O índice de homicídios no Brasil caiu 12% em 2018 em relação ao ano anterior, segundo o Atlas da Violência divulgado nesta quinta-feira (27) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Ao todo, 57.956 pessoas foram assassinadas no país – uma taxa de homicídios de 27,8 para cada 100 mil habitantes.
Os pesquisadores chamam a atenção para a reversão da tendência de aumento das mortes no Norte e Nordeste e o aumento da velocidade de queda de assassinatos no Sul e Sudeste do país. Enquanto entre 2016 e 2017 a taxa de homicídios diminuiu em 15 estados, em 2018 a queda de letalidade foi observada em 24 estados brasileiros. Outros dois estados apresentaram aumento inferior a 10%.
Os dados foram obtidos através do Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde. O número registrado em 2018 foi o menor em quatro anos, segundo o Atlas da Violência.
Veja os principais pontos destacados no Atlas da Violência para o ano de 2018
- O país registrou 57.956 assassinatos em todo o país em 2018, uma queda de 12% na comparação com 2017.
- Jovens entre 15 e 29 anos representaram 53,3% do total de homicídios.
- 75,7% das vítimas de assassinatos no país são negras.
- Enquanto a taxa de homicídio de negros cresceu 11,5% na última década, entre não negros houve redução de 12,9%.
- Em 2018, uma mulher morreu assassinada a cada duas horas no país.
- 68% das mulheres mortas são negras, a taxa é praticamente o dobro na comparação com não negras.
- Em dez anos, a taxa de homicídio de mulheres negras cresceu 12,4%; já a taxa de homicídio de não negras caiu 11,7% no período.
Os estados que mais apresentaram aumento nas taxas de homicídios em 2018 em relação ao ano anterior foram Roraima (51,3%) e Amapá (7%). Segundo o Atlas da Violência, “certamente, a violência nesses dois estados foi influenciada pela relação com os países vizinhos”. Já os estados com com maior diminuição na taxa de homicídios foram Acre (-24,4%), Pernambuco (-22,9%) e Espírito Santo (-22,6%).
No caso do Acre, o relatório aponta a trégua na guerra entre facções criminosas no estado e os investimentos em segurança pública feitos pelo governo estadual. Em Pernambuco, a trégua na guerra das facções também explica a queda.
Já no caso do Espírito Santo, os pesquisadores ressaltam que houve uma diminuição gradativa das taxas a partir de 2010, como consequência dos investimentos, da reforma do sistema penitenciário e da criação do Programa Estado Presente. Em 2017, houve aumento dos homicídios no estado, atribuído ao período de greve da Polícia Militar, em fevereiro, quando 215 pessoas foram assassinadas. “Entende-se que o movimento de redução de homicídios em 2018 possui relação com a recomposição da tendência anterior de diminuição da letalidade no estado”, analisam os pesquisadores.
