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O deputado federal Igor Kannário (DEM-BA) conseguiu uma façanha rara nos tempos de polarização política: colocou bolsonaristas e petistas do mesmo lado do debate. Isso por conta de críticas que fez à atuação da Polícia Militar da Bahia durante o carnaval. O parlamentar, que também é cantor, afirmou que militares estariam agindo de forma violenta contra foliões e chamou um policial de "bunda mole".
Com isso, motivou ataques do governador baiano Rui Costa (PT) e de simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro, como os deputados Carla Zambelli (PSL-SP) e Daniel Silveira (PSL-RJ). O parlamentar do Rio gravou um vídeo chamando Kannário de "vagabundo" e desafiando o deputado-cantor para repetir, no Congresso, as críticas aos policiais. Silveira é policial militar em seu estado.
A recente controvérsia de Kannário com a polícia baiana é mais uma que se soma a episódios semelhantes. Em 2017, quando o hoje deputado era vereador de Salvador, interrompeu um show para criticar uma policial na cidade de Feira de Santana (BA) e disse que, por ser parlamentar, era "mais autoridade" do que a militar. E no ano passado, também por contestar a atuação de policiais durante um show, disse "eu sou a lei, sou deputado federal" aos militares.
A fala motivou um bate-boca virtual entre ele e o também deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). O filho do presidente escreveu: “como um sujeito desses é eleito na Bahia?".
Vistoso no palco, discreto no Congresso
Igor Kannário, cujo nome civil é Anderson Machado de Jesus, não é uma figura discreta. Conhecido como "Príncipe do Gueto", ele fez carreira como cantor de pagode, se tornando um dos mais bem-sucedidos de Salvador. Tem diversas tatuagens pelo corpo – uma delas traz o desenho de uma folha de maconha e a palavra "legalize". A droga, aliás, já causou problemas ao parlamentar. Ele foi preso duas vezes pelo porte do entorpecente em 2015.
O início na política se deu em 2016, quando foi eleito vereador em Salvador, com 11.432 votos, pelo pequeno PHS. No mesmo partido, elegeu-se deputado federal em 2018. Recebeu, na ocasião, 54.858 votos. Beneficiou-se pelas regras da votação proporcional: teve menos votos do que veteranos da política local que acabaram não eleitos, como Antonio Imbassahy (PSDB), Lúcio Vieira Lima (MDB) e José Carlos Araújo (PL). Como o PHS não superou a cláusula de barreira, Kannário trocou de sigla nos primeiros meses de 2019. O destino foi o DEM, partido do prefeito ACM Neto, de quem é politicamente próximo.
O perfil vistoso que Kannário mostra como artista não se reflete em sua atuação parlamentar. Ao contrário: no Congresso, o deputado é uma personalidade quase imperceptível. Os números de Kannário destacados no site da Câmara atestam o quadro. Ele não fez nenhum discurso em plenário neste mais de um ano de mandato. O banco de imagens da página da Câmara, que registra o cotidiano da instituição, não contém nenhuma fotografia em que ele esteja em destaque. E nas comissões, que são as instâncias da Câmara para discussão e aprovação de projetos, Kannário teve ao longo de 2019 mais ausências do que presenças: 45 contra 23.
Seu nome foi citado uma única vez no site e nas redes sociais de seu partido. Foi em setembro do ano passado, por conta de um projeto de sua autoria que determina a troca de sacolas plásticas comuns por biodegradáveis. Kannário é autor de outros 29 projetos e foi indicado para a relatoria de três: um sobre o cumprimento do horário de início de shows, outro sobre a definição de Porto Seguro (BA) como capital histórica do Brasil e um terceiro sobre o tempo máximo de veiculação de propagandas antes das sessões de cinemas.
"Autoridade tem que ser respeitada"
O deputado Daniel Silveira conversou com a Gazeta do Povo sobre o vídeo que divulgou nas redes sociais e reiterou as críticas a Kannário. "O comportamento dele é inadmissível. Ele chega ao Parlamento e acha que está acima da polícia. A autoridade tem que ser respeitada quando se porta como autoridade. Não podemos permitir o 'sou deputado, então vou desrespeitar as autoridades que estão abaixo de mim'.", disse Silveira.
O parlamentar do Rio falou ainda que pretende procurar Kannário para buscar uma "explicação" sobre a atitude do integrante do DEM. "Eu vou falar com ele na tribuna, como falei que falaria no vídeo, e vou procurar ele pra ver se ele dá uma explicação. Para ver se ele se acostuma a ser autoridade ou se quer ser traficante. Se quer ser traficante vai lá para facção dele e sai do Congresso", disse.
Silveira falou também que "nunca" viu Kannário no Congresso. "É um deputado que não é deputado", disse.
Kannário diz respeitar "instituição PM" e ter sido alvo de ameaças
O deputado Igor Kannário divulgou notas após o incidente no carnaval para, em suas palavras, "esclarecer os fatos". Segundo o parlamentar, sua atitude foi de pedir a "abordagem adequada dos profissionais" da polícia após ele ter constatado "tratamento agressivo de alguns policiais militares contra foliões".
Em outra nota enviada pela assessoria, o parlamentar diz ter recebido ameaças nas redes sociais após o incidente no carnaval. "Estou sendo vítima de ataques de covardes que não respeitam a democracia. Reitero meu respeito pela instituição Polícia Militar, mas repito que não irei me calar diante dos excessos. Querem, de todas as formas, manchar a minha imagem com fake news, mas não vão conseguir. Sobre os ataques e ameaças, as devidas medidas serão tomadas", afirmou.
Kannário foi procurado pela Gazeta do Povo, mas sua assessoria disse que ele não tinha disponibilidade para uma entrevista.