Se você já ouviu um ou mais integrantes do governo de Jair Bolsonaro (PSL) falarem que o Brasil é líder em preservação ambiental no mundo e não sabia de onde saiu essa informação, pode apostar que tem relação com o trabalho do agrônomo Evaristo Eduardo de Miranda. Já há quem o considere um tipo de guru ambiental de Bolsonaro.
Pesquisador da Embrapa desde os anos de 1980, Miranda defende que o Brasil destina 66,3% de sua área para a proteção e preservação de vegetação, em uma conta que inclui unidades de conservação, terras indígenas e de quilombolas, além das áreas de preservação dentro de imóveis rurais.
A tese é contestada por cientistas no Brasil e mundo afora, que alegam um tipo de contabilidade criativa para essa conta. Contudo, os estudos de Miranda ganharam espaço dentro do governo. O próprio presidente Bolsonaro já usou essa argumentação ao falar da questão ambiental logo no início do mandato, durante o Fórum Econômico Mundial. E, de lá para cá, assuntos relacionados ao meio ambiente são dos principais fatores geradores de polêmica dessa gestão.
Guru ambiental do governo
Miranda é chefe da Embrapa Territorial, empresa na qual está há quase 40 anos. Mas ele não é "apenas um guru ambiental": também é estudioso de hebraico e colabora ativamente com o Instituto Ciência e Fé. Além da formação em agronomia, com doutorado em ecologia e publicação de livros e artigos sobre o tema, já se aventurou em outras áreas. Publicou o livro “Bíblia: história, curiosidades de contradições”, em que responde a questionamentos sobre o texto. Essa área o interessa: ele também já publicou o livro “Guia de Curiosidades Católicas - Causos, Costumes, Festanças e Símbolos Escondidos no seu Calendário”, sobre o qual falou em entrevista a Jô Soares.
Chamado para atuar na equipe de transição de Bolsonaro, que cogitou unir os ministérios do Meio Ambiente e Agricultura, ele declinou do convite para assumir o comando da pasta. Mas sedimentou um trabalho que está repercutindo entre governistas de primeiro escalão e a família do presidente. “Meio Ambiente será um assunto de Estado, e não de governo”, disse à revista Globo Rural, à época da transição.
Meio ambiente na mira
É fato que o atual governo tem outra maneira de tratar o assunto, aproximando ainda mais o meio ambiente da questão agrícola. E é aí que Miranda entra: esse vem sendo seu discurso há anos e que acabou sintetizado no livro “Tons de Verde”, lançado no ano passado e que discute a sustentabilidade da agricultura no Brasil. O assunto, aliás, é volta e meia comentado pelo agrônomo, que apresentou muitos desses dados no Fórum de Agricultura da América do Sul, realizado em agosto de 2018, Curitiba.
Na apresentação, que teve piadinha com a cor vermelha escolhida para mostrar áreas de preservação em uma alusão ao PT, Miranda já usava o bordão de que era melhor “já ir se acostumando”, muito usado por apoiadores de Bolsonaro no período de campanha. E explanou seu ponto de vista sobre o uso das terras brasileiras para agricultura. “O Brasil, que era grande, ficou pequeno porque tem muita terra atribuída no Brasil”, sintetizou no começo da sua fala.
O vídeo viralizou, e dá para ver que argumentos usados pelo atual governo já estavam lá. Miranda começa apresentando mapas que mostram áreas que são unidades de conservação (1.871 áreas, na época), terras indígenas e quilombolas. Esse conjunto do território faz parte das áreas protegidas dos países, de acordo com a ONU.
De acordo com a apresentação de Miranda, 30% da área brasileira se enquadra nessa categoria. Ele vai além: diz que só dez países possuem mais de dois milhões de quilômetros e a média de área protegida é de 10%. “Eu não sei se é muito ou se é pouco esse 30%, mas é o campeão. Apanhar dizendo que o Brasil não protege as suas florestas, a sua vegetação nativa, é um absurdo”, argumentou.
