O ministro Alexandre de Moraes deve ganhar um aliado na busca pela regulamentação das redes sociais via Judiciário, caso Flávio Dino seja autorizado pelo Senado a ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF). O atual ministro da Justiça, nos 11 meses em que comanda a pasta, se mostrou um defensor da ampla moderação dos conteúdos nas redes sociais e entrou em embates acalorados com as Big Techs.
Advogado especialista em liberdade de expressão, André Marsiglia lembra que Dino já defendeu a criminalização das redes sociais e do discurso de seus usuários, com ameaças explícitas às plataformas de rede social e estímulos a que críticos do governo sejam processados pelo Estado. “Não foi um político amigável à liberdade de expressão e acredito que não o será como ministro do STF”, opina.
O especialista acredita que, se for confirmado pelo Senado, Dino será aliado de Alexandre de Moraes no STF nessas pautas. Somente em 2023, o magistrado bloqueou perfis de parlamentares, como o de deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), de jornalistas, como Guilherme Fiuza e Rodrigo Constantino, e do influenciador Monark, para citar alguns exemplos.
Ainda que não se possa dizer como Dino se comportará, a tendência é de que ele busque agir nas negociações de bastidor e acompanhe o posicionamento de Moraes. “Sua atuação provavelmente será mais política, nos bastidores, articulando com os demais poderes a aprovação, por exemplo, do PL2630/20 (das fake news) e outras legislações que possam tornar o discurso livre nas redes sociais alvo de controle das instituições”, avalia Marsiglia.
O deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS) também acredita que, se de fato assumir a cadeira no STF, Dino manterá sua busca pela “regulamentação” das redes para barrar a liberdade de expressão.
“Flávio Dino bloqueia seus opositores no Twitter, uma atitude sem respaldo na Constituição que impõe o respeito ao princípio da transparência por todas as autoridades públicas. Ao negar à oposição a possibilidade de saber o que ele diz no seu Twitter [agora X], já demonstra que ele tem uma aversão à atuação da oposição e, como ministro do STF, isso sem dúvida isso tende a se acentuar”, afirma o parlamentar.
STF como ator para garantir regulação de internet e redes sociais
Nos 11 meses de sua gestão à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Dino não se furtou a dar provas de que a postura contrária ao livre discurso pode encontrar respaldo no STF. Em maio deste ano, o ministro afirmou que se o PL 2630/2020, conhecido como o PL das Fake News, não fosse votado, que o STF teria meios para forçar tal regulação, seja pelo Congresso, seja pela própria Corte.
“Se o Congresso eventualmente não conseguir votar a lei, o Supremo pode eventualmente declarar a inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet e, com isso, nós temos um vazio que vai se produzir e que deverá ser suprido por uma regulação feita, ou pelo próprio Supremo, ou pela via legal”, afirmou em entrevista ao site UOL.
De fato, a possibilidade de que o STF venha a intervir na regulação das redes não é novidade. Em maio deste ano, esse era um argumento que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP - AL), utilizava para tentar convencer os deputados a votar favoravelmente ao PL 2630/2020.
Atualmente, há dois processos que correm no Supremo e que podem fazer com que sejam feitas modificações no artigo 19 do Marco Civl da Internet - o mesmo citado por Dino.
Segundo o artigo, as empresas de tecnologia só podem ser punidas por uma postagem ofensiva – pagando indenização à vítima da ofensa –, caso descumpram uma ordem judicial de remoção daquele conteúdo. O objetivo é proteger a liberdade de expressão e a reservar ao Judiciário o papel de avaliar se publicações feitas pelos usuários das redes são ou não ilícitas.
Com sua revisão, no entanto, o STF poderia determinar que, em algumas situações específicas, a plataforma também poderá responder e, portanto, ser punida independentemente de ordem judicial caso mantenha no ar conteúdos que incentivem “atos antidemocráticos”, que representem ofensas ou supostas ameaças a autoridades e instituições; que divulguem “fatos sabidamente inverídicos” ou “gravemente descontextualizados” sobre o processo eleitoral; que contenham “discursos de ódio”, que promovam racismo, homofobia, preconceito de origem, raça, sexo, cor e idade; bem como divulguem ideologias “odiosas”, como nazismo e fascismo.
Empresas tem o direito de divulgar seu posicionamento sobre projetos no Congresso
À época da votação do PL 2630/2020, tanto Google quanto outras empresas de tecnologia, como o Telegram, haviam publicado textos explicando seus argumentos contrários à legislação. No blog da empresa, o diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas do Google Brasil, Marcelo Lacerda, elencou uma série de argumentos que mostravam como a nova lei poderia prejudicar a internet no Brasil.
Dentre as questões apresentadas, Lacerda afirmou que, da forma como foi redigido, o PL favoreceria empresas que produzem desinformação, ao limitar a aplicação das políticas e termos de uso das plataformas; prejudicaria a distribuição de conteúdo, ao vincular as licenças de veiculação a entidades de gestão coletiva; e limitaria a livre divulgação de informações, ao estabelecer uma entidade reguladora autônoma, uma espécie de ministério da verdade, que com funções de monitoramento e regulação da internet.