Veja a taxa de homicídios do Brasil e por estado (assassinatos/100 mil habitantes)
Unidade geográfica | Taxa/2017 | Taxa/2018 | Variação (%) |
Brasil | 31,6 | 27,8 | -12 |
Acre | 62,2 | 47,1 | -24,4 |
Alagoas | 53,7 | 43,4 | -19,3 |
Amapá | 48 | 51,4 | 7 |
Amazonas | 41,2 | 37,8 | -8,3 |
Bahia | 48,8 | 45,8 | -6,1 |
Ceará | 60,2 | 54 | -10,4 |
Distrito Federal | 20,1 | 17,8 | -11,2 |
Espírito Santo | 37,9 | 29,3 | -22,6 |
Goiás | 42,8 | 38,6 | -9,7 |
Maranhão | 31,1 | 28,2 | -9,5 |
Mato Grosso | 32,9 | 28,7 | -12,8 |
Mato Grosso do Sul | 24,3 | 20,8 | -14,3 |
Minas Gerais | 20,4 | 16 | -21,4 |
Pará | 54,7 | 53,2 | -2,7 |
Paraíba | 33,3 | 31,1 | -6,6 |
Paraná | 24,4 | 21,5 | -11,7 |
Pernambuco | 57,2 | 44,1 | -22,9 |
Piauí | 19,4 | 19 | -2,5 |
Rio de Janeiro | 38,4 | 37,6 | -2 |
Rio Grande do Norte | 62,8 | 52,5 | -16,5 |
Rio Grande do Sul | 29,3 | 23,8 | -18,7 |
Rondônia | 30,7 | 27,1 | -11,7 |
Roraima | 47,5 | 71,8 | 51,3 |
Santa Catarina | 15,2 | 11,9 | -10,1 |
São Paulo | 10,3 | 8,2 | -20,3 |
Sergipe | 57,4 | 49,7 | -1,3 |
Tocantins | 35,9 | 36,7 | 2 |
Causas da queda do número de homicídios
Os pesquisadores apontam uma série de fatores que ajudam a explicar a queda no número de assassinatos no Brasil em 2018. “Do ponto de vista institucional, elementos importantes surgiram, em 2018, no tema das políticas públicas de segurança pública: a criação do Ministério da Segurança Pública, a aprovação da legislação criando o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), e a instituição do Plano Decenal de Segurança Pública (PDSP)”, escrevem.
O Atlas também apresenta outros fatores para a redução. Entre eles estão:
- A mudança no regime demográfico, que fez diminuir substancialmente, na última década, a proporção de jovens na população.
- O Estatuto do Desarmamento, que freou a escalada de mortes no Brasil e que serviu de mecanismo importante para a redução de homicídios em alguns estados, como São Paulo, que focaram fortemente a retirada de armas de fogo das ruas.
- Políticas estaduais de segurança, que imprimiram maior efetividade à prevenção e ao controle da criminalidade violenta em alguns estados.
- Diminuição do conflito entre facções criminosas, principalmente em seis estados do Norte e Nordeste.
- Piora substancial na qualidade dos dados de mortalidade, em que o total de mortes violentas com causa indeterminada (MVCI) aumentou 25,6%, em relação a 2017, fazendo com que tenham permanecido ocultos muitos homicídios.
Jovens são mais da metade dos assassinados no Brasil em 2018
O Atlas da Violência mostra que a taxa de homicídios entre jovens em 2018 foi o dobro da taxa média no Brasil. Ao todo, 30.873 pessoas de 15 a 29 anos foram assassinadas. Enquanto a taxa de homicídios geral no país é de 27,8 para cada 100 mil habitantes, entre os jovens essa taxa sobe para 60,4 a cada 100 mil.
O Atlas da Violência mostra que 53,3% do total de vítimas de assassinato em 2018 eram jovens. Apesar disso, os números de 2018 indicam um cenário melhor em comparação ao ano anterior: diminuição de 13,6% na taxa e de 13,7% nos números absolutos.
De 2008 a 2018, a taxa de jovens assassinados no país aumentou 13,3%, passando de 53,3 homicídios a cada 100 mil jovens para 60,4.
Homicídios foram a principal causa dos óbitos da juventude masculina em 2018, responsável pela parcela de 55,6% das mortes de jovens entre 15 e 19 anos; de 52,3% daqueles entre 20 e 24 anos; e de 43,7% dos que estão entre 25 e 29 anos.
Para as mulheres nessa mesma faixa etária, a proporção de óbitos ocorridos por homicídios é consideravelmente menor: de 16,2% entre aquelas que estão entre 15 e 19 anos; de 14% daquelas entre 20 e 24 anos; e de 11,7% entre as jovens de 25 e 29 anos.
Na comparação com as taxas das demais faixas etárias, contudo, é possível afirmar que a causa morte por homicídio atinge mais as mulheres e homens jovens do que indivíduos de qualquer outra faixa de idade.
Violência contra a mulher
Em 2018, uma mulher foi assassinada no Brasil a cada duas horas, totalizando 4.519 vítimas, o que representa uma taxa de 4,3 homicídios para cada 100 mil habitantes do sexo feminino. Seguindo a tendência de redução da taxa geral de homicídios no país, a taxa de homicídios contra mulheres apresentou uma queda de 9,3% entre 2017 e 2018.
Embora 2018 tenha apresentado uma tendência de redução da violência letal contra as mulheres na comparação com os anos mais recentes, ao se observar um período mais longo no tempo, é possível verificar um incremento nas taxas de homicídios de mulheres no Brasil e em diversas unidades da federação.
Entre 2008 e 2018, o Brasil teve um aumento de 4,2% nos assassinatos de mulheres. Em alguns estados, a taxa de homicídios em 2018 mais do que dobrou em relação a 2008: é o caso do Ceará, cujos homicídios de mulheres aumentaram 278,6%; de Roraima, que teve um crescimento de 186,8%; e do Acre, onde o aumento foi de 126,6%.
As maiores reduções nesses dez anos ocorreram no Espírito Santo (52,2%), em São Paulo (36,3%) e no Paraná (35,1%).
O relatório mostra que 30,4% dos homicídios de mulheres ocorridos em 2018 no Brasil teriam sido feminicídios – um crescimento de 6,6% em relação a 2017.
Desigualdade racial nos indicadores de homicídios
Embora o número de homicídios femininos tenha apresentado redução de 8,4% entre 2017 e 2018, na última década a situação melhorou apenas para as mulheres não negras.
Entre 2017 e 2018, houve uma queda de 12,3% nos homicídios de mulheres não negras. Já entre as mulheres negras essa redução foi de 7,2%.
Analisando-se o período entre 2008 e 2018, essa diferença fica ainda mais evidente: enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras caiu 11,7%, a taxa entre as mulheres negras aumentou 12,4%.
Em 2018, 68% das mulheres assassinadas no Brasil eram negras. Enquanto entre as mulheres não negras a taxa de mortalidade por homicídios no último ano foi de 2,8 por 100 mil, entre as negras a taxa chegou a 5,2 por 100 mil, praticamente o dobro.
O Atlas da Violência também mostra que em 2018 os negros (soma de pretos e pardos, segundo classificação do IBGE) representaram 75,7% das vítimas de homicídios, com uma taxa de homicídios por 100 mil habitantes de 37,8.
Comparativamente, entre os não negros (soma de brancos, amarelos e indígenas) a taxa foi de 13,9 – o que significa que, para cada indivíduo não negro morto em 2018, 2,7 negros foram mortos.
Entre 2008 e 2018, as taxas de homicídio apresentaram um aumento de 11,5% para os negros, enquanto para os não negros houve uma diminuição de 12,9%.
Violência contra a população LGBT
O Atlas da Violência também traz dados de violência contra a população LGTB. Os dados do relatório mostram que houve um aumento de 19,8% dos casos em 2018, em relação ao ano anterior.
Casos de violência psicológica aumentaram 7,4%: foram 1.693 registros em 2017 e 1.819 no ano seguinte. Já os casos de violência física tiveram uma alta de 10,9% de um ano para o outro: de 4.566 para 5.065.
Outros tipos de violência passaram de 1.192 registros em 2017 para 2.108 no ano seguinte – aumento de 76,8%.
Perfil das vítimas de assassinato no Brasil
Segundo o Atlas da Violência, os dados de 2008 a 2018 mostram que 91,8% das vítimas de homicídio no Brasil são homens. Segundo o relatório, há uma maior probabilidade de ocorrência de homicídios entre os homens mais jovens, sendo o pico aos 21 anos de idade. As informações mostram que 55,3% dos homicídios de homens acontecem no período da juventude, entre 15 e 29 anos.
Entre os homens que são mortos no Brasil, 74% são negros, segundo os dados da última década. Entre as mulheres, 64,4% das vítimas são negras.
As vítimas de homicídio no Brasil também têm baixa escolaridade. Nos últimos dez anos, 74,3% dos homens vitimados possuíam até sete anos de estudo, enquanto esse indicador era de 66,2% para as mulheres.
O estado civil também é um recorte que pode ser feito na análise dos dados. De 2008 a 2018, entre todas as vítimas de homicídio, os solteiros respondiam por 80,4%, no caso dos homens, e 71,0%, no das mulheres.
Em relação aos dias dos óbitos, a maior intensidade, tanto para homens quanto para mulheres, ocorre nos fins de semana, sobretudo no período entre 18h de um dia e 2h da madrugada do dia seguinte.
Armas de fogo
O Atlas da Violência referente a 2018 também mostra que 71,1% dos homicídios no país foram cometidos com uso de armas de fogo. Em 2018, 41.179 pessoas foram assassinadas por arma de fogo no país, o que correspondeu a uma taxa de 19,8 por 100 mil habitantes.
Entre os homens assassinados, esse percentual é de 77,1%. Já entre as mulheres, 53,7% morreram por disparos de armas de fogo.
Segundo os pesquisadores, caso a trajetória do número de homicídios por arma de fogo fosse balizada pelos índices de crescimento antes do Estatuto do Desarmamento, em 2003, o Brasil poderia ter ultrapassado 80 mil mortes em 2018.
O que esperar do futuro?
O Atlas da Violência analisa as causas da diminuição dos homicídios em 2018 para tentar fazer uma projeção do que esperar para os próximos anos em relação ao índice de assassinatos do país. Os pesquisadores apontam para uma tendência de envelhecimento da população, o que deve diminuir o índice de jovens até 2030. Isso vai diminuir, por consequência, a ocorrência de mortes violentas.
Além disso, o documento analisa as políticas de segurança pública no âmbito dos estados. Alguns programas são destaque neste sentido, como o Infocrim (2000), em São Paulo; o Programa “Ficar Vivo” (2002) e o Igesp (2008), em Minas Gerais; o Pacto pela Vida (2007), em Pernambuco; as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) (2008), no Rio de Janeiro; o “Paraíba Unidos pela Paz” (2011); o “Estado Presente” (2011), no Espírito Santo.
“Essas experiências nacionais serviram para mostrar que mudanças no modelo de gestão da segurança pública, com planejamento e orientação por resultados, qualificação do trabalho policial e ações preventivas no campo social, geram resultados”, analisam os pesquisadores.
O Atlas da Violência destaca, ainda, que a flexibilização da política de acesso a armas e munição tem forte influência nos índices de homicídios no Brasil. O documento aponta que, se não fosse o Estatuto do Desarmamento, a taxa de homicídios teria, entre 2004 e 2007, aumentado 11% acima da verificada.
“Mesmo com todas as evidências científicas a favor do controle responsável das armas de fogo e pelo aperfeiçoamento do Estatuto do Desarmamento, a legislação instituída desde 2019 vai exatamente no sentido contrário”, destacam os pesquisadores. “Como uma arma com boa manutenção pode durar décadas, as consequências desta política armamentista se perpetuarão no longo prazo, com efeitos contra a paz social e a vida, já demonstrados por inúmeras pesquisas.”
Por fim, os pesquisadores apontam para a instabilidade na relação entre facções criminosas. Segundo o Atlas da Violência, a tensão e as precárias condições nas prisões no país “tornam esse ambiente sempre um barril de pólvora, cujo rastilho pode se acender a qualquer momento, por razões pontuais e inesperadas”. Além disso, eles destacam que “a presunção sobre a correlação de forças entre as facções pode mudar ao longo do tempo, gerando novos incentivos para guerras”.
“Reunindo os quatro fatores causais aqui analisados, fica uma grande incerteza sobre a tendência dos homicídios para os próximos anos, na medida em que, se a demografia e a experiência acumulada de boas políticas públicas influenciam no sentido de diminuir os homicídios, a política armamentista e a instabilidade no processo de guerra e paz entre as facções penais conspiram a favor da ocorrência de mais mortes”, concluem.
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