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O impasse sobre a taxação das plataformas online de importados para compras de até US$ 50 ressurgiu no Senado, ainda mais complexo, marcado por uma briga eleitoral regional, desentendimento entre as duas casas do Legislativo e desorientação do governo sobre o tema.
Na semana passada, uma tensa negociação entre os presidentes da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), terminou com um acordo que definiu uma alíquota de 20% para a polêmica "taxa das blusinhas", como ficou conhecida a emenda incluída no projeto do Programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover).
Mas ao chegar para análise do Senado a proposta recebeu a relatoria do senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL), que surpreendeu nesta terça-feira (5) ao anunciar a retirada em seu parecer do trecho da matéria que trata da "taxa das blusinhas", desfazendo o acordo firmado entre Câmara e governo.
Alegando excluir um “corpo estranho” do projeto do Mover, a sua decisão, contudo, não se orientou pelo posicionamento que a oposição ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) vinha tendo antes, de defesa da continuidade da isenção das compras. Ela foi motivada por questões eleitorais em seu estado, o mesmo do presidente da Câmara.
Cunha está cotado para ser candidato a vice-prefeito na chapa de reeleição do atual prefeito de Maceió, João Henrique Holanda Caldas (PL), mais conhecido como JHC. Lira, aliado de JHC, não apoiou a indicação do senador.
Se Cunha for eleito vice, a mãe de JHC, a ex-prefeita Eudocia Caldas (PL), assume como suplente a vaga de senadora por Alagoas. O acordo ajudaria o prefeito a se candidatar ao Senado ou ao governo em 2026, devendo ser confirmado em junho, durante as convenções. Lira prefere Jó Pereira (PSDB), prima e secretária de Educação, como vice de JHC.
A questão local acabou se desdobrando num imbróglio para o Congresso e o Palácio do Planalto, que já coleciona uma série de derrotas devido à desarticulação política.
“Não é o momento ideal. Não é taxar as blusinhas que vai melhorar o país de uma hora para outra”, disse Cunha, evocando o protagonismo do Senado na questão.
A alíquota de 20% sobre as compras internacionais de até US$ 50 foi um “meio-termo” aprovado pelos deputados após um duelo de última hora entre Câmara e governo, quando Lula mudou de opinião sobre o tema, preocupado com as repercussões negativas no eleitorado. Inicialmente, Lula havia prometido vetar a taxação, caso ela fosse aprovada pelo Legislativo. Depois aceitou a proposta de Lira.
A briga dos dois personagens alagoanos em torno da costura de acordos para a disputa da prefeitura de Alagoas arrastou consigo também temas de interesse nacional, tanto de consumidores quanto da indústria. Em meio à volta do impasse sobre a aplicação do imposto de importação sobre as compras internacionais, incluída inicialmente no projeto do Mover, Lira ameaçou reprovar o texto em eventual nova apreciação pelos deputados.
Segundo Lira, os senadores devem “honrar o acordo” feito anteriormente entre o governo e a Câmara. Ele defendeu a taxação embutida no projeto e disse que, caso o trecho seja mesmo tirado do projeto no Senado, a própria votação do Mover fica sob risco.
“Se o Senado modificar o texto, obrigatoriamente tem de voltar para a Câmara. Não sei como os deputados vão encarar uma votação que foi feita por acordo”, provocou.
Segundo ele, os empresários do setor de varejo nacional são os mais afetados pela incerteza, frustrados diante das constantes mudanças na perspectiva de taxação ou não dos importados.
O Mover prevê créditos financeiros para empresas que invistam em pesquisa, desenvolvimento e produção tecnológica, e que contribuam para a descarbonização da frota de carros, ônibus e caminhões. Ao todo, são oferecidos créditos de R$ 19,3 bilhões até 2028, que podem ser usados para abater impostos federais. O programa prevê a criação do Fundo Nacional para Desenvolvimento Industrial e Tecnológico (FNDIT), com recursos para o setor de autopeças e outras áreas da cadeia automotiva.
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Pacheco confrontou acordo de Lira e Lula ao indicar Cunha como relator
Para completar a confusão forjada por interesses políticos contrariados, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também parece colaborar com a nova crise no Congresso por não ter sido incluído no processo que levou ao acordo firmado entre Lula e Lira.
Como consequência, Pacheco adiou a votação para esta quarta-feira (5), atendendo pedido do líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA). Em paralelo, o presidente da Câmara procurou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para saber como o governo se portará desta vez. Ele avisou que negocia com “um só governo”.
Pacheco disse achar que a taxação é “bastante razoável” e afirmou que muitos senadores a consideram justa. Neste sentido, considerou a atitude de Cunha como prudente, admitindo uma votação do tema em separado ao Mover.
“Nesse caso concreto, há o estabelecimento de uma concorrência entre mesmos produtos da indústria nacional e a estrangeira. Não pode haver um tratamento diferenciado em relação a isso”, disse.
Lira se mostrou contrariado com Pacheco pela escolha de Rodrigo Cunha como relator do PL do Mover.
“Lira entendia que era responsabilidade de Pacheco orientar Cunha da existência do acordo para evitar que este fosse desrespeitado”, comentou Márcio Coimbra, cientista político e diretor do Instituto Monitor da Democracia.
Desorientação de Lula sobre o tema contamina posições dos partidos
O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM) anunciou que partido deverá votar pela manutenção do texto como veio da Câmara, apoiando uma proposta que será apresentada pelo líder do União Brasil, Efraim Filho (PB). O seu argumento é que esses produtos importados estão concorrendo de maneira injusta com os similares nacionais.
A polêmica em torno da “taxa da blusinha”, agravada pelos sinais contraditórios emitidos pelo próprio Lula, bagunçaram as posições historicamente expressadas pelos partidos no Congresso. Ainda há o discurso que critica a invasão de produtos chineses por práticas comerciais agressivas.
De perfil desenvolvimentista e nacionalista, a esquerda agora prefere ser contra a taxa, com apoio velado do presidente da República e de olho nos índices de popularidade. Por outro lado, a oposição antes contrária, fala em defesa da indústria nacional e passou a apoiar a cobrança da taxa. Nesse fogo cruzado, a equipe econômica apoia a taxação visando o aumento da receita.
Reforma tributária corre em paralelo à popular discussão da "taxa das blusinhas"
Para Arthur Wittenberg, o professor de relações institucionais e políticas públicas do Ibmec-DF, o impasse criado pelos grupos de interesse com forças opostas e de natureza diferente sensibiliza parlamentares com o argumento de que a taxação dos importados vai gerar ou preservar empregos e tributos nacionais.
Por outro lado, os consumidores acabam, no curto prazo, pagando mais caro por produtos, o que pode impactar ainda mais nas taxas de aprovação do governo. "O governo pode arrecadar mais e fazer frente aos desafios fiscais, tornando o conflito parlamentar ainda mais complexo", disse.
Wittenberg frisa que a questão tributária não pode ser ignorada em meio a todo o debate em torno da "taxa das blusinhas".
"As discussões no Congresso para levar adiante a reforma tributária estão bem estruturadas e devem continuar avançando em construir consensos. Não creio que esse tema das blusinhas seja capaz de se sobrepor à reforma, que é muito mais importante. Agora, o apelo político também é muito maior no caso das blusinhas", observa.