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O contato que o hacker Walter Delgatti Neto teve com as Forças Armadas para investigar a segurança das urnas eletrônicas no ano passado foi superficial e faz parte de um procedimento padrão adotado por setores de inteligência militares, segundo fontes ouvidas pela Gazeta do Povo.
Delgatti foi condenado, na última segunda-feira (21), a passar 20 anos na prisão por violar e divulgar comunicações dos integrantes da Operação Lava Jato. Os vazamentos de informações basearam o processo de desmonte da principal operação anticorrupção do país.
O criminoso disse na semana passada, sem apresentar provas em sessão da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos de 8 de janeiro, que teria ajudado militares ligados ao Ministério da Defesa a elaborar o relatório do sistema eletrônico de votação. O documento em questão foi feito no ano passado e não apontou fraudes nem descartou riscos das urnas eletrônicas na época. Mas o depoimento de Delgatti está sendo usado no momento por adversários do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para atacá-lo.
O hacker foi encaminhado para o Ministério da Defesa a pedido do ex-presidente, segundo afirmou na CPMI e conforme a defesa de Bolsonaro confirmou. Isso porque Delgatti teria apresentado ao ex-mandatário "questões técnicas" sobre as urnas que ele não sabia analisar. Daí o encaminhamento para a Defesa, que analisava o assunto para preparar o relatório.
Mas, segundo fontes ligadas à cúpula das Forças Armadas ouvidas pela reportagem, Delgatti teve apenas um contato preliminar com militares envolvidos na elaboração do relatório. A possibilidade de que ele tivesse informações que pudessem ajudar no relatório teria sido descartada prontamente.
Segundo uma fonte da cúpula das Forças Armadas ouvida pela reportagem, é relativamente comum que fontes e alegados informantes procurem as instituições militares para oferecer ajuda ou trazer informações relacionadas ao cenário nacional. Todos são ouvidos e passam por uma avaliação padrão já no primeiro contato. As informações são então classificadas por ordem de credibilidade e conteúdo, e os militares decidem quais delas serão levadas para instâncias superiores da cadeia de comando.
No jargão do setor, todos os dados externos recebidos pelas Forças Armadas são chamados de "informes" e passam por uma classificação de credibilidade e conteúdo, antes de virar informação. Somente depois disso é decidido se a informação será aproveitada e repassada para instâncias mais elevadas da cadeia de comando, o que não teria ocorrido no caso de Delgatti.
Segundo uma fonte militar, o hacker não teria mostrado "cacife" ou capacidade técnica suficiente para agregar conhecimento ao relatório sobre o sistema informatizado nas eleições brasileiras. Provavelmente, os dados passados por ele foram tratados como "fonte não idônea e informe não confiável", conforme a classificação feita.
De acordo com esse procedimento padrão, não seria ilegal ouvir o hacker, já que ele anunciava ter expertise em sistemas de informática. Até denúncias anônimas que possam ajudar setores de inteligência ou missões das Forças Armadas são consideradas antes de serem descartadas.
Os informes geralmente são feitos por escrito e depois de tratados. Um ponto considerado é a fonte do informe, que pode ser classificada desde "não idônea" até "altamente confiável". Se aquele informe é então confirmado por mais fontes, ele passa a ser considerado "informação". Depois, a informação passa por um processo de análise e se torna conhecimento de "inteligência".
Alegações de hacker dão falsa impressão de tentativa de conluio
O processo de coleta de informes e transformação em inteligência não justifica por si só nenhuma narrativa de conluio, como tentou sugerir o hacker. Ele deu a entender que Bolsonaro, a deputada Carla Zambelli (PL-SP) e integrantes da campanha do ex-presidente teriam solicitado que ele forjasse a invasão de uma urna eletrônica. Ambos negaram tal alegação.
Segundo o presidente do think tank Instituto Brasil Soberano, Marcio Amaro, Delgatti não teria credibilidade para interferir em um relatório sério como o que foi produzido pelo Exército sobre a segurança das urnas eletrônicas.
Ele lembra que o hacker é acusado por vários crimes, e inclusive foi condenado nesta segunda-feira (21) a 20 anos de prisão por invadir celulares de autoridades no âmbito da Operação Spoofing, que investiga o vazamento de conversas de procuradores que coordenavam a Operação Lava Jato.
Amaro diz que é até possível que Delgatti tenha feito contatos na Defesa. Mas, considerando a experiência de militares formados por escolas como Instituto de Tecnologia da Aeronáutica e o Instituto Militar de Engenharia, com competência reconhecida, o alegado hacker não poderia acrescentar conhecimento sobre o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas.
Defesa pede informações à Polícia Federal sobre envolvimento de militares com hacker
Procurada pela Gazeta do Povo, a assessoria de imprensa do Ministério da Defesa informou que o ministro José Múcio Monteiro Filho enviou ofício à Polícia Federal solicitando os nomes dos militares que teriam se reunido com o hacker Delgatti Neto e informações sobre as apurações.
Delgatti está preso em Araraquara desde o início do mês, dessa vez acusado de tentar invadir o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), missão encomendada, segundo ele, pela deputada Carla Zambelli (PL-SP).