Africana. Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o "racha" é prejudicial ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que busca apoio dos países-membros para alavancar uma iniciativa de combate à fome e outra para a taxação dos super-ricos.

Nesta quarta-feira (24), o petista fez o pré-lançamento da Aliança Global Contra a Fome. O projeto busca coordenação internacional para mobilizar recursos financeiros com a intenção de implementar e a ampliar ações e políticas de combate à desigualdade e à pobreza. A plataforma pretende ainda ligar regiões necessitadas a países e entidades que se propõem a financiar projetos locais.

A iniciativa contou com aprovação unânime do G20, porém sem muitos países comprometidos em fazer aportes financeiros em prol das iniciativas propostas pela Aliança. Além do Brasil, o Banco Mundial declarou seu compromisso com a iniciativa nesta quarta (24), durante cerimônia de pré-lançamento no Rio de Janeiro.

De acordo com o cientista político Adriano Cerqueira, a divisão enfrentada pelo bloco dificulta a adoção de iniciativas internacionais, o que pode justificar a baixa adesão dos países ao projeto. "Podem ter declarações conjuntas ou oficialização do interesse dos países em aderir à iniciativa, mas acho que nada de muito sério vai sair [do G20] nesses próximos meses", explica.

"Nenhuma parte quer ser contra o combate à fome e à pobreza. Entretanto, você comprometer uma parte do seu orçamento ou se comprometer com o financiamento de mais uma instituição multilateral, atualmente, têm encontrado barreiras. O momento atual tem encontrado pouca disponibilidade de investimento, principalmente saindo de países desenvolvidos para países em desenvolvimento", pontua Vito Villar, analista de política internacional da BMJ.

Apesar da baixa adesão desta quarta (24), os países têm até novembro, quando acontece a Cúpula de Líderes do G20, para indicarem sua participação "oficial" na iniciativa lançada por Lula, mas não serão considerados "membros-fundadores".

O governo brasileiro, contudo, já se comprometeu em arcar com a metade dos custos administrativos da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, algo em torno de US$ 9 milhões a US$ 10 milhões até 2030. O organismo terá duas sedes, em Brasília e em Roma, na Itália, na sede da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

O restante dos recursos, de acordo com o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome do Brasil, Wellington Dias, virá dos demais governos dispostos a colaborar.

Ideia de Lula para taxar super-ricos também pode sofrer impasses no G20

O impasse entre os países do bloco pode atrapalhar ainda outra iniciativa que Lula tenta emplacar no G20: a taxação dos super-ricos. O projeto se transformou na principal bandeira da ala econômica do governo Lula e propõe uma taxa mínima de 2% em pagamento de impostos anuais à parcela bilionária da população mundial.

O tema, por exemplo, já não é consenso para os Estados Unidos. O país enviou a secretária do Tesouro, Janet L. Yellen, para agendas no G20 e ela já se posicionou contra iniciativas para taxação de bilionários. Em entrevista ao jornal americano Wall Street Journal, em maio, Yellen disse que acredita em uma "tributação progressiva" e não apoiará nenhum "acordo global comum".

Yellen se reuniu com seu homólogo no Brasil nesta quarta (24), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e outros membros da Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos.

Os analistas avaliam ainda que o G20 se encontra em um momento de paralisia devido às mudanças geopolíticas. "Qualquer proposta agora vai ficar a "fogo lento". Ninguém vai arriscar nada nesse momento e vai todo mundo esperar o dia 5 de novembro para ver o que vai ser definido em termos das eleições norte-americanas", avalia Adriano Cerqueira.

Vito Villar chama atenção ainda para as mudanças políticas que estão acontecendo na Europa e também na União Europeia, grandes potências que influenciam em decisões de países em desenvolvimento.

G20 está dividido sobre as guerras

O Ministério das Relações Exteriores reconheceu o impasse no bloco sobre as guerras em um comunicado divulgado na segunda-feira (22): "Alguns membros e outros participantes expressaram suas perspectivas sobre a Rússia e a Ucrânia e a situação em Gaza. Alguns membros e outros participantes consideraram que essas questões têm impacto na economia global e devem ser tratadas no G20, enquanto outros não acreditam que o G20 seja fórum para discuti-las".

Em busca de uma solução para o impasse e para colocar fim à paralisia do grupo sobre as guerras, a pasta se comprometeu a discutir, no âmbito do G20, as situações na Faixa de Gaza, em decorrência do conflito entre Israel e Hamas, e na Europa, em razão da guerra entre Rússia e Ucrânia.

O analista de política internacional da BMJ Consultores Associados, Vito Villar, relembra que o bloco se manteve inerte nos últimos dois anos desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, em 2022. "Embora seja o grupo das 20 economias mais ricas do mundo, o G20 possui opiniões diversas e isso faz com que os países nem sempre fiquem confortáveis em questionar abertamente aliados políticos ou regionais", pontua.

Indonésia e Índia, os dois últimos países que presidiram o G20, evitaram abordar o conflito em cúpulas do bloco. As duas últimas presidências também não conseguiram chegar a um consenso sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia nas respectivas cúpulas. Em 2022, sob a presidência da Indonésia, o bloco se mostrou amplamente dividido sobre o tema. Na declaração conjunta, os países admitiram a existência de um impasse sobre o conflito.

