Aquilo que já afligia a velha guarda do Partido dos Trabalhadores – a perspectiva de a legenda não conseguir sobreviver após a saída do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do cenário eleitoral – começou a ser verbalizada publicamente. Foi na voz de José Dirceu, outrora o mais poderoso ministro dos governos petistas e ex-presidente da legenda, que veio o recado mais claro dessas preocupações.
Em recente debate em São Paulo, Dirceu foi cristalino ao afirmar: “não quero nem pensar no pós-Lula”, devido ao sério problema de renovação de lideranças do PT. Lembrou que a sua geração, na qual se encontra Lula e outros como o deputado Rui Falcão e o ex-governador Tarso Genro (RS), já está na casa dos 80 anos ou próxima de entrar nela, enquanto não se vislumbram sucessores no comando e nos destinos do petismo.
“Temos um sério problema de relevo, como diriam os cubanos”, afirmou. Ele destacou que os correligionários precisam ter consciência dessa realidade, começando pelo próprio Lula, “que deve ser o primeiro a se preocupar com isso”. Ao longo das sete campanhas presidenciais das quais participou, vencendo três, e de outras três que foi o maior cabo eleitoral de outros candidatos do PT, conquistando duas, Lula cometeu o erro central de não organizar adequadamente a sua própria fila sucessória.
Outros fatores também interferiram nesse processo de preparação de novas gerações, começando pelo excesso de centralismo na figura do próprio presidente. O ocaso de figuras com potencial, como o próprio Dirceu, que absorveu o maior impacto do escândalo do mensalão, e o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que tropeçou em seu próprio escândalo após ter ganho prestígio e poder com a sua bem-sucedida passagem pela pasta da Fazenda, frustraram sucessores com os quais Lula se revezaria.
Escândalos tiraram de linha mais nomes, deixando Lula protegido em seu especial potencial de voto, ainda único na esquerda. Ele optou por fabricar candidaturas tuteladas, como no caso de Dilma Rousseff. Mas foi frustrado pelos erros inesperados e catastróficos da mandatária na gestão da economia, sem mencionar a inabilidade política que marcou o mandato de sua escolhida. Restou a figura próxima: Fernando Haddad, ex-ministro da Educação, atual ministro da Fazenda e opção moderada para novas investidas. Ainda hoje, ele é o nome disponível para a tarefa de disputar a Presidência numa indisponibilidade de Lula.
Para especialistas, lulismo superior a petismo consagra dependência a Lula
Desde sua fundação em 1980, o PT sempre teve Lula como figura central. Quatro décadas depois, o partido segue fortemente dependente do líder, agora com 78 anos. Esta dependência levou ao não desenvolvimento de outros candidatos petistas “naturais” no plano nacional, que vão fazer falta para o PT sobretudo quando o presidente estiver fora do jogo eleitoral. O apoio à figura de Lula superou a adesão ao PT junto ao eleitorado, consagrando um lulismo mais forte que o petismo e fomentando crescente sentimento antipetista, intensificado por eventos como o escândalo do mensalão, as manifestações de rua em 2013, o impeachment de Dilma Rousseff e a Operação Lava Jato.
Esse quadro já favorece uma tensão interna, expressada na briga pela sucessão da deputada Gleisi Hoffmann (PR) na presidência da legenda em 2025, com a velha guarda apoiando o prefeito de Araraquara (SP), Edinho Silva, e os grupos mais à esquerda preferindo José Guimarães (CE), líder da bancada na Câmara.
O cientista político e consultor eleitoral Paulo Kramer explica que o PT preferiu não se converter à social-democracia, seguindo modelo no qual a cúpula partidária define quem entra ou fica de fora do poder, a exemplo dos regimes de partido único, como Cuba, China e a antiga União Soviética. Também há semelhança com a hegemonia do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México de 1929 a 2000. “Os mexicanos, ao menos, institucionalizaram sua ditadura perfeita, evitando crises sucessórias. Nela, o presidente apontava o sucessor para o mandato de seis anos, após o qual o ex-presidente se retirava da vida pública.
Para o cientista político Antônio Flávio Testa, Lula sabe que não tem um sucessor de peso no PT, tanto que se lançou candidato à reeleição. “Seu narcisismo o impediu de deixar um legado respeitável. A cada dia, ele desconstrói sua imagem e credibilidade, continuando no poder porque cooptou o Judiciário e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a um preço alto. Não sei se sobreviverá politicamente competitivo após as eleições municipais”, aposta. O professor acrescenta que as esquerdas estão perdendo espaço internacional por dificuldade de se reinventar.