"O Brasil, que era grande, ficou pequeno porque tem muita terra atribuída no Brasil”
Evaristo Miranda, chefe da Embrapa Territorial, durante palestra
Para chegar aos 66,3% de áreas que não podem ser usadas para a agricultura, Miranda ainda somou os assentamentos do Incra, terras devolutas, imóveis não cadastrados e áreas militares, perfazendo uma área equivalente a 48 países europeus.
“É o mapa que a gente tem que mostrar pros europeus, porque eles planejam o que não executam e depois avaliam o que não fizeram. É o que fazem com o Brasil o tempo todo”, disse. E também cutucou a Noruega, tão em voga por causa do Fundo Amazônia e retenção de repasses de verbas para o governo brasileiro.
Para Miranda, há um movimento internacional claro para forçar a cultura da preservação ambiental no Brasil em detrimento do avanço da agricultura. Citou como exemplo o estudo americano “Farms here, forests there” [Fazendas aqui, florestas lá, em tradução livre], que mencionava um mercado adicional de alimentos no mundo, de US$ 40 bilhões nos próximos 20 a 30 anos.
Ele só não comentou que o estudo circula entre parlamentares brasileiros pelo menos desde 2010, quando já se discutiam alterações no Código Florestal. Naquela época, a projeção apontava que os agricultores americanos poderiam ganhar até US$ 270 bilhões em 2030 com a redução do desmatamento nos países tropicais.
Derrubando mitos
O discurso de Miranda foi atualizado com o passar dos anos, mas não é propriamente novo: em entrevistas antigas, ele já defendia vários desses pontos. Em 2011, para a TV Cultura, declarou que a biodiversidade brasileira é uma das grandes maravilhas do mundo. E falou sobre a região amazônica. Para ele, o país precisava aprender a preservar a biodiversidade em um espaço rural heterogêneo, promovendo um melhor uso das tecnologias, agredindo menos o meio ambiente, reduzindo queimadas e o uso de agrotóxicos.
“Você tem 25 milhões vivendo na Amazônia. Essas pessoas querem comer, tem necessidades. Então é fundamental para preservar a floresta amazônica que a gente intensifique a agricultura, que a gente cresça verticalmente, que a gente produza mais no mesmo lugar sem ter de ampliar a área”, afirmou.
E ele já falava isso há mais tempo. Uma entrevista de 2006, ao jornal O Estado de S.Paulo, mencionava a necessidade de derrubar mitos, como a Amazônia ser o pulmão verde do mundo e que se a região é desmatada, depois se torna um deserto. “Essa ideia tem a ver com a falta de tecnologia, com a agricultura de índio, de quem não cuida da terra”, afirmou. Logo depois, defendeu o modelo agrícola usado em Mato Grosso, que considera “extremamente ecológico”, por ser um sistema que explora a tecnologia e protege o solo.
De lá para cá, fica mesmo a defesa ao produtor agrícola. “Quanto à preservação da vegetação nativa, qual agricultura no mundo dedica tanta área de seu território à preservação ou exige uma contribuição, nesse sentido, da magnitude da exigida dos agricultores brasileiros? Não há no Brasil nenhuma categoria profissional que preserve tanto o meio ambiente como os agricultores”, anotou em um artigo publicado em 2017.
Em entrevista ao jornal Universidade, do Instituto Ciência e Fé, publicada em maio do ano passado, ele reafirmou a admiração pelos agricultores. “Eles imobilizam um enorme patrimônio fundiário pessoal nisso, algo da ordem de R$ 3 trilhões. E ainda têm custos para evitar incêndios, roubo de madeira, invasões. Todos esses custos e gastos precisam ser estimados e conhecidos pelo cidadão urbano”.
Para ele, o “cidadão urbano” tem muito o que aprender com os produtores rurais em termos de preservação, porque não vê esforço equivalente nas cidades em termos de consumo consciente, saneamento básico e poluição. Coincidência ou não, a atual gestão do Ministério do Meio Ambiente diz que sua prioridade é tratar do meio ambiente urbano. E já lançou mais de um programa nessa direção.
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