"A maioria dos membros condenou veementemente a guerra na Ucrânia e enfatizou que ela está causando imenso sofrimento humano e exacerbando as fragilidades existentes na economia global [...] Houve outras visões e avaliações diferentes da situação e das sanções. Reconhecendo que o G20 não é o fórum para resolver questões de segurança, reconhecemos que as questões de segurança podem ter consequências significativas para a economia global", disse o grupo em 2022.

Já no ano passado, quando a Índia estava à frente do G20, a declaração final da Cúpula de Líderes não condenou a Rússia pela invasão à Ucrânia. No documento, assinado por todos os membros do bloco, as nações concordaram que “todos os Estados devem abster-se da ameaça ou do uso da força para procurar aquisição territorial”, sem fazer referências à Rússia.

"O G20 não é um bloco homogêneo, nunca foi. Mas isso também nunca foi motivo para paralisados as discussões dentro dele. Acho que é a primeira vez que a gente tem essa falta de consciência generalizada: agora com a guerra na Ucrânia e também com a guerra na Faixa de Gaza, que divide opiniões muito fortes entre os membros do grupo", pontua Villar.

Estados Unidos querem discutir guerras; China e Rússia, não

O tema sobre as guerras não reflete apenas na divisão do G20, mas também implica nas discussões promovidas pelo bloco. Nos últimos dois anos, discussões sobre o conflito foram evitadas, mas após o início da guerra entre Israel e Hamas, em outubro do ano passado, o grupo se viu ainda mais pressionado a discutir os conflitos, sobretudo o Brasil, que assumiu a presidência em dezembro e receberá a Cúpula de Líderes no Rio de Janeiro, em novembro.

Os Estados Unidos, por exemplo, apoiam a iniciativa de se discutir os conflitos entre os membros do bloco. Durante sua passagem de Janet L. Yellen pelo país, a representante do governo americano tem a intenção de promover conversas sobre as guerras na Europa e no Oriente Médio com representantes de outros países.

"Durante o G20, a secretária Yellen reafirmará o compromisso dos EUA com a Ucrânia, destacando os esforços do governo Biden para apoiar a defesa ucraniana, negando a Rússia o acesso de recursos financeiros e armamentos que sustentam seu conflito ilegal, e responsabilizando a Rússia por suas ações", informou a Embaixada dos Estados Unidos.

"Enquanto estiver no Brasil, ela [Janet L. Yellen] também coordenará com os homólogos do G20 para conter as atividades desestabilizadoras do Irã e abordar as consequências humanitárias e econômicas do conflito no Oriente Médio", disse ainda o comunicado do governo estadunidense.

Há países, contudo, que são contra a discussão sobre as guerras no G20, sob o entendimento de que o bloco não "resolve questões de segurança". A principal oposição parte da Rússia e da China, nações que também integram o G20.

Nas duas últimas cúpulas de líderes, sediadas em Bali e Nova Déli, os dois países vetaram determinações sobre a guerra na Ucrânia. No encontro realizado entre os presidentes do bloco na Indonésia, em 2022, a China se recusou a chamar a agressão russa à Ucrânia de "invasão", ou até mesmo de "guerra", e também evitou condenar Moscou pelo conflito.

A China se tornou a principal parceira da Rússia desde 2022, quando o ditador russo Vladimir Putin ordenou a invasão à Ucrânia. Os dois países têm unido forças contra as nações democráticas do Ocidente e estão tentando criar um nova ordem mundial através do Eixo China-Rússia, que conta com Irã e Coreia Norte.

Guerras são impasse entre Lula e o Ocidente

O presidente Lula vinha evitando discutir as guerras na Europa e no Oriente Médio nos últimos meses, principalmente com nações ocidentais. Os posicionamentos do petista têm incomodado ao Estados Unidos e membros da União Europeia.

Washington e as nações europeias têm fornecido apoio militar à Ucrânia desde que o país foi invadido pela Rússia e se posicionaram ao lado de Israel após os ataques terroristas do Hamas. Lula, por outro lado, fez acenos ao ditador Vladimir Putin e incisivas críticas à contraofensiva israelense na Faixa de Gaza. O brasileiro também condenou os esforços dos países do Ocidente em apoiar a Ucrânia.

Em declarações, Lula acusou americanos e europeus de incentivarem o conflito. "É preciso que os Estados Unidos parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz, para a gente convencer o Putin e o Zelensky de que a paz interessa a todo mundo e a guerra só está interessando, por enquanto, aos dois", disse Lula no ano passado durante uma coletiva em Pequim.

"A paz está muito difícil. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, não toma iniciativa de paz, o Zelensky não toma iniciativa de paz. A Europa e os Estados Unidos terminam dando a contribuição para a continuidade desta guerra", disse Lula posteriormente à imprensa nos Emirados Árabes Unidos.

Neste ano, durante a Cúpula de Líderes do G7 (bloco das maiores economias democráticas do mundo formado Alemanha, Canadá, Itália, Estados Unidos, França, Japão e Reino Unido), o posicionamento divergente de Lula sobre as guerras o afastou das discussões do bloco sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia.

O Brasil adotou uma iniciativa junto à China em busca de uma solução para a guerra em curso na Europa. O documento não prevê a retirada das tropas russas do território ucraniano ou a devolução da área invadida à Ucrânia, mas defende que cúpulas para discutir o conflito na Ucrânia contem com a participação de invasor e invadido, ou seja, Rússia e Ucrânia.

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