No dia 2 de maio, a partir da tese de que a atuação das empresas consistia em “abuso do poder econômico” para impactar a votação do PL, Alexandre de Moraes ordenou que o Google e outras plataformas retirassem do ar propagandas contrárias ao projeto. Ele também determinou que a Polícia Federal tomasse depoimentos dos presidentes de Google, Meta (Facebook, WhatsApp e Instagram), Spotify e da Brasil Paralelo em razão de suas críticas à proposta legislativa.
Contrário a esse tipo de intervenção, Van Hattem afirma que as empresas, incluindo as Big Techs, também devem ter liberdade de expressão para se posicionarem, pois dependem da credibilidade que constroem junto aos seus consumidores e clientes. “Tolher a liberdade de expressão das empresas sobre aspectos importantes de mudanças legais que podem afetar os seus serviços é tolher, em última análise, a liberdade do consumidor de eleger qual o melhor serviço ou produto que vai consumir”, disse.
Outro ponto questionado pelas Big Techs foi a falta de debate qualificado sobre o tema. Naquele momento, as empresas alegaram que nem sequer foram chamadas para discutir o texto da proposta. Dino rebateu as acusações, dizendo que elas haviam sido chamadas a participar de reuniões no Ministério da Justiça e, por essa razão, considerou o posicionamento das empresas como “desleal”.
Mesmo com o histórico de controvérsias, até o momento, a indicação de Dino não parece ter gerado qualquer reação nas Big Techs. A Gazeta do Povo procurou o Google e a Meta para se pronunciarem a respeito dos possíveis desdobramentos para a liberdade de expressão, mas as empresas não se pronunciaram até o fechamento desta reportagem.
Ainda em maio, a Câmara retirou a votação do PL 2630/2020 da pauta, diante da possibilidade de que não fosse aprovado pela Casa. Desde então, o andamento da matéria segue sem definições no Congresso.
Impedimento de manifestações da direita e monitoramento de perfis nas próximas eleições
Outro momento no qual Dino revelou as razões pelas quais busca regular a internet foi durante a abertura do 59º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) realizado em julho deste ano. O ministro afirmou que o governo queria regular as redes sociais em razão das plataformas serem utilizadas para “divulgar ideias da direita e do poder econômico”.
Com a proximidade das eleições no próximo ano, sua visão nada conciliadora com a oposição pode acentuar a tendência a restrições para divulgação das ideias e projetos de candidatos da direita. Mas, de acordo com Marsiglia, é pouco provável que ele impacte decisivamente a “já muito rígida posição do STF sobre censura a perfis de usuários”.
“O recrudescimento de uma postura mais severa da Corte ocorrerá, independente de Dino, nas próximas eleições de 2024 e, sobretudo, nas presidenciais de 2026. Novamente teremos a atuação do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] protagonizando o debate público e político e as fake news como justificativa para toda e qualquer censura”, afirma.
Segundo o especialista, enquanto as redes sociais tiverem um papel decisivo no processo eleitoral brasileiro, o STF e o TSE não permitirão que a garantia constitucional da liberdade de expressão seja desfrutada de forma plena nas redes. Sobre Dino, ele ainda diz que, “na avaliação fria, pode-se esperar sua atuação política, mas não há como prever o que ocorrerá”.
Em sua primeira visita ao Senado após a indicação ao STF, em busca de sua aprovação na sabatina que será realizada em 13 de dezembro, Dino afirmou que ministro do STF não tem lado político.
“Para mim, nessas matérias não existe governo ou oposição. Esse é um tema do país. Quem vai ao STF – ou pretende, ao vestir uma toga– deixa de ter lado político. Para mim, não olho se é governo ou oposição, mas olho para o país e para a instituição”, afirmou o ministro.
Por sua vez, em artigo publicado na sexta-feira (1º) no jornal O Estado de S. Paulo, Alexandre de Moraes e o ministro do TSE André Ramos Tavares defendem o papel tanto da Suprema Corte quanto do Tribunal na regulação das redes - pelo menos no que diz respeito a questões eleitorais.
"Hoje, no Brasil e no mundo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está na vanguarda do combate à desinformação, com normas e comandos decisórios robustos, definindo as regras do jogo democrático para os candidatos na era digital. Assim, lembre-se da decisão do TSE que equiparou as redes digitais aos meios tradicionais de comunicação, o que foi essencial para responsabilizar candidatos infratores informacionais", afirmam.
Ao tratar dos riscos advindos do uso indiscriminado da Inteligência Artificial (IA) e de uma determinação do Tik Tok de banir determinados conteúdos gerados por IA, ambos os ministros afirmam que trata-se a autorregulação, que [...] embora bem-vinda, não oferece a mesma segurança jurídica de um direito uniforme para todos e no interesse de todos, que não dependa apenas de uma bondade voluntariosa e volátil de cada plataforma digital".
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