O ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), André Mendonça, pode ter cavado sua indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF). A defesa feita no julgamento que determinou que estados e municípios podem proibir celebrações religiosas, como cultos e missas, em templos e igrejas durante a pandemia, agradou muito o presidente Jair Bolsonaro e lideranças evangélicas. Porém, a nomeação não é certa.
A possibilidade de o ministro Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ser o escolhido, é significativa. Nos bastidores, ele e aliados políticos no Congresso vêm atuando a seu favor para influenciar na escolha de Bolsonaro. Entre seus principais cabos eleitorais, estão o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Ao passo em que Mendonça se fortaleceu ao defender a constitucionalidade de atividades religiosas durante a pandemia, Martins também. Indiretamente, o julgamento no STF foi visto no Palácio do Planalto como o pontapé da crise política e institucional que desbancou na instalação da chamada CPI da Covid. É diante desse momento que Martins pode ganhar a disputa.
O que Humberto Martins pode tirar da CPI da Covid
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que vai investigar ações e uma suposta omissão do governo federal no combate à Covid-19 se mostra como o maior desafio político do Executivo nesta pandemia. Apesar de o Planalto identificar "oportunidades" para Bolsonaro, é inegável o desafio que virá pela frente.
É pela mesma ótica de "oportunidade" que Martins pode vencer a queda de braço com Mendonça. O Planalto sabe que vai enfrentar forte oposição na CPI da Covid e tenta se blindar politicamente. E como mostrou a Gazeta do Povo, a instalação do colegiado reforça a pressão por cargos no governo.
O Centrão, que ganhou ministérios recentemente, quer abocanhar mais espaços no primeiro escalão em um momento que o governo, contudo, não dá sinais de que vai ceder às pressões. Bolsonaro, porém, está alertado por aliados do Congresso que a força do Planalto no colegiado pode ser menor ou maior, a depender dos gestos políticos.
Com aval de Lira e outros parlamentares do alto clero, a indicação de Martins tem tudo para agradar o Centrão em ambas as Casas. Um parlamentar próximo ao presidente da Câmara diz que Lira está de peito aberto fazendo campanha pelo ministro Humberto Martins.
A escolha de Martins também tem o aval de Calheiros, que integra a CPI da Covid. O presidente do STJ, que já se disse um "soldado" do ex-presidente do Senado, é seu apadrinhado político. O senador, inclusive, foi padrinho de casamento da filha de Martins, em 2015.
Quais as chances de André Mendonça ser escolhido para o STF
O ministro André Mendonça pode até não contar com o mesmo nível de apoio político que Humberto Martins, mas isso não significa que ele esteja atrás na disputa. Um interlocutor do Planalto afirma que Humberto trabalha forte para se cacifar, mas não é o favorito.
"O julgamento [que o STF deu vitória aos estados sobre a proibição de missas e cultos] deu mais respaldo ao André", diz. "Ele [Mendonça] vinha se fortalecendo desde que estava no Ministério da Justiça, mas a defesa dele ajudou a consolidar", acrescenta o interlocutor.
Medidas duras adotadas por Mendonça contra opositores de Bolsonaro com base na Lei de Segurança Nacional (LSN), quando era ministro da Justiça, agradaram o presidente, afirmam interlocutores.
O presidente da República não foi o único que gostou da sustentação oral de Mendonça no julgamento. Um deputado da bancada evangélica diz que as lideranças religiosas já estavam fechadas com o Advogado-geral da União, mas se 'apaixonaram' pela defesa feita por ele. A sustentação agradou ministros de Estado, sobretudo os palacianos, que são alguns dos principais conselheiros de Bolsonaro.
Ao longo de sua defesa, o advogado-geral não apenas defendeu a constitucionalidade de atividades religiosas, como, também, mostrou clara oposição ao toque de recolher — o que custou a demissão do ex-ministro da AGU, José Levi e o retorno de Mendonça ao órgão.
"Medida de toque de recolher é incompatível com o Estado democrático de direito. A medida de toque de recolher não é medida de prevenção à doença. É medida de repressão própria a estados autoritários", declarou Mendonça.
Ao longo de sua defesa, o ministro citou pesquisas científicas e a decisão da Suprema Corte da Califórnia para embasar seu entendimento. "A Constituição não compactua com fechamento absoluto e a proibição das atividades religiosas. Não compactua com a discriminação das manifestações públicas de fé", defendeu Mendonça.
O que pesa contra a indicação de Humberto Martins
Apesar do apoio de caciques políticos e da tentativa do Centrão em fazer o nome de Humberto Martins, o presidente do STJ pode ter uma indicação para o STF preterida por Bolsonaro. Isso porque o presidente sabe que o nome dele não é do agrado das principais lideranças evangélicas.
Embora seja adventista, pesa contra Martins a leitura entre nomes influentes do segmento que ele é um “evangélico moderado”, como mostrou a Gazeta do Povo. "Não é um nome reconhecido pela comunidade evangélica", pondera um interlocutor. Adventistas costumam ter resistência entre lideranças, que cobram o "terrivelmente evangélico" prometido reiteradamente por Bolsonaro.
Uma prova da lealdade de Martins foi dada em fevereiro, quando o STJ anulou as quebras de sigilo fiscal e bancário do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) dentro da investigação da “rachadinha”, suposto esquema de desvio de recursos públicos quando era deputado estadual.
O apoio de parlamentares não é o único trunfo de Martins. O próprio ministro, que também tem o aval da maioria dos ministros do STF, sabe ser político. Ele já foi questionado por Bolsonaro sobre sua proximidade com Calheiros e, segundo afirmam pessoas próximas do presidente do STJ, soube ser hábil o suficiente para convencer o presidente de sua lealdade.
A decisão do STJ chamou a atenção do governo. Mesmo sem o voto de Martins, a decisão favorável ao filho de Bolsonaro foi encarada no Planalto como um aceno político.
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