Envelhecimento da bancada do PT na Câmara contrasta com a juventude do PL
Estando no quinto mandato presidencial, o PT vê sua representação na Câmara envelhecer paulatinamente após 40 anos de atividade. Com 68 deputados, a bancada do partido tem idade média de 56 anos, perdendo só para o PCdoB, com média de 59,5. Esse perfil etário pode ser observado no comparativo desta legislatura, a 57ª, com as duas anteriores. O PT saltou de 52 anos médios para 56. Na outra ponta, o rival PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, registrou rejuvenescimento, saindo de uma média de 51 anos para os atuais 49 anos, graças não apenas à eleição da maior bancada da Casa, mas ao grande número de estreantes no Congresso.
A situação do PT vai na contramão do que foi registrado em 1983, ano em que a sigla elegeu suas principais lideranças na época, como Lula, que tinha 37 anos; Eduardo Suplicy, 41; e José Genoíno, 36 anos. Apesar de pequeno, o partido era visto como a principal aposta da esquerda no processo de redemocratização. Em 2001, o PT atraía jovens em início de carreira política, como ocorreu com o deputado federal Lindberg Farias (PT-RJ). Protagonista do movimento Caras-Pintadas, que contribuiu para o impeachment de Fernando Collor (1992), o jovem deputado federal saiu do PSTU e passou a integrar a sigla petista.
Desconexão do PT com os jovens impede renovação dos parlamentares da legenda
O processo de envelhecimento de um partido que foi referência para a juventude na década de 1980 desperta curiosidade. Hoje, o PT tem quase 20 mil filiados jovens, de 16 a 24 anos. Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o centralismo petista na figura de Lula pode ser uma das principais causas da difícil renovação da legenda. “Partidos de esquerda, de modo geral, costumam adotar organização interna muito centrada em um líder carismático. Essa dinâmica dificulta o surgimento de novas lideranças”, explica o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Ao analisar a idade média das bancadas na Câmara, Elton também disse que o PSOL destoa do campo progressista ao adotar estratégia que corresponde mais às demandas da sociedade atual, como a participação massiva nas redes sociais e uma comunicação de apelo jovem. “O PSOL aparece justamente como a esquerda que se modernizou. Do ponto de vista das pautas defendidas, não é mais aquela esquerda trabalhista. É uma esquerda identitária, que leva em consideração fatores de raça e gênero, elementos mais socioculturais. Além disso, o partido abraçou a tecnologia”, comentou.
Escândalos de corrupção e recessão dos anos Dilma também afetaram a renovação
O protagonismo do PT nos escândalos do Mensalão e no Petrolão também pode explicar os motivos pelos quais o partido deixou de renovar seus quadros. Em ambos os escândalos de corrupção e lavagem de dinheiro, Lula, a ex-presidente Dilma Rousseff e demais nomes importantes da legenda foram alvo das denúncias. O “Quadrilhão do PT” foi outro exemplo. Conforme apontado pela Operação Lava Jato, em 2017, Antonio Palocci Filho, Guido Mantega, Edinho Silva, Paulo Bernardo, Gleisi Hoffmann, e João Vaccari Neto teriam arrecadado R$ 1,5 bilhão em propina por meio de contratos de entes públicos como Petrobras e BNDES. Mesmo absolvidos pela Justiça em 2019, o desgaste ficou.
Na avaliação do cientista político Antônio Henrique Lucena, professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), os escândalos acabaram afastando a juventude do partido. “Desde a exposição da corrupção, a nova geração da época, que hoje deve ter por volta dos 30 anos, passou a não se identificar com petista. Existem os jovens que se identificam com a esquerda, mas que não são aliados propriamente do PT e aí tivemos uma migração para outros partidos mais tradicionais”, observou.
PT registra queda no crescimento em meio à perda de popularidade de Lula
O envelhecimento do PT também aparenta ter reflexos no número de filiações nos últimos meses. Em maio de 2023, o partido tinha 1.623.546 registrados no sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Já em maio deste ano, o número subiu para 1.652.014 - um crescimento de 1,75%. Por outro lado, o PL viu o número de filiados subir 16,2% no mesmo período, de 770.288 para 895.794 filiados. Segundo analistas, o baixo crescimento petista pode ser reflexo da queda de popularidade de Lula nos últimos meses.
De acordo com levantamento publicado pelo PoderData em 29 de maio, Lula é desaprovado por 47% e aprovado por 45% dos eleitores. Desde a posse, o petista viu sua aprovação cair sete pontos percentuais, de 52% para 45%; e a desaprovação subir 8 pontos percentuais, saindo de 39% para 47%.
Metodologia: Os dados foram coletados de 25 a 27 de maio de 2024, por meio de ligações para celulares e telefones fixos. Foram realizadas 2.500 entrevistas em 211 municípios nas 27 unidades da Federação. A margem de erro é de 2 pontos percentuais. O intervalo de confiança é de 95%.
A atual queda de popularidade de Lula em si não significa necessariamente o fim da carreira do líder máximo do petismo. Mas quando ele abandonar a vida pública, possivelmente o "reinado" que construiu também vai virar apenas história